Marcela

Inácia e Afonso sempre sonharam com um bom casamento para a filha Marcela, que já contava com trinta e cinco anos. Para eles, era um desgosto, ela está com essa idade e não ter casado, por isso, viviam pressionando a mesma para arranjar um marido.

Marcela era baixa, morena, cabelos longos, não era bonita nem feia, nem gorda nem magra e um pouco triste, devido à cobrança dos pais para que ela casasse. Já tinha tido alguns namorados, que não quiseram se casar, seus pais lhe culpavam pelo término desses namoros, entretanto, o que a coitada podia fazer, se os rapazes não se interessavam por ela?

Mas o destino, esse nosso amigo e às vezes inimigo, ainda reservaria algumas surpresas para Marcela. Um dia, ela foi a uma festa na cidade de Sousa, com uma tia sua, que era irmã de sua mãe e nesta festa conheceu um rapaz chamado Renato, que se interessou pela mesma e pediu-lhe em namoro. Mesmo sem conhecê-lo, aceitou, pois tudo que mais queria na vida, era um noivo, casar significava para ela se realizar plenamente.

No dia seguinte, quando contou a seus pais, eles ficaram bastante felizes, principalmente, sua mãe, que pela primeira vez na vida, deu-lhe um abraço e um beijo.

_Como é ele? Perguntou Inácia.

_É lindo, lindo.

Realmente Renato era um homem extremamente bonito, devia ter uns trinta e nove anos de idade. No entanto, o que Marcela não sabia era que algumas pessoas são belas por fora e feias por dentro. Como diz o velho ditado popular: “Por fora bela viola, por dentro pão bolorento.”

Renato já fora casado antes, com uma mulher muito boa e trabalhadora, que sofreu bastante com ele e ainda foi abandonada pelo mesmo com dois filhos pequenos. Era um homem sem perspectivas para o futuro, só gostava mesmo de bebidas, jogos e de se divertir com as mulheres. Marcela seria mais uma de suas vítimas. Ele não tinha nenhuma ocupação, vivia às custas do pai, um comerciante bem sucedido da cidade de Sousa. 

Alguns dias após conhecer a filha de Inácia, Renato foi até sua casa. A alegria dos pais da moça foi intensa, eles lhe receberam muito bem e logo o homem percebeu que aquela era uma gente fácil de enganar.

A pobre Marcela se enfeitou toda e vestiu seu melhor vestido para recebê-lo.

_Você está bela, então é aqui no São Diogo, que você mora? Disse ele.

_Sim, é aqui meu lugar.

_E o que você pensa de um dia morar em Sousa? Perguntou o rapaz pegando na sua mão.

Seria maravilhoso. Disse a iludida moça, um pouco encabulada.

Com o tempo, Renato passou a frequentar a casa da namorada todos os dias, o namoro estava sério, porém, ele não falava em casamento.

Um dia, a irmã de Inácia veio-lhe fazer uma visita e disse que tinha colhido algumas informações a respeito do namorado de Marcela e que essas informações não eram nada boas.

_Fale logo, mulher. Disse sua irmã.

_Ele não vale nada, é um canalha e está enganando sua filha.

_Isso não é verdade. Disse Inácia.

_E tem mais minha irmã, ele é casado.

_Você está com inveja da própria sobrinha, é tudo invenção sua, vá embora de minha casa!

_Minha irmã...

_Vá embora, eu já disse.

Inácia e Marcela não quiseram acreditar que Renato era casado e trataram de esquecer o que ouviram. A tia de Marcela foi embora e nunca mais procurou a irmã. _Deus tenha piedade. Disse ela.

O tempo passou e Marcela um dia, descobriu que estava grávida. Ela e a mãe ficaram felizes, pois acreditaram que agora Renato casaria.

_Hoje à noite, você conta para ele e então, começaremos os preparativos e seu enxoval. Disse Inácia, muito feliz.

_Sim mamãe.

_Finalmente você vai realizar meu sonho, minha filha.

_Estou tão feliz, mamãe.

Afonso quando soube, ficou preocupado, mas logo entendeu que aquele era um motivo muito forte para Renato casar e se a filha iria se casar, para ele estava tudo bem. O casamento era algo importantíssimo para eles, imprescindível na vida de uma mulher. Na verdade, eles eram muito retrógados. À noite, quando Renato chegou, logo percebeu a alegria da namorada e perguntou o que estava acontecendo.

_Estou grávida, Disse a moça trêmula e pálida.

_O que você disse?

_O que você ouviu, estou grávida.

_Isso não podia ter acontecido, você tem certeza?

_Tenho.

_Só pode ser um pesadelo, essa não! Isso não era para está acontecendo.

_Você não está feliz? Perguntou Marcela, sem compreender a atitude do namorado.

_Não é isso querida, só estou um pouco nervoso. Disse ele disfarçando sua raiva e descontentamento.

Quando Marcela aproximou-se para lhe dar um abraço, ele afastou-se e disse que tinha que ir para casa.

_Mais já, você acabou de chegar?

_É que tenho um pequeno problema para resolver. Amanhã voltarei e conversaremos melhor, sobre esse seu problema. Disse Renato.

_Problema?

_Tenho que ir.

Marcela foi até o quarto de seus pais chorando e disse que Renato não tinha ficado feliz com a notícia.

_Como ele foi capaz? Disse seu pai.

_O que ele disse? Perguntou Inácia.

Disse que tinha que resolver um negócio e que voltaria amanhã.

_Pois vamos esperar amanhã chegar. Disse Inácia.

_Mas mamãe, estou com medo.

_Tenha calma minha filha. Disse Afonso, abraçando a filha.

