RESUMO

 

Durante muito tempo, à criança e ao adolescente foi negado o simples reconhecimento como sujeitos de direitos, destinatários de normas de caráter protetivo. Ao longo de sua existência, a criança era vista como “adulto em miniatura”, sendo disciplinada por normas gerais a todos impostas. Felizmente, nos dias atuais, houve uma intensa mudança no paradigma, sendo a criança reconhecida como ser em processo de desenvolvimento, e, por isso, íntegra de tutela específica. Dessa forma, a preocupação com a proteção e a qualidade de vida para a infância e a adolescência constituem documentos importantíssimos para a efetivação e continuidade do processo de desenvolvimento do público infanto-juvenil.

 

Introdução

 

  1. Medidas de proteção, o que é e qual a sua importância?

 

Conforme o artigo 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente, as medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados, seja por ação ou omissão estatal e da sociedade, por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável e/ou por razão de sua conduta.

Ou seja, as medidas de proteção visam evitar ou afastar o perigo ou a lesão à criança ou ao adolescente. Estas, possuem dois vieses: um preventivo e o outro reparador. Traduzem, portanto, fazer respeitar um direito fundamental da criança ou adolescente que foi ou poderá ser lesionado pela conduta comissiva ou omissiva do Estado, dos genitores ou responsável ou pela própria conduta da criança e do adolescente. Aplicam-se tanto na hipótese de situação de risco como no caso de cumulação com medida socioeducativa em ato infracional.

 

1.1.As hipóteses do inciso I, II e III

 

A verdadeira premissa dispõe ser dever do Poder Público, principalmente, e da sociedade em geral – inclusive da família, assegurar às crianças e adolescentes seus direitos. Caso contrário, seriam, pois, sujeitos-alvos das medidas de proteção todas as crianças e adolescentes que, por omissão destes agentes, tivessem seus direitos ameaçados ou violados.

Entre esses direitos, encontram-se violados ou ameaçados o direito à saúde ou a própria vida, em razão das condições de pobreza, de desnutrição e insalubridade ambiental, sem devida assistência médica de qualidade; a falta de acesso à instituições de ensino, ou, até mesmo, crianças e adolescentes submetidos a um processo educacional que os leva ao fracasso escolar, à estigmatização e à exclusão; a falta de preparação para o exercício da cidadania e capacitação profissional, decorrente da insuficiência escolar, que sujeitam o público infanto-juvenil a exploração e o afastamento ao convívio familiar e comunitário.

Além disso, encontram-se, por outro lado, crianças cuja famílias ou responsáveis se omitem do dever de assisti-las, criá-las e educá-las, expondo-as aos maus tratos, opressão, a discriminação, a violências de toda ordem etc., e em casos mais extremos, ao abandono.

Tratando-se do inciso III, este se refere à própria conduta da criança ou adolescente. Quanto aos direitos dos menores infratores, reconhece a lei, em função de uma dada conduta, entendida como ato infracional, possam vir a ter direitos ameaçados ou violados. No entanto, a própria legislação reconhece a criança e o adolescente como seres inimputáveis, incapazes de discernir seus atos, e por esta razão, a estes continuam sendo assegurados todos os seus demais direitos, não sendo admissível negá-los, principalmente tomando por base a reconhecida condição peculiar de desenvolvimento sócio-cognitivo em que se encontram estes sujeitos.

Nestes casos, sobressai o princípio da exigibilidade, ou seja, são exigíveis a proteção, a promoção e a efetividade dos direitos básicos de todas as crianças e adolescentes, principalmente os que mais dela necessitam.

No entanto, há de ressalvar que as medidas específicas de proteção, que buscam sempre os fins sociais a que se destinam, poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, bem como substituídas a qualquer momento.

Por essa razão, durante a aplicação das medidas, levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas de cada criança e cada adolescente, pois estas, necessariamente, se atentam a condição peculiar da pessoa em desenvolvimento, não podendo limitar-se a formalismos processualísticos que impeçam a concretização de tais objetivos, que caracterizam a infância e a adolescência, prescrito no artigo 227 da Lei Maior.

