MALANDRO TAMBÉM TRABALHA! O SER MALANDRO NO RIO DE JANEIRO - 1880 a 1920

Por Miquéias Fagundes Bonfim | 06/04/2015 | História

Segundo Roberto da Matta (1997) malandro é um ser deslocado das regras formais, e excluído do mercado de trabalho, caracterizado pelo modo de falar e se vestir. Entretanto, Tiago de Melo Gomes (1998) faz uma desconstrução, do significado do ser malandro como indivíduo excluído do mercado de trabalho, e um ser descrito com fama e ideologia do não trabalho. Faz análises de sambas criados que fazem referência a sujeitos que se denominavam malandros, e tinham uma vida de trabalho, para cumprir seus compromissos e sustentarem suas famílias, e estes autores dizem que aos finais de semana, ou seja, nos seus dias de folga sentavam para cantar seus sambas e dançar. Como todo bom malandro.

Os dicionários da contemporaneidade trazem em seu significado diversas definições generalizadoras do ser malandro, trazendo sentidos negativos ao termo, como exemplo: “Indivíduo que não trabalha e vive de expedientes” (Ximenes, Sergio. 2001 p 437.), será que estes indivíduos não trabalhavam? Estava o tempo todo contrários ao trabalho? Outra definição: “Indivíduo preguiçoso, madraço, ladrão e velhaco” (Ferreira. Aurélio B. H., 1986, p. 1068) eram todos preguiçosos, velhacos, e transgressores? Ou estes são conceitos criados sobre preconceitos e estereótipos. 

Da Matta (1997) através do seu livro Malandro e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro, apresenta o Malandro do romance Pedro Malasartes, que é descrito pelo seu modo paradigmático de vestir-se. Como descreve: “Pedro Malasartes é o paradigma de chamado malandro, frequentemente vestido com camisa listrada, anel com efígie de São Jorge e sapato de Cores, sua Característica urbana (Da Matta, Roberto. 1997 p. 264)”. 

A sociedade do século XIX é analisada por Roberto da Matta (1997), em sua hierarquia, neste sentido ele observa três grupos; os caxias que eram aqueles indivíduos que vestiam a farda do exército e seguiam cegamente a lei, e viviam uma vida de disciplina, sendo completamente oposto ao malandro; descreve também os monte cristos que queriam criar uma nova sociedade, e negavam suas vontades visando o interesse do grupo. Nesta comparação aparece o malandro, um indivíduo que é completamente diferente do primeiro, que pelas injustiças sociais buscam vinga-se e ascender na vida social através de golpes aplicados nos ricos que eram repressores de suas vidas. Logo por seguinte estes heróis malandros, trazem consigo a ideia de que queriam simplesmente viver, e viam a malandragem como uma alternativa para sobrevivência, trabalhando para isto, mesmo que de maneira ilícita (através do descumprimento e infração das leis). Essa situação descrita nos faz pensar que pensar que a própria sociedade hierarquizada era a grande motivadora para a formação destes indivíduos, pensando que estes não eram indivíduos totalmente contrários ao mundo burguês como apresenta Gomes (1998) em seu artigo Gente do samba: malandragem e identidade nacional no final da Primeira República, mas sim pessoas que criavam modos de sobreviver como diz Roberto da Matta: “O malandro, portanto, seria um profissional do “jeitinho” e da arte de sobreviver nas situações mais difíceis” (Da Matta, 1986 p. 103).

 Da Matta em seu livro diz “[...] o malandro é o concretizador da boêmia e o sujeito especial da boa vida. Aquela existência que permite desejar o máximo de prazer e bem-estar, com o mínimo de trabalho e esforço” (Da Matta, Roberto, 1936 p. 103).

Quando ele diz que o malandro deseja o prazer com o mínimo de esforço, é certo que existiam, indivíduos assim, mas também existiam outros que trabalhavam e tinham responsabilidades. É preciso deixar claro aqui que não quero defender o malandro, mas sim levar o pensamento da diversidade da conduta dos malandros que não agiam da mesma forma e que tinham maneiras diferentes de lidar com a vida:

Canuto, o canário de Vila Isabel, inseparável, contudo dos seus companheiros de Estácio, onde sua figura avantajada de caboclo hercúleo é popular e simpática, não se envergonha de ser malandro, visto que define a sua posição com muita ufania e orgulho... – Aquele que não trabalha é vagabundo, diz com sua voz de tenor. Malandros somos nós, que trabalha. Mas nas horas vagas, faz as suas “atrapalhações”. (Gomes, 1998. p. 189)

            Esta citação de Gomes (1998) discute que os sambistas que gostavam de farrear nas suas rodas de samba, não deixavam de ser malandros por trabalhar, aqui desconstrói a ideia do opositor ao trabalho, pois ser malandro agora não é só sobrevivência, mas um estilo de vida adotado por estes indivíduos que nos momentos vagos gostam de viver sua vida de malandragem e boêmia, não deixando os cuidados com a família e com seus compromissos, não trabalhando somente para sustentar seu modo de viver boêmio, mas também para manter sua casa e parentela, Gomes (1998) cita indivíduos que não se declaram malandros ou vagabundos, mas que gostavam do estilo de vida da malandragem acentua também que tinham outros que se orgulhavam por serem malandros:

Logo após, Bide “intervém e afirma que não é vagabundo, mas gosta da vagabundagem”. Finalmente, a visão de Nilton Bastos, que “dogmático, peremptório, de dedo em riste, exclama”:

– Malandro? Malandro é uma palavra muito fina. O malandro vive de inspiração, tem responsabilidades...

E, fazendo uma pausa hesitante, conclui:

–... Mas frequentam sambas e bailes...

E, virando-se para os circunstantes:

– Estou errado? (Gomes, 1998, p. 190)

            Contribuiu para essa afirmação uma análise feita por Michelle Perro em seu livro A História da Vida Privada na França (1991). Nesta obra a autora trás a questão do conceito de boemia, dizendo que o rico era o boêmio que gastava o dinheiro nas tavernas, eram aceitos perante a sociedade, porém os pobres não eram tolerados, chamados então de vadios e vagabundos, e estes deveriam ser distanciados do convívio social.

O malandro é um individuo que através de seus sambas reconhece sua realidade e busca retratá-la de maneira crítica como bem diz Gilmar Rocha: “A fala do malandro, mais do que um discurso sobre a realidade, expressa uma ação simbólica por meio da qual esta realidade é significada (Rocha, 2005, p. 125).” Percebe-se aqui que o malandro não é um indivíduo alienado, mas capaz de descrever o que se passa no seu contexto social, sendo as composições destes sambas os primeiros escritos populares, já que no período de1880 a 1950 grande parte da população brasileira era analfabeta (ROCHA, 2005).

Ser malandro era um estilo de vida, refletia no seu vestir, de maneira simbólica, este modo foi desenvolvido no seio da sociedade brasileira, o malandro expressava e ajudava na formação da identidade nacional, através dos seus sambas criados e que se tornou instrumento de orgulho das classes populares, já que os sambas dos malandros eram admirados por todas as classes sociais, devido à arte produzida pelo malandro.