Madalena

_Aninha minha filha, venha para dentro, não seja teimosa, não ver que sua mamãe ta cheia do que fazer, não me dê mais trabalho! Dizia Madalena para sua filhinha, que adorava brincar no quintal. E se deixasse, ela iria para roças distantes.

Aninha obedecia, no entanto, após alguns minutos, voltava para o quintal, pois preferia brincar perto das  árvores, das galinhas, das borboletas e dos pássaros. Isso se passava em 1960.

Era uma criança levada, tinha três anos de idade e era muito linda, uma loirinha dos olhos verdes e cabelos cacheados. Sua mãe vivia preocupada porque não tinha tempo para vigiá-la.

Madalena era uma mulher muito sofrida, que tinha um marido exigente. Quando o mesmo voltava da roça, queria que o almoço estivesse feito e as ovelhas de barriga cheia. Um homem violento que quando contrariado, usava a violência, por isso, que sua mulher muitas vezes descuidava da pequena, para cuidar da comida, do lar e das ovelhas.

No começo do casamento, Madalena apanhou muito porque era devagar no serviço. Era uma mulher muito submissa ao marido e com isso, vivia atormentada por não dar atenção para Aninha, como desejava. Madalena amava a filha mais do que tudo na vida, porém tinha muito medo de Honório, então era obrigada a priorizar os serviços que ele lhe ordenava.

Quando veio morar no São Diogo, logo depois do casamento, Madalena era uma mulher bonita e alegre, mas depois dos maus tratos do esposo, tornou-se feia e infeliz. Ela era loira, baixa, um tanto gorda e agora trazia no olhar o cansaço de uma rotina insuportável. Apesar de não ter nem trinta anos, já tinha algumas rugas no seu rosto. Nas mãos, muitos calos, devido ao cabo da vassoura.

Quando se casou, achava que iria ser feliz. Como a grande maioria das mulheres daquela época, via no casamento a realização de sua vida.  Não casou por amor, mas gostava de Honório e seus pais lhe diziam que ele era um rapaz honesto e trabalhador. Quando ela descobriu com a convivência, que o mesmo era um homem violento e rude,  arrependeu-se, no entanto, não havia mais o que fazer. Naquele tempo, as mulheres não deviam se separar. Depois de conhecer o lado rústico do marido, Madalena deixou de gostar dele como outrora, agora em vez de carinho, ela nutria por ele medo e ressentimento. Madalena possuía um pouco de instrução, havia sido alfabetizada, ao contrário do esposo, que jamais tinha tido acesso à educação.

Honório era muito moralista e machista, pensava que as mulheres eram para servir aos maridos incondicionalmente, além de obedecê-los. Honório achava-se dono de Madalena e não queria nunca ouvir o que ela tinha a dizer.

_Preciso cuidar mais de Aninha, você deveria pagar a um trabalhador para cuidar dessas ovelhas. Disse Madalena, um dia para o marido.

_Num me venha cum probrema muié, dexi de sê priguiçosa. Disse ele sem lhe dar atenção.

Um dia, Honório avisou a mulher que caprichasse no almoço, pois viria um adjunto (muitos trabalhadores), almoçar lá. Esses homens trabalhavam alugado na roça do marido de Madalena.

Naquele dia, o trabalho da pobre mulher dobrou e a coitada ficou tão atrapalhada com o serviço, que descuidou da filha. Enquanto Madalena tratava as galinhas para o almoço, a criança estava no quintal comendo melancia da praia, um fruto não comestível, bastante comum no campo e que segundo os mais velhos, é venenoso. Não foi por fome que Aninha comeu, mas por curiosidade. Ela viu o pequeno fruto, achou bonitinho e resolveu comer, para saber qual era o sabor. A inocência das crianças muitas vezes a levam ao perigo.

 A melancia da praia estava quente, devido ao sol e de repente, Aninha começou a passar mal, sentindo uma forte dor na garganta. A criança caiu no chão chorando, foi quando a mãe ouvindo seu choro, deixou o que estava fazendo e saiu correndo socorrer a filha. Madalena encontrou a pequena caída próxima a um pé de melancia da praia. A sofrida mulher não pôde sufocar um grito de terror. E então, pegou a filha nos braços e levou para dentro de casa, chorando desesperadamente. A mulher de Honório vivia sempre tão ocupada, que nunca havia visto aquele fruto perigoso tão próximo à sua casa. E naquele momento, que estava sendo o pior, de toda  sua vida, ela sentia-se culpada. Após colocar a filha na sua redinha, Madalena foi até a janela e gritou por uma rezadeira  que residia perto de sua casa:

_Dona Rosalinda, acuda-me aqui!

A rezadeira fez um chá com umas ervas que trouxe, mas Aninha não conseguiu engolir.

_Só nosso Senhor Jesus Cristo pode salvar essa menina, eu não posso fazer nada. A garganta dela está tomada pelo veneno. Disse Dona Rosalinda.

Madalena ouvindo estas palavras desmaiou. Nesse momento, chegou seu marido com os trabalhadores. A rezadeira contou-lhe o ocorrido e ele ficou muito nervoso, colocando a culpa na mulher, dizendo que a mesma não havia cuidado direito da filha.

Dona Rosalinda acordou Madalena, que continuou em estado de pânico. Ela dirigiu-se até a rede da menina e a viu entre a vida e a morte, com os olhos fechados. Seu pranto comoveu a rezadeira e os trabalhadores, que não conseguiram almoçar e voltaram para suas casas.

Dona Rosalinda foi até o fogão fazer um chá para acalmar a esposa de  Honório, entretanto, naquele momento, nada conseguia aliviar sua imensa dor.

Depois de passar  alguns instantes imóvel, com o olhar voltado para a janela, Honório foi ver a filha e manteve-se sério, não articulou palavra, nem derramou nenhuma lágrima, apenas observou a criança.

_ E agora Honório? Perguntou Madalena entre lágrimas.

Ele não respondeu, apenas saiu de perto dela e foi até o quintal, onde ficou pensativo. Era um homem sem sensibilidade, incapaz de apoiar a mulher em um momento igual aquele.

Se Honório sofreu pela filha, não demonstrou. Talvez tivesse sofrido, mas era  homem  e seu pensamento era que homens não deveriam chorar.

Passaram-se alguns dias e lá tinha ficado Aninha na sua cova, no quintal, com uma cruz de dois paus amarrados, feita pelo pai.

Quanto a Madalena, esta enlouqueceu, estava completamente perturbada mentalmente.

Maria do Socorro Abrantes Sarmento