A LITERATURA NEO-REALISTA DE PORTUGAL E O SOCIAL NA OBRA DE GAIBÉUS

LUCIANA LUIZA DE FRANÇA

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIR

1° semestre de 2005

1. INTRUDUÇÃO

Este estudo tem como temática a literatura neo-realista de Portugal e o social na obra Gaibéus de Alves Redol, elaborando um breve paralelo com outras obras que seguem a mesma linha como Vidas Secas de Graciliano Ramos, analisando a vida opressora de Portugal na época refletida na literatura, apontando a questão social, econômica e que, ainda hoje, mostra-se contemporânea, sem mudanças.

Ao produzir o projeto de trabalho de conclusão de curso de Pós-Graduação em Literatura Portuguesa, não posso deixar para trás meu interesse nesse campo da literatura onde a simbologia marca o período como um poderoso despertar do homem para uma nova consciência como a rejeição ao mundo burguês.

Identifiquei-me nesta construção e pretendo neste trabalho mostrar algumas questões que refletem minhas expectativas em torno do referido tema. Gaibéus (1939), de Alves Redol, é o livro que tem sido considerado como o iniciador do neo-realismo em Portugal.

O neo-realismo português, período literário com características bem definidas, é preferencialmente motivado por fatores sócio - literários específicos, baseados em coordenadas históricas e sociais que fazem da literatura uma arte empenhada.

            Tendo como inspirador o realismo socialista, o neo-realismo assentava também a sua concepção do fenômeno literário numa informação ideológica de natureza marxista.           Desferindo golpes fatais contra a literatura dita “subjetiva”, os neo-realistas procuravam no materialismo dialético o ponto de partida para a apreciação de todas as manifestações artísticas, e essa fidelidade ideológica conservou-se como o seu horizonte de criação.       

O neo-realismo não compreende o homem desligado da vida social, embora deseje um maior aprofundamento do indivíduo, está interessado em reenquandrar o homem no seu todo social, pois ele é um produto de um meio que e por seu turno produto das suas mãos. De igual modo, o eu individual ou singular é ultrapassado pela confissão de identidade absoluta com a massa dos homens.

O neo-realismo recusa qualquer visão idílica do homem-trabalhador do campo ou da cidade, revoltando-se contra a servidão humana e desenvolvendo o conceito marxista : de a terra a quem a trabalha.

            Em Dezembro de 1939, aparece Gaibéus, de Alves Redol, um livro que se recomenda, num alerta a todas as consciências, pois que, ainda que vivamos no século XXI, a exploração do homem pelo homem está longe de acabar, embora as circunstâncias sejam diferentes.

            Justifico este estudo por fazer uma longa reflexão sobre as verdades humanas, como sonhos, desilusões, exploração feminina, do trabalho, de uma realidade opressora que se faz analisando a obra citada e encontrando pontos em comum com outros escritores como o brasileiro Graciliano Ramos em Vidas Secas.

A pesquisa é de relevância social em função de considerar ser de interesse de todos.

Como relevância acadêmica, entendo que o estudo é de extrema importância por tratar-se de um tema que deveria ser abordado exaustivamente em todas as salas acadêmicas. O estudo, apesar de não se propor a ser exaustivo, poderá servir de referência para outros estudos do mesmo tema.

Para atingir os objetivos propostos o estudo constará de três capítulos:

O primeiro capítulo versará sobre o movimento modernista. O segundo capítulo discorrerá sobre o movimento neo-realista O terceiro capítulo analisará a obra Gaibéus de Alves Redol, traçando um paralelo com outras obras que seguirem a mesma linha como Vidas Secas de Graciliano Ramos.

2 – O MOVIMENTO MODERNISTA PORTUGUES

Em Portugal, o surgimento do Modernismo está intimamente ligado ao advento da República:

Em 1908 a insatisfação contra a Monarquia atinge o ponto máximo com o assassinato do rei D. Carlos e do príncipe herdeiro D. Luís Felipe.  D. Manuel II assume o trono aos l6 anos, até 1910, quando é obrigado a se exilar na Inglaterra por causa da instauração da República.

Com a Proclamação da República portuguesa instaurada, forma-se dois partidos: o dos  SITUACIONISTAS  e o dos INCONFORMADOS.  Um grupo de artistas e escritores que faziam parte do partido dos situacionistas, liderados por Teixeira de Pascoaes, funda a "Revista Águia", que propõe o  SAUDOSISMO, ou seja, que a Literatura reviva os anos de glória da história do país.

O Modernismo um movimento que teve seu início em 1910,  porém se concretiza em 1915 contra o saudosismo que toma conta de Portugal, surge outro grupo de situacionistas liderados por Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, e outros - FUTURISTAS - que funda uma revista calcada nos ideais do Futurismo: a "Revista Orpheu", que marca o início do MODERNISMO PORTUGUÊS  e, nele, o início da primeira geração modernista portuguesa: a GERAÇÃO ORPHEU; reunindo uma grande fração de jovens insatisfeitos com as fórmulas estacionárias e passadistas das artes, pregavam o inconformismo e a divinização do ato poético.   Ironizavam para demonstrar o quanto se encontravam perdidos, desencadeados com o tempo, com o mundo. As atitudes eram rebeldes.