O objetivo de qualquer destas medidas previstas é, portanto, fazer valer os direitos da criança e do adolescente por aqueles que os estão violando (pais ou responsáveis, sociedade ou Estado) – surge daí o seu caráter educativo. Complementarmente, devem dar primazia às medidas que fortaleçam os vínculos familiares e comunitários, constituindo, desta forma, instrumentos de garantia do direito daquele que estão sem o pleno exercício de sua cidadania.

Mas, ao ensejar a aplicável de medidas de proteção, demandam, ainda, compreender a diversidade cultural de cada povo, comunidade e família, para a proteção e o desenvolvimento harmonioso da criança e do adolescente. Trata-se, nada mais nada menos do que a observância do princípio da não-discriminação, previsto pelo artigo 2º da Convenção sobre os direitos da criança e do adolescente. Além disso, o direito à educação deve estar no topo da pirâmide, de modo a reconhecer e afirmar os direitos humanos, com respeito à singularidade, à diversidade e à emancipação.

Ademais, a finalidade pedagógica deve estar conjugada ao enriquecimento dos vínculos familiares e comunitários, no sentindo de que, tanto quanto possível, deve a quem aplica, trabalhar para que o modo de aplicação seja construído e consensuado conjuntamente com a criança, o adolescente, suas famílias e a comunidade. Por fim, a finalidade pedagógica poderá ser afirmada se houver a observância aos princípios elencados no artigo 100 da legislação especial, qual seja a condição da criança e do adolescente como sujeito de direitos, dignos de proteção em razão de sua vulnerabilidade.

 

2. Princípios que regem a aplicação e concretização das medidas específicas de proteção

 

2.1.Princípio da proteção integral

 

Em primeiro lugar, reconhecer a criança e o adolescente como sujeito de direitos, é reconhecer sua posição jurídica na sociedade, colocando-os em um patamar que lhes permite exigir a satisfação de tais direitos.

Ainda, deve-se compreender o princípio da proteção integral e prioritária dos direitos de que crianças e adolescentes são titulares. Isto significa que a efetiva garantia de direitos de crianças e adolescentes apenas se dará se todos os direitos humanos reconhecidos a adultos forem igualmente garantidos a eles. Também, esta proteção proprietária é no sentido que deve anteceder à garantia de direitos de outras pessoas, em reconhecimento à diferencia geracional que marca a relação entre crianças, adolescentes e adultos e à sua condição peculiar de ser humano em fase de desenvolvimento.

 

2.2.Princípio da responsabilidade primária e solidária 

 

Em paralelo, a plena efetivação dos direitos assegurados a criança e a adolescentes se fará por meio da responsabilidade primária e solidária do Poder Público. Ou seja, muitas, se não a maioria das situações de vulnerabilidade a que diversas crianças e adolescentes são expostas decorrem da falta de efetiva implementação, com qualidade, das políticas públicas em favor destas. Por sua vez, o princípio da responsabilidade primária e solidária procura corrigir esta situação. Incumbe, portanto, fundamentalmente ao Estado garantir condições de efetivação dos direitos assegurados à criança e ao adolescente, aplicando todos os recursos disponíveis, de modo constante e consistente, para a promoção desta efetividade. Entretanto, vale ressaltar que a existência de programas de entidades não-governamentais que atendem crianças e adolescentes não isenta o Poder Público de garantir igualmente seus direitos individuais e sociais. A responsabilidade, como afirmado, é primariamente do Poder Público, devendo ser supletiva a atuação das entidades não-governamentais.

 

2.3.Princípio do melhor interesse 

 

Para tanto, urge a observância do princípio do interesse superior da criança e do adolescente, ou seja, do melhor interesse. O Estado, dessa maneira, deve tomar o interesse superior da criança como uma consideração primordial no exercício de suas atribuições, na medida em que crianças e adolescentes têm direitos que devem ser respeitados e promovidos. Tal princípio, assume o caráter de garantia, isto é, vínculo normativo idôneo para assegurar a efetividade dos direitos subjetivos. Como princípio garantiste, o interesse maior significa essencialmente a satisfação dos direitos de crianças e adolescentes.

 

2.4.Princípio da privacidade

 

O princípio da privacidade diz que a promoção dos direitos e proteção da criança e do adolescente será efetuada mediante o respeito pela intimidade, à imagem e a reserva da sua vida privada, não podendo nenhuma criança ser objeto de interferências arbitrárias ou ilegais que afetem sua vida particular, sua família, seu domicílio ou sua correspondência.

