Há quem diga que Mariana, pequena cidade colonial distante doze quilômetros de Ouro Preto é mais bela do que a antiga Vila Rica, aquela cantada em prosa e verso pelos poetas da Inconfidência. Foi acreditando nisso que nos hospedamos por lá em 1997. Um belo e bem localizado hotel ao lado igreja matriz pareceu ser uma boa pedida para conhecer o local, visitar museus e igrejas. Mas Mariana foi, em verdade, a primeira cidade mineira e, também, sua primeira capital florescendo no ciclo do ouro e chegou a pertencer a Capitania de Itanhaém, tendo sido, portanto, uma extensão do território paulista. O seu nome foi uma homenagem do Rei Dom João V a sua mulher, Maria Ana, duquesa da Áustria.

Estaria tudo maravilhoso se a praça da matriz não fosse o local escolhido pelos carnavalescos de Mariana para os ensaios que se estendiam pela madrugada. Era impossível dormir. O esperado sono só chegava mesmo quando os últimos foliões deixavam a praça. Mas como estávamos em férias, seguimos o velho adágio: “Se é inevitável, relaxe e aproveite”.

Se não fosse pelas ladeiras íngremes, Mariana seria o melhor lugar do mundo para passar alguns dias visitando museus e igrejas, mas no final do dia as pernas doem, obrigando os turistas a se sentarem em qualquer lugar, podendo ser uma escadaria ou mesmo nas calçadas que talvez tenham sido pisadas pelos inconfidentes no final do século XVIII. No primeiro dia fomos ao ponto mais alto da vila e conhecemos a velha igreja Santo Pedro dos Clérigos e fomos guiados com muita competência por um menino de uns dez anos chamado John Lennon da Silva. Que luxo ser guiados pelo John, um menino simpático e falante que sabia tudo sobre a igreja, construída no século XVII, dissertando sem parar sobre o altar de madeira  de lei esculpido pelo Aleijadinho, preservadíssimo, mas não sabia quase nada sobre o famoso Beatle. Mostrou-nos o caminho secreto das torres e improváveis segredos. Fizemos uma foto do John que prometemos enviar-lhe uma cópia e lhe contamos outras tantas histórias sobre o autor de Imagine. Infelizmente a carta se perdeu pelos becos de Mariana e retornou para nosso endereço.

Os velhos sobrados coloniais de Mariana parecem esperar lentamente o amanhecer, aconchegados nos ombros da noite, lançam olhares sonolentos para os turistas apressados e vadios.  Na madrugada, almas escravas arrastavam-se pelos becos escuros a procura da redenção que parecia nunca chegar. À luz do dia, artistas postavam-se nas calçadas com seus cavaletes, tintas e pinceis e roubavam sorrateiramente a beleza de Mariana transpondo-as para intermináveis telas. Um velho mendigo me confidenciou que nas noites de lua cheia hordas de bandeirantes paulistas cavavam buracos nas ruas, casas e sítios a procura do ouro escondido enquanto El Rey cavalgava com seu séquito protegendo seu quinto. Ele tinha mais histórias para contar, mas a noite em Mariana era pequena e mal dava para acomodar meu sono.

Conhecemos o artista plástico Álvaro que esculpia anjos, santos e portas belíssimas, mas gastava quase todo seu ganho comprando uísque. Quase todos os dias passávamos pelo seu atelier para um dedo de prosa antes de nossas andanças. Numa noite ele nos apresentou o seu velho piano e implorou para que a Celia tocasse alguma coisa de Chopin, seu compositor preferido, mas estava tão desafinado que era impossível tirar algum som decente.  Contou-nos que o piano foi dado como pagamento por uma bela porta de cedro esculpida para um hotel e o dono, quase falido, não tinha como pagar.

Na terra do poeta Alphonsus Guimaraens, autor de Ismália, é uma descortesia visitar a cidade e não dar uma passadinha por onde ele morou. Seu fantasma está sempre por lá e quem me garantiu foi um senhor que cuida do local, “mas não adianta marcar hora que ele parece detestar visitas programadas”. Não levo os fantasmas muito a sério, mas sei que eles existem e como diria um velho conhecedor do assunto que nasceu em Descalvado: “Na minha terra fantasma tem de bando”.

Entre Mariana e Ouro Preto ainda existem muitas e muitas histórias mal contadas que ficaram pelo caminho entre as duas cidades e que ainda precisam ser esclarecidas, mas esse é um assunto para outra crônica.