RESUMO

O artigo faz uma análise da influência do medo de represália sobre a identidade dos membros do partido Renamo, nos seus locais de trabalho, no Aparelho do Estado. Tem como objectivo compreender a influência que o medo de represália política produz sobre a auto-identidade dos membros do partido Renamo.  A pesquisa teve como método de abordagem o fenomenológico. As principais técnicas de recolha de dados a entrevista semi-estruturada e busca bibliográfica em bibliotecas e em websites. O tipo de amostragem é intencional e o tipo de estratégia de amostragem a de conveniência e a bola-de-neve. Tendo como base o interaccionismo simbólico de Erwin Goffman, o artigo faz uma análise de como o medo de represália, por parte dos membros do partido Renamo leva à manipulação de identidades, num quadro social que reflecte um cenário baseado numa auténtica representação teatral. Sendo que os indivíduos, de acordo com os espaços em que se encontram, as pessoas com quem interagem e, segundo os interesses que possuem, eles revelam uma identidade virtual ou uma identidade real.

Palavras-chave: represália política, medo social, Identidade.

INTRODUÇÃO

O artigo faz uma análise da influência do medo sobre o comportamento dos membros do partido Renamo. Este procura saber em que medida o medo de represália política influencia no comportamento dos membros dos partidos da oposição na cidade de Maputo. Especificamente, pretende-se compreender a influência que o medo de represália política produz sobre a auto-identidade dos membros do partido Renamo, funcionários do sector público.

Em Moçambique, a fidelidade partidária tem sido um importante factor para ter acesso ao emprego e assumir cargos no sector público. Alguns autores fazem referência a esse respeito. Segundo Groelsema, Turner e Shenga (2009), multiplicam-se os apelos à fidelidade partidária das pessoas como base para o recrutamento, promoções e garantia de emprego. Por sua vez, Pereira (2008) diz que, na prática, as relações entre membros de partido são mais importantes do que as relações oficiais formais, o que resulta na exclusão daqueles que não pertencem ao partido no poder. Também podemos encontrar patente esse facto no trabalho de Osório e Cruz e Silva (2009), “Género e Poder Local”. Neste trabalho a autora demonstra que a ocupação de cargos no Aparelho do Estado, no Distrito de Tambara e Machaze, na Província de Manica, é baseada na instrumentalização político partidária. Assim, grande parte dos indivíduos ainda vê a pertença a um partido da oposição como sendo algo que exige coragem, dada a reprimenda que pode advir

disso. Os indivíduos ainda sentem-se intimidados por expressar suas opiniões a nível político.

Por outro lado, é frequente, quotidianamente, encarar-se com estranheza o facto de um determinado indivíduo pertencer a um partido da oposição. A ideia de pertencer a um partido da oposição e assumir publicamente, em determinado contexto, é motivo que desperta nos indivíduos sentimentos de medo de exclusão social. Esses indivíduos vivem com o medo de ser marginalizado no mercado de emprego, de perda de emprego, de não ser promovido e de vários outros tipos de represália. Por exemplo, segundo Mazula (2000), os partidos da oposição queixam-se de que o Governo ou o partido no poder não lhes permite ou dificulta bastante a sua participação no processo de privatização das unidades económicas, favorecendo sempre os militantes da Frelimo. Queixam-se também de que não têm acesso a cargos directivos no Aparelho de Estado, salvo raríssimas excepções.

A nível sociológico, isso reflecte sobre as relações sociais que os indivíduos estabelecem no seu quotidiano. Para além de ser notável a influência que o poder politico tem sobre as emoções dos indivíduos, o medo pode ser um factor que determina as interações sociais dos indivíduos, afectando, especialmente as suas identidades, mostrando o quanto esse conceito pode relacional.

Nesse sentido, o trabalho questiona-se sobre as influências que o medo de represália política pode exercer sobre as identidades dos membros do partido Renamo. Procura, especificamente, entender de que modo o medo de represália influencia a auto-identidade dos funcionários do Aparelho do Estado, membros da Renamo, nos seus postos de trabalho. Visto que esses indivíduos sentem-se intimidados pela represália política, procura-se entender quais as estratégias que eles usam para lidar com esse medo e de que forma essas estratégias influenciam as suas auto-identidades. Nesse sentido, a questão que orienta o estudo é: Que influência o medo de represália política (perda de emprego, não ser promovido, falta de progressão, não conseguir emprego) exerce sobre a auto-identidade dos membros dos partidos da oposição.

Para responder a tal questão, partiu-se da hipótese de que o medo de represália política leva à manipulação das identidades políticas dos membros da Renamo. Nesse sentido, para análise de tal hipótese, achou-se adequado o uso da teoria interaccionista de Erwin Goffman. Este autor usa a perspectiva de representação teatral. Considera o modo como o indivíduo, no seu quotidiano, se apresenta a si próprio e a sua actividade perante os outros, as maneiras como controla a impressão que os outros formam dele, as diferentes coisas que poderá fazer ou não fazer enquanto desempenha perante os outros o seu papel, (Goffman, 1993).

Para além da teoria de Goffman, a pesquisa auxilia-se de conceitos como represália política que, no contexto do presente estudo será entendida como sanção ou vingança por um acto que se tenha sentido prejudicado ou em desvantagem; auxiliando-se do princípio de que a represália política nem sempre é juridicialmente ou legalmente aceite, podendo ser por vingança política, Raymond Aron apud Bobbio, Matteucci e Pasquino (1983). Outro conceito é o de medo social, que é entendido como um sentimento de impotência que um determinado grupo partilha, com determinada regularidade; auxiliando-se das ideias de Dias (2006), Barbalet (1998) e Kemper apud Barbalet (1998).

Um outro conceito que ajuda na análise do estudo é o de identidade, que é entendida como sendo algo que não se pode conceber através de atributos essenciais, mas ocasionais, Goffman (1988). Desse modo, consideram-se as ideias de identidade social virtual e identidade social real, (Ibidem). Decorrente desses conceitos, resulta o de manipulação de identidade, o qual é concebido como o facto de o indivíduo mudá-la de acordo com a ocasião, dependendo dos objectivos que pretende alcançar e da imagem que pretende transmitir às pessoas com quem interage, (Ibidem).