 

2.5.Princípio da intervenção precoce, princípio da intervenção mínima e princípio da proporcionalidade e atualidade

 

Posteriormente, os princípios elencados nos incisos VI, VII e VIII do artigo 100 estão intimamente relacionados, quais sejam o da intervenção precoce, da intervenção mínima e da proporcionalidade e atualidade. O primeiro pressupõe que a intervenção das autoridades competentes deve ser efetuada logo que a situação de perigo seja reconhecida; o segundo, por outro lado, a intervenção deve ser exercida exclusivamente pelas autoridades e instituições cuja ação seja indispensável à efetiva  promoção dos direitos e à proteção da criança e do adolescente; por fim, a intervenção deve ser necessária e adequada frente a situação de perigo em que a criança ou o adolescente se encontram no momento em que a decisão é tomada.

 

2.6.Princípio da responsabilidade parental e princípio da prevalência da família

 

Em continuidade, o princípio da responsabilidade parental confirma aos pais os seus deveres para com a criança e o adolescente. Este, está diretamente ligada ao princípio da prevalência da família, uma vez que a promoção de direitos e a proteção da criança e do adolescente deve ser dada prevalência às medidas que consistam na manutenção ou reintegração na sua família, seja natural ou extensa.

 

2.7.Princípio da obrigatoriedade da informação

 

O inciso XI do artigo 100 ressalta o direito de informação da criança e do adolescente que, respeitado seu estágio de desenvolvimento e capacidade de compreensão, devem ser informados dos seus direitos, das razões que estipularam a intervenção e da maneira como esta se processa.

 

2.8.Princípio da oitiva obrigatória e participação

 

Por último, o princípio da oitiva obrigatória e participação dispõe que, a criança e o adolescente, separado ou na companhia de seus genitores ou responsáveis, possuem direito de ser escutados e direito a participarem dos atos e na definição de medidas de promoção dos direitos e de proteção, sendo sua opinião relevante e devidamente considerada pela autoridade judiciaria competente.

 

2.9.Comentários relevantes 

 

Esses princípios estabelecidos no Estatuto da Criança e do Adolescente não se limitam à aplicação da medida de proteção, mas se estendem à interpretação de todo ordenamento jurídico menorista. Podem ser sintetizados em dois princípios basilares do ordenamento: o princípio da proteção integral e o princípio da prioridade absoluta. Na verdade, não são apenas princípios, mas sim verdadeiras regras jurídicas, o que insiste em dizer que devem ser cumpridos integralmente, sem indagações.

 

3. Medidas de proteção

 

O artigo 101 da Lei nº 8069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) dispõe sobre as medidas protetivas nas quais as crianças podem vir a ser sujeitas. Estas, são intervenções de agentes públicos na vida de crianças, adolescentes e suas famílias e, por isso mesmo, excepcionais. Elas se tornam viáveis na medida da ação ou omissão da sociedade ou do Estado; a falta, omissão ou abuso dos pais ou responsáveis; ou a conduta da própria criança ou adolescente.

As medidas protetivas são excepcionais durante sua aplicação, mas não na oferta pública de serviços ou programas correlatos, aos quais as crianças, adolescentes e suas famílias devem ter acesso como direito social, econômico e cultural, ressalvada a hipótese do acolhimento, que é excepcional. Isto se compreende porque, na maioria das vezes, as medidas específicas de proteção são efetivadas por meio de programas e serviços das diversas políticas públicas, como assistência social, saúde, educação, moradia, trabalho etc.

Por isso, a oferta regular desses programas e serviços deve ser garantida a toda população, nos termos em que estabelecidas as políticas públicas sociais. Havendo garantia regular dos direitos de crianças e adolescentes pelo Estado e seu atendimento pela família e pela criança e adolescente, não se há de falar em medida de proteção.

Dessa forma, constam dessa relação, em primeiro lugar, a reintegração familiar, ou seja, o encaminhamento aos genitores ou responsável legal (inciso I). O Estado previu como primeira medida de proteção, e a mais branda, o mero encaminhamento da criança e do adolescente aos seus pais ou responsável; essa possibilidade de encaminhamento tem como intuito reforçar e empoderar os pais e ou responsável no exercício de seu papel de criação e formação de crianças e adolescentes.

