Lembro-me de, quando criança, deslizar pelos salões do Museu Imperial de Petrópolis, a esquiar naquelas inimagináveis pantufas. Se me perguntarem o que achei da coroa, não tenho a mais vaga lembrança, mas as pantufas ficaram gravadas na memória infantil. Diferentemente de Nelson Rodrigues (Jornal dos Sports, 10.11.1968), que foi mais fiel:

“Confesso que, desde garotinho, eu gosto até dos reis de baralho. Ouso mesmo dizê-lo: até os sete anos, fui um monarquista feroz. Aos nove anos, li Memórias de um médico, do Dumas, pai. E torci furiosamente pela Maria Antonieta contra a Revolução Francesa. Pode-se pensar que sou um caso único.”

Não, não foi. Depois, na adolescência, a terrível mania de ser do contra – que me acompanha até hoje. Quanto mais se falava que o golpe (esqueçam o eufemismo “proclamação”) da república (esqueçam a caixa-alta) foi uma conquista, mais eu acreditava, embora por pura intuição e birra, que foi um retrocesso (e foi, mesmo, como se vê no livro O reino que não era deste mundo, de Marcos Costa). Quando passeava no calçadão de Copacabana, para espanto dos demais transeuntes e (provável e justificada) preocupação quanto à minha sanidade mental, volta e meia eu gritava: “viva a monarquia!”. Por pura provocação. Como diria Chico Buarque, “nadando contra a corrente até não poder resistir”.

A coisa foi além. Arrastei minha tia para alguns encontros monárquicos, liderados pelo professor Otto de Alencar Sá Pereira. Até que um professor republicano colocou nas minhas caraminholas o vírus de um boato que rasgou, de alto a baixo, o sonho longamente costurado. Mandei uma carta aos monarquistas e encerrei o assunto. No nadir dessa curva, cheguei ao cúmulo de votar na república, no plebiscito. Era como se fosse um expurgo. Erros como esse cometi às catadupas, por isso já nem me espanto. Poderia debitar na conta da juventude, mas isso é covardia ou auto-engano. Melhor assumir o erro de cara limpa.

Passadas as décadas, de tanto ler sobre história do Brasil (militar, política, do futebol), heráldica (geral e futebolística), acabei por me embrenhar novamente no Império. E percebi como fui enganado pela propaganda republicana, a mesma que é ministrada desde meados do séc. XIX. Falam de Goebbels, e têm razão, mas a mentira repetida vem de longe – e é republicana. Falam dos marqueteiros de hoje, e têm razão, mas o estelionato político vem de longe – e é republicano.

Porque, no Brasil, a res publica sempre foi res (coisa; aliás, rasa, chã), mas nunca foi pública. Aliás, sua etimologia deveria ser “ pública”; seria mais honesto (mas quem espera honestidade da república?), porque já anunciaria, pelo próprio nome:

  1. que ela tem culpa no cartório; e
  2. qual é a única marcha que ela sabe engatar.