ROCHA, Douglas Diego Palmeira[1]

Maria Madalena é a mulher mais citada no Evangelho, e a primeira a fazer a experiência com o Cristo Ressuscitado. Era chamada pelos autores monásticos de “enamorada de Deus”, intitulada por São Gregório Magno “testemunha da misericórdia divina” e por São Tomás de Aquino “apóstola dos apóstolos”. Sabemos que era comerciante e que, por isso, era muito conhecida, praticamente tinha tudo em suas mãos. Mas em seu coração faltava algo muito importante, e é por isso que quando ouviu falar de Jesus, seu coração começou a estremecer, e, de longe, às escondidas, a buscar saber mais sobre Ele. Assim, pouco a pouco, foi se aproximando de Jesus.

Madalena era uma mulher à frente de seu tempo, conhecedora de outras realidades e, por isso, mal vista por muitos; dialogava com homens de diversas regiões, o que provocava maldizeres entre sua gente. Entretanto, quando se encontra com Jesus – ou melhor, quando é por ele encontrada – descobre um homem que não a reprova, mas que a olha e trata com compaixão, que não se interessa pelo que ela foi ou fez, mas por quem de fato ela é e o que é capaz de realizar com sua força e testemunho. Ela experimentou a misericórdia divina e viu a possibilidade de ser diferente; deixou tudo para trás porque viu que Jesus era o Messias anunciado pelos profetas desde Moisés.

Embora muitos equívocos tenham se propagado com o passar dos anos, Maria Madalena nunca teve relações com Jesus, a não ser a relação de gratidão pelo Amor Encarnado. Os Evangelhos afirmam que ela sentia um grande amor por Jesus, pelo fato de ter sido libertada por Ele de sete demônios, e que, a partir de tal fato, o seguia como discípula, assistindo-o com seus bens (Lc 8,2-3) até o fim, quando esteve com Maria, Mãe de Jesus, e as outras santas mulheres durante a crucificação de seu amado Mestre (Mc 15,40-41). Era o mínimo que podia fazer ela diante de tanta graça que experimentou através do Cristo de Deus.

Pensando, então, na morte de Jesus, seu mestre e Senhor, este fato não poderia ter sido para somente a perda de um líder ou de alguém que amava, mas a perda de si mesma. Se dela o Senhor tinha expulsado sete demônios (Lc 8,2), como recordamos acima, foi com ele que ela fez a experiência da libertação. Talvez seja esse o seu desespero ao procurá-lo “entre os mortos” no terceiro dia. Nela se transcrevem os versos do Cântico dos Cânticos: “Vou levantar-me e percorrer a cidade, as ruas e as praças, em busca daquele que meu coração ama; procurei-o, sem o encontrar” (Ct 3,2), em seu ser transparecem os versos do salmista: “Desde a aurora ansioso vos busco! A minh'alma tem sede de vós, minha carne também vos deseja, como terra sedenta e sem água!” (Sl 62[63],3-4). Dessa forma, morrendo Jesus, com Ele era como se morresse também Madalena, sua verdade, sua dignidade.

E no amanhecer do primeiro dia (cf. Jo 20,1), com a Páscoa do Senhor, inaugura-se novo tempo na vida e na história de Maria Madalena; a luz do Cristo Ressuscitado inunda e envolve o sepulcro do coração enlutado desta fiel discípula. E então Jesus a chama: “Maria!” (Jo 20,16). Ele pronuncia o nome daquela mulher, e ela escuta novamente seu nome e nele sua verdade. De fato, Jesus é o primeiro homem a olhá-la com amor, a devolver-lhe a dignidade, a trata-la como pessoa; e Madalena passa a abrir um caminho para todas as mulheres, rompendo barreiras, num tempo machista e excludente.

Fazendo memória das palavras de São Gregório Magno:

Então Jesus disse: Maria (Jo 20,16). Depois de tê-la tratado pelo nome comum de mulher sem que ela o tenha reconhecido, chama-a pelo próprio nome. Foi como se lhe dissesse abertamente: Reconhece aquele por quem és reconhecida. Não é entre outros, de maneira geral, que te conheço, mas especialmente a ti. Maria, chamada pelo próprio nome, reconhece quem lhe falou; e imediatamente exclama: Rabuni, que quer dizer Mestre (Jo 20,16). Era ele a quem Maria Madalena procurava exteriormente; entretanto, era ele que a impelia interiormente a procurá-lo[2].

Maria Madalena amou Jesus como nenhum outro discípulo amou; mas não com um desejo carnal e sim com uma gratidão sem fim a um Deus Humano que lhe devolveu a dignidade de ser também pessoa humana. Depois que Madalena teve seu encontro com Jesus, ela mudou de vida totalmente, inaugurou uma coisa que até então não existia. Tantas histórias absurdas foram criadas e difundidas sobre ela, e isso porque ela está ocupando lá no céu um lugar de privilégio, ao ponto de Jesus Crucificado ter aparecido primeiro àquela que mais o amou e com maior comprometimento o seguiu. Maria Madalena, que permaneceu fiel até a Cruz (cf. Jo 19,25-31) foi, assim, digna de ser a primeira a anunciar “Eu vi o Senhor!” (cf. Jo 20, 18b).

[1] Graduado com licenciatura plena em Pedagogia e graduando em Letras. Catequista de crisma, cerimoniário e professor titular da Escola da Fé da Paróquia Nossa Senhora do Patrocínio, em Monte Mor (Arquidiocese de Campinas - SP).

[2] São Gregório Magno, Papa. Homilias sobre os evangelhos (Hom.25,1-2.4-5: PL 76,1189-1193). Século VI.