1977. Naquela época não se ouvia falar em ecologia. Esse era um conceito sem-nome que poucos entendiam e mais raros ainda eram os que o concretizavam, racionalizando recursos como a água, preservando matas ciliares, reaproveitando (reciclando?) o que normalmente era desprezado... Reflorestamentos? Raríssimos. Como no quinhentismo, o progresso exigia há séculos que vastas áreas fossem desmatadas para que a fronteira do desenvolvimento pudesse avançar. O termo ecologia só foi se firmar no senso comum na década de 90. Mas voltando aos já longínquos 1977, meu primo Zito e eu passávamos nossas férias de “inverno” no norte de Minas Gerais (como se houvesse um inverno por lá), na cidadezinha de Manga às margens do rio São Francisco. Mar doce por onde víamos passar os velhos “Vapores”, barcos de passageiros movidos a vapor com uma grande “roda” na popa que “tocava” o barco à lá Mississipi. Nosso avô tinha 2 fazendas com gado: uma às margens do rio e outra mais longe e “mais alta” pra quando o rio teimasse em encher e transbordar. Era um desses homens que viviam à frente de seu tempo. Já se preocupava com a finitude dos recursos naturais, com o desmatamento, o desperdício. Filho de alemão, enxergava a fartura descompromissada daquela região, com olhos de europeu. Lembro-me como se fosse hoje de um bananal que fez junto à casa, por um furinho feito com um pequeno prego escapavam ínfimos fios d’água contínuos fazendo a irrigação planta por planta. Mais tarde fui saber que esse era o sistema usado em Israel para a irrigação de plantações no deserto. Ele morava há trinta metros do rio São Francisco! O Mar doce! “Coisa de louco”, certamente pensavam os desavisados que se precipitavam em julgá-lo.Sempre penso nisso quando vejo no que o Veio Chico está se tornando. Vovô era pai de nove filhos e sempre gostou da casa cheia. Agora ele a enchia com netos pois dos filhos mesmo só dois ainda moravam com ele. Os outros já estavam pelo mundo. Os netos eram uma alegria em sua casa de fazenda. Numa manhã beijou à mim e ao Zito, meu primo mais velho, e foi cuidar da vida (Não é o olho do dono que engorda o gado?) Lembro - me de olhar para um canteiro logo abaixo da janela da sala, na frente da casa. Estava cheio de mato na parte baixa atrapalhando as plantas decorativas, estava parecendo abandonado e não se podia sequer ver o chão. Resolvemos agradar o vovô:

 

Vamos limpar o canteiro, deixando-o limpinho, só com as plantas bonitas? Sugeri ao primo, o parceiro de brincadeiras e aventuras “na roça”.

 

Começamos a limpeza. Deixamos a terra limpinha, sem um cisco sequer! Tiramos todo o mato, deixando só as lindas roseiras e as “comigo ninguém pode” com suas folhagens de um bonito verde. Chegou a hora do almoço e até o momento ninguém havia visto o nosso serviço. Com certeza não se lembraram de ver o que os “guris” estavam fazendo quietinhos por boa parte da manhã. Se nos vissem perto do canteiro não haveriam de estranhar pois sempre brincávamos de “fazer lama” por aqui e por ali. Pois bem, o vovô chegou, suado da estrada poeirenta com sua pick-up, essa mais poeirenta ainda.

 

Vovô, venha ver o que agente fez pra você! Chamamos animados.  Vovô ficou olhando pro canteiro “sem um cisco sequer” e foi ficando vermelho.

 

Niiiiiilllllllzaaaaaa!!!!! Gritou  nervoso chamando nossa avó! 

Você não está olhando esses moleques???

Tira esses meninos da minha frente!!!!!

Olha só o que fizeram Nilza!

Arrancaram minhas mudas de pau-brasil que mandei vir da Bahia!!!!!!!!!!

 

Foi a primeira e única vez que vi meu avô nervoso. Imagina o trabalhão que deve ter dado para conseguir aquelas mudas.... Pra dois garotinhos de 6 e 7 anos era mato. Havíamos cometido um mini-desmatamento, um mini-crime ecológico!!!!

Mea culpa, mea maxima culpa.