Em 1916 com o suicídio de Sá-Carneiro, uma das causas do encerramento da "Revista Orpheu", depois de apenas dois números publicados. Outras revistas futuristas, porém, são publicadas: "Centauro","Portugal Futurista", "Contemporânea",  "Athena".

Tal espírito vigo­rou até 1927, começa a GERAÇÃO PRESENÇA, com a publicação da "Revista Presença", fundada por José Régio, Adolfo Casais Monteiro, Miguel Torga, e outros, que propõe a EMOÇÃO ESTÉTICA, ou seja, o artista é livre quanto à forma e ao conteúdo da sua obra, porém deve elaborá-la com uma dose de emoção que contagie o leitor: eis o único compromisso. Como na Orpheu, na Geração Presença predomina a produção literária em versos (a POESIA).

Essencialmente poético, apenas por exceção deu origem a uma obra em prosa, o romance Nome de  Guerra, de Almada-Negreiros. Com a Presença, a Literatura Portuguesa abre-se ao convívio com determinadas tendências européias.

Foi em 1930 através da fundação da "Revista Sol Nascente", começa a GERAÇÃO  NEO-REALISTA e , com ela, a PROSA MODERNA  em Portugal. Com as mesmas características da Literatura Realista-Naturalista do século XIX, mas com uma linguagem  moderna e com  temas voltados à realidade do momento, a prosa modernista portuguesa segue os moldes das obras dos brasileiros : Jorge Amado, José Lins do Rego e Graciliano Ramos. A primeira obra neo-realista portuguesa é "Gaibéus", de Alves Redol.

 

3 – O MOVIMENTO NEO-REALISTA P       ORTUGUES

Formou-se um movimento ideológico e que seleciona o que parece ser melhor em várias doutrinas, métodos ou estilos.As obras reproduziam a realidade vivida por seus autores,ou seja ,comprometidas com propostas sociais concretas, levando em conta o mundo falido dos burgueses.É fundamentalmente uma corrente literária voltada para o povo,que chamava a atenção para os problemas humanos.

O Neo-Realismo com foco na realidade rural, propõe-se a demonstrar a questão da miséria moral, denunciar a divisão igualitária dos bens e da terra. Literatura típica de denúncia-social,assim, voltada para as condições sócio-econômicas e pela luta de classes. Movimento que se dá com o começo da segunda Guerra Mundial e que assenta basicamente na ideologia marxista,inspirado no movimento chamado socialista onde a estética que vigorava era a do consumismo,da qual o homem é produto do seu trabalho.

Por isso, o Neo-Realismo aponta uma literatura que expressa os aspectos da vida social e verdades humanas, que sofreu deturpações, desvios e crises inevitáveis como também teve dificuldade em atingir uma expressão estética.

Duas posturas que  se apresentam anti-burguesas promovendo o processo de construção  de uma nova ordem social, política e econômica, mas divergindo-se frontalmente: para uns é preciso que o homem com coragem procure conhecer seu próprio mistério, para outros primordial é conhecer cientificamente os mecanismos socioeconômicos que determinam o conjunto da vida humana para poder submetera a ordem vigente de uma transformação radical e metódica.

Nessa ótica, genericamente falando, vislumbramos, uma corrente espiritualista e outra materialista  contrapondo-se entre si. Em Portugal , a corrente materialista é chamada de presencismo, por conta da revista Presença.

Dessa forma, percebe-se que o Neo-realismo é uma corrente literária que desnuda os mecanismos socioeconômicos que regem a vida humana e explica seus dramas e conflitos.

A estética literária neo-realista se define em termos semânticos, mas não em termos sintáticos, dessa forma não há um estilo neo-realista, cada autor pode experimentar várias técnicas narrativas em função da consecução dos objetivos semânticos e pragmáticos no Neo-Realismo comuns a todos eles.

Desde 1940 até hoje... ATUALIDADE LITERÁRIA, que se caracteriza pela existência das mais diversas tendências, que se respeitam mutuamente e que continuam  divulgando suas idéias através de revistas.

 

3.1 OPRESSÃO  SOCIAL A PARTIR  DE  VIDAS SECAS

 

Graciliano Ramos autor de VIDAS SECAS, uma obra completamente comprometida com a questão social onde aborda a seca e a opressão social,  o mundo que se fecha para a família de Fabiano, saindo de uma mera classificação regionalista para mostrar o drama que o Homem sofre com a opressão do mundo.

         O grau de verossimilhança na caracterização de Fabiano e sua família é muito grande. A brutalidade da seca faz com que os personagens também se embruteçam, daí a freqüente recorrência do autor ao compará-los com animais, revelando seus aspectos rústicos. Há uma evidente zoomorfização das personagens. Elas não falam, mas grunhem, rosnam, gesticulam e falam palavras soltas. Cabe ao narrador interpretar e expor os seus desejos e anseios.