No dia seguinte, Marcela esperou a noite inteira pelo namorado, que não apareceu. Uma, duas semanas  passaram-se sem que ele aparecesse. Até que um dia, Marcela e sua mãe resolveram ir atrás dele, em Sousa. Chegando à cidade, foram direto para sua casa, elas nunca tinham ido lá, porém, através de algumas informações, descobriram o endereço. Ao chegarem lá, foram muito mal recebidas pela mãe de Renato, que nem ao menos mandou as mesmas sentarem.

Quando Inácia contou da gravidez da filha, ela mandou que fossem resolver com o marido, o pai de Renato, no seu escritório. As duas obedeceram muito nervosas, principalmente Marcela, que tremia bastante.

O pai de Renato, o Sr. Andrade, ficou calado ouvindo mãe e filha. Quando elas terminaram de contar sobre a gravidez, ele disse:

_Meu filho é um doido, você minha cara, não deveria ter se envolvido com ele. Renato já é casado e deixou a pobre da mulher sozinha com dois filhos, que ele nem sequer visita, se não fosse eu para sustentá-los, já teriam morrido de fome.

_E onde está ele, quero vê-lo. Disse a moça.

_Viajou, não sei nem para que lugar.

_E agora, o que faremos? Perguntou Inácia.

_Eu não sei minha senhora, mas uma coisa digo: Não me procurem mais, eu não tenho nada haver com as besteiras que meu filho comete. Sustento dois netos, porque são filhos da esposa dele, porque eles casaram-se. Mas essa criança que não é fruto de um casamento, eu não tenho obrigação de nada.

Inácia e a filha baixaram as cabeças humilhadas, e foram embora. No meio da rua, encontraram Isaura.

_A senhora é que tinha razão, tia. Disse Marcela, abraçando a tia e chorando. Não acreditei na senhora e agora estou perdida.

Inácia estava tão envergonhada, que não tinha nem coragem de olhar nos olhos da irmã.

_Mas o que aconteceu? Perguntou Isaura.

_Minha irmã, perdoe-me por tudo que fiz com você, naquele dia, lá em casa. Disse Inácia.

_Claro que perdôo. Mas me conte, o que aconteceu?

_Vá lá em casa amanhã, que lhe conto tudo. Disse a mãe de Marcela.

_Está bem. Estarei lá, amanhã.

O tempo ia passando, a barriga de Marcela crescia e sua vida estava um inferno. Inácia brigava com ela todos os dias e lhe culpava por aquela situação. Seu pai quase nem saia mais de casa, com vergonha de ter uma filha mãe solteira. Ele, a mulher e Marcela, passaram a viver reclusos em casa, porque não tinham coragem para encarar as pessoas.

Tudo isso fazia com que Marcela tivesse uma gravidez muito difícil. Ela já não vivia, mas sobrevivia, suportava seus tristes dias. Via naquela sua barriga um desgosto, uma decepção na sua vida.

Todos no São Diogo recriminavam Marcela, por estar grávida sem ser casada. O falatório a respeito de sua vida era muito grande. Mas o que mais feria Marcela era não ter o carinho e o apoio dos pais.

_Mamãe, já não aguento mais tanta briga. Pare de me culpar. A senhora também tem culpa disso sempre...

_Cale-se Marcela, você é a nossa vergonha.

Não tinha uma única noite que a filha de Inácia não fosse dormir chorando e lamentando o dia em que conheceu Renato, este nunca mais deu notícia. Isaura ainda procurou saber sobre seu paradeiro, no entanto, foi em vão, nunca mais se soube dele.

Quando chegou a hora de Marcela ter a criança, sua mãe quase que não lhe levou para o hospital, esperando os vizinhos fecharem as portas de suas casas e se recolherem. Quando isso aconteceu, por volta de umas sete horas da noite, foi que ela levou a filha para ter o bebê. No hospital, enquanto Marcela tinha a criança, Inácia fugia dos conhecidos, escondendo-se por trás das paredes.

Depois de um parto difícil, Marcela teve uma linda menina, que se chamou Caroline. Antes que o médico lhe desse alta, Inácia levou a filha e a neta para casa, às pressas, para que ninguém as visse ali. Para ela, era um crime aquela criança não ter pai. E para não passar nenhum constrangimento, saiu rapidamente do hospital.

Marcela ao ver os lindos olhinhos da filha, entendeu que a vida não era tão amarga quanto parecia e mesmo sofrendo, já amava muito aquela menina.

Inácia não foi diferente, apegou-se a Caroline e se referia a ela como “minha filha”, nunca como “minha neta”. Continuou brava com Marcela e sempre se escondendo dos amigos e vizinhos, todavia, era feliz com a netinha.

Caroline parecia muito com a mãe de Inácia, que já tinha morrido, por isso, que ela era tão querida pela avó. Do pai a menina tinha o queixo.

_Que bom que ela não se parece muito com Renato. Dizia a mãe.

_Não fale no nome desse canalha nesta casa. Dizia Inácia, quando Marcela falava nele.

Marcela vivia apenas para cuidar da filha, não se arrumava mais, estava muito abatida, havia cortado os cabelos e suas roupas eram agora pretas ou marrons e sem nenhum enfeite. A coitada jamais conseguiu superar o golpe que recebera de Renato, para ela só existia a filha, o restante de sua vida tinha se acabado.

Para completar sua desgraça, quando Caroline estava com três anos de idade,  teve paralisia infantil e ficou de cadeira de rodas. Esse foi um dos penúltimos casos dessa doença no Brasil.

Marcela e Inácia mais uma vez, não souberam superar as fatalidades da vida e, portanto, nunca mais conseguiram ser felizes. Suas vidas nada mais foram do que uma grande amargura.

Maria do Socorro Abrantes Sarmento