Aferida a necessidade de acompanhamento, deve o Juiz ordenar a orientação, o apoio e o acompanhamento temporário por profissionais devidamente habilitados, em especial, volta-se às crianças e aos adolescentes que necessitam de um suporte mais próximo, seja por sua conduta, seja por conflitos familiares (inciso II).

Ainda, dentre essas medidas, uma delas preocupa-se com a educação do menor, sendo obrigatório a matrícula e a frequência da criança ou adolescente em estabelecimento de ensino (inciso III). O ensino fundamental é garantido pelo art. 208 da Constituição Federal como direito humano, sendo sua oferta, pelo Poder Público, obrigatória e gratuita. No entanto, o dever de provê-lo é igualmente da família e deve ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao desenvolvimento pleno da criança e do adolescente, bem como o preparo para o exercício de sua cidadania e, consequentemente, o preparo e a sua qualificação para o trabalho.

Ou então, o encaminhamento a programa específicos, comunitários ou oficias de auxílio à família, à criança e ao adolescente, buscando atender-lhes em diversas situações emergenciais (inciso IV). Todos estes programas são direitos sociais e, portanto, exigíveis mesmo sem a aplicação de medidas. A medida é passível de aplicação quando mostrar-se necessária para garantia de direito ameaçado ou violado em razão das hipóteses previstas no art. 98 do ECA.

Outras medidas incluem requisição de tratamento médico, psicólogo e psiquiátrico (inciso V) e o encaminhamento a programas oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras ou dependentes químicos (inciso VI). Ambas as medidas estão interligadas, uma vez que devem ser prestadas pelos programas de saúde e visam a garantir o direito fundamental à saúde, nos termos do art. 196 da Constituição Federal, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes.

Como medidas extremas, tem-se a medida de acolhimento institucional em entidade governamental ou não governamental (inciso VII). É possível, também, determinar a inclusão da criança e do adolescente em programas de acolhimento familiar (inciso VIII), mas, conforme preceitua o §1º deste último inciso, o acolhimento é medida excepcional, isto é, o acolhimento é o último recurso a ser utilizado, devendo, por isso, ser devidamente fundamentada sua aplicação.

Finalmente, verificada a impossibilidade de reintegração familiar e o prolongamento do acolhimento institucional, proceda-se à colocação em família substituta (inciso IX).

Tais medidas, demonstradas acima, possuem natureza pedagógica que buscam atingir o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.

 

Considerações finais 

 

   O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) trouxe uma nova perspectiva de valorização da infância e da juventude, refletindo em um novo espírito advindo da Constituição Federal de 1988. O Estatuto, por sua vez, colocou o poder do Estado como instrumento daqueles que pretendem, de verdade, fazer valer o Direito da Criança e do Adolescente, daqueles que reconhecem a criança e o adolescente como sujeitos de um conjunto de direitos e um conjunto de deveres da família, da sociedade e do Estado.

   À vista disso, está reservado à Justiça da Infância e da Juventude relevante papel na solução de conflitos referentes aos direitos da criança e do adolescente, sempre que estes correrem o risco de ameaça ou violação, seja por ação omissiva ou comissiva do Estado e da sociedade, ou, por falta, omissão ou abuso dos genitores ou responsáveis, ou, ainda, em face do comportamento da própria criança ou adolescente.

   Nesses casos, havendo lesão ou ameaça de lesão aos direitos das crianças e adolescentes, caberá ao Estado-juiz aplicar as medidas especiais de proteção, acompanhadas da necessária regularização do registro civil, como forma de restaurar a dignidade e a cidadania de milhões de crianças e adolescentes que, ainda hoje, vivem à margem da sociedade e deixadas a própria sorte, sem nome, sem existência jurídica e sem identidade própria.

 

  1. Jane Gomes de Castro : Graduação Ciências Biológicas e Pedagogia; Especialização: Ecoturismo e Educação Ambiental
  2. Adriana Peres de Barros: Graduação  Pedagogia; Especialização em Educação Infantil e Psicopedagogia.