O nível da linguagem aponta a falta de diálogo para caracterizar o mundo hostil e opressivo. Fabiano sente-se sempre, na cadeia, no isolamento dentro da festa, já que o universo e as palavras está sempre passando além dele e de sua família.

Esse  universo hostil de Vidas Secas é o mesmo universo oprimido, sem diálogo e sem perspectiva de Gaibéus. Romances comprometidos com propostas concretas, quer servir de instrumento de transformação social, mostrando sempre o lado do homem sofrido e marginalizado.

Sem pretender fazer uma análise exaustiva de VIDAS SECAS, limito-me a relacioná-la a época de opressão refletida na literatura de um momento político de suma importância no Brasil: A Era Vargas

 

3.2 O MOVIMENTO NO BRASIL: GETÚLIO VARGAS, ESTADO NOVO E A ERA VARGAS

 

No Brasil a Revolução de 1930 marcada pelo líder gaúcho Getúlio Dornelles Vargas (19/04/1882 - 24/08/1954) o então presidente que mais tempo governou o Brasil, durante dois mandatos. Nasceu na cidade de São Borja, Vargas foi presidente do Brasil entre os anos de 1930 a 1945 e de 1951 a 1954. Entre 1937 e 1945 instalou a fase de ditadura, o chamado Estado Novo.

Após comandar a Revolução de 1930, que derrubou o governo de Washington Luís, Vargas assume o poder. Seus quinze anos de governo seguintes, caracterizaram-se pelo nacionalismo e populismo. Sob seu governo foi promulgada a Constituição de 1934. Fecha o Congresso Nacional em 1937, instala o Estado Novo e passa a governar com   poderes ditatoriais. Sua forma de governo passa a ser centralizadora e controladora. Criou o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda ) para controlar e censurar manifestações contrárias ao seu governo.

 Perseguiu opositores políticos, principalmente partidários do comunismo. Enviou Olga Benário , esposa do líder comunista Luis Carlos Prestes, para o governo nazista.

A importância do estado novo aparece com a transição da sociedade agrário-rural para a urbano-industrial o que se considera um Brasil arcaico para um Brasil moderno.

As situações favoráveis à revolução eram a agitação e o descontentamento popular. Os que estavam no poder não aceitavam ceder às pressões do povo, ocasionando assim, um processo de mudanças que submeteu a participação das grandes massas populares a um rígido controle.

3.3 – O PANORAMA CULTURAL

Na década de 30 a vida cultural brasileira conheceu uma grande efervescência. Era, de certa maneira, o efeito da agitação da década anterior. marcada pelas repercussões da Semana de Arte Moderna da 1922.

O caráter nacionalista firmou-se como uma das características mais marcantes na arte. A preocupação com o conhecimento da realidade brasileira,  sua forma de expressão. Os estudos humanísticos, aos poucos foram sistematizando-se.

Tanto a literatura portuguesa quanto à brasileira apresentavam uma profunda preocupação com a realidade social e detinham uma forte tendência ao regionalismo.

Porém todas as mudanças estavam relacionadas aos centros urbanos, já que o campo ainda necessitava de mudanças básicas.

 

 4. O NEO-REALISMO NA LITERATURA PORTUGUESA EM GAIBÉUS DE ALVES REDOL

 

Inicia-se por um estudo da linguagem escrita e da linguagem visual e pictórica em Gaibéus, de Alves Redol. Esse escritor do neo-realismo português revela-se, através de Gaibéus, um perfeito organizador de sensações e impressões, criando imagens de variados tipos, a partir do discurso poético. Sua linguagem expressa elevado grau de visualismo nas descrições das paisagens ribatejanas e nos gestos e expressões de suas personagens. Através da correspondência entre o discurso verbal e o discurso pictórico, Alves Redol consegue criar no leitor, a ilusão de ser um espectador que assiste a um espetáculo ou a sensação de estar diante de um quadro de uma época.

"Este romance não pretende ficar na literatura como obra de arte. Quer ser, antes de tudo, um documentário humano fixado no Ribatejo. Depois disso, será o que os outros entenderem."

O romance Gaibéus foi publicado pela primeira vez em 1939. É o ponto de partida da obra romanesca de Alves Redol. Mas é também o ponto de chegada de uma longa reflexão do autor sobre o significado e o papel da arte, o primeiro edifício do programa de uma literatura nova. Dessa reflexão de Redol ficou uma série de artigos publicados em jornais de Vila Franca de Xira, onde vivia - Vida Ribatejana (entre 1927 e 1934) e Mensageiro do Ribatejo (entre 1934 e 1940). De destacar ainda a conferência sobre arte, proferida em Vila Franca em 1936. Fiel ao seu ideário, Redol, antes de escrever Gaibéus, realizou um amplo trabalho de campo - deslocou-se repetidas vezes a lezíria, chegou mesmo a instalar-se no campo para recolher dados sobre o trabalho nos arrozais. Os seus blocos de apontamentos contêm numerosas indicações técnicas sobre o cultivo do arroz. As próprias relações familiares lhe serviram de documento