Nesses dias mornos e de pouco vento já estou esquecida de mim.

Minha imagem vem e desaparece sem que eu possa descartar uma só impressão das muitas vidas apressadas que vivi.

Não sei se fui homem ou mulher, se subia montanhas ou corria para junto do mar.

Quem eu fui vai aos poucos desaparecendo diante de um rosto vincado no espelho.

Tento buscar o dia em que comecei esse caminhar apressado.

Se fui apenas uma menina assustada ou se meu destino era encontrar o oceano.

 

Tento trazer do passado amores que vivi, muros que transpus, pedras e também flores.

Resta apenas um vago sentimento de uma vida breve que se vai perdendo na escuridão silenciosa de levantar cedinho para correr todas as horas que despertam obrigações de mãe e mulher.

Estou esquecida até dos desejos pueris que brincavam madrugada adentro.

Já não sou o que um dia existi.

Uma outra alma acampou no meu corpo e traduz com pouco esforço toda uma existência livre de amarras ou obrigação.

 

Salve, ó espírito eterno que me gerou mulher e poeta.

Abençoados sejam os versos que me guardam na eternidade.

E quando nada mais for lembrança uns poucos versos amarelados pelo tempo vencerão a poeira do abandono para encontrar olhos sedentos de sentimento, paixão e razão.