Manchetes do Momento e o Dadaísmo

Por Bernard Gontier | 29/06/2011 | Arte

Manchetes do Momento e o Dadaísmo


O programa Roda Viva exibido em 30/05/11 na TV Cultura, mostrou uma discussão lúcida acerca da postura do governo com relação ao caso Palocci e seus desdobramentos até o presente momento. Tudo o que o país necessita, antes de mais nada, são discussões lúcidas, maduras e assim dotadas do que se pode chamar de circunspeção, para que no mínimo sejam analisadas sob a luz da inteligência. Isso me parece quase uma obrigação, tanto quanto possa parecer também quase surreal em meio a vasta idiossincrasia apresentada com câmeras, microfones e logotipos.

Na mesma data, na Record News, anunciou-se o fato de determinado político ter simplesmente subtraído uma fatia da nossa história, baseado em alegações que não dão margem sequer a um diálogo racional.

Através de veículos menores ficamos sabendo que o estado em que mais se mata no Brasil é Alagoas. Em que momento alguém tentará estabelecer uma discussão sobre esse sintoma e concluir com franqueza que as mortes hoje, não apenas em Alagoas, são movidas basicamente pelo sentimento de desespero?

O jornal O Estado de São Paulo anuncia: "Crack já se alastra por quase 4 mil cidades". Considerando que o Brasil reúne em torno de 5.000 municípios, a próxima manchete terá outro sabor.

"Brasileiro troca arroz e feijão por biscoito e bebida" ? Folha de São Paulo.

"Político não deve ganhar TV e rádio, diz ministro" (O Estado de São Paulo). Lembrando ao leitor que a manchete se refere à concessões de empresas de telecomunicações e não aos aparelhos eletrodomésticos, temos aí um foro de discussão interessantíssimo sobre a mídia brasileira e seus concessionários, algo para ser levado adiante pelos jornalistas heróicos da nação, pois em terra de cego paisanos que abrem o bico continuam desaparecendo na calada da noite.

"Deputados se divertem com farra do passaporte" ? JT. O entrevistado de ontem no Roda Viva disse, com outro palavreado, que o caso Palocci, em virtude da mídia, ganha uma dimensão desproporcional a sua real importância.

"Metrô é a nova rota do tráfico em São Paulo." ? JT.

"Estatística oficial omite casos de roubo com morte." ? JT.

A amostragem acima foi compilada durante o período de abril e maio de 2011. Cem anos antes, ou, precisamente, em 1916, surge o Dadaísmo.

Hugo Ball, poeta, funda o Cabaret Voltaire em Zurique e vão se unir a ele Tristan Tzara, também poeta, Hans Arp e Richard Huelsenbeck.

Movimento marcado por uma crítica muito grande, sempre negativo e irônico, desdenha de tudo à sua volta ? comportamentos sociais, política, economia, etc..., o Dadaísmo não oferece soluções e seus frutos não querem ser enquadrados como arte. Dentre as concepções surgidas deste que é o considerado o mais duradouro movimento de vanguarda do século XX, estão: a arte conceitual, o happening (performance), colagens, descontinuidade narrativa e o poema simultâneo ? dois ou mais poetas declamando ao mesmo tempo.

Há uma lista extensa de pioneiros fazendo experimentalismos nessa época, que entraram para a história sem fazer uso da malversação de fundos, da manipulação rasteira, do exercício indevido do poder público, do abuso da boa fé de pessoas de baixa cultura, de golpes baixos sobretudo para as gerações vindouras, especialmente no que tange a um código de conduta adequado, já que o grande legado do ser humano vem através dos exemplos dados por seus predecessores.

Pela lente do Dadaísmo, uma vista d?olhos no extrato da política nacional através de "primeiras páginas" conclui-se apenas tratar-se de uma colagem, seguida pela descontinuidade narrativa e reduzida a simultaneidade de discursos nada poéticos.

Marcel Duchamp, depois de várias experiências, foi renegado pelo Cubismo e acolhido pelo Dadaísmo. Duchamp jogava xadrez e não se dizia artista e sim enxadrista. (Era um enxadrista mediano). Em todo caso, o xadrez pode ser encarado como um jogo onde as peças mudam de lugar. Vide a roda de bicicleta, o urinol e a pá. Duchamp tirou-os de seus lugares originais e os expôs como arte.

Em 1912 Duchamp não gerava confusão, gerava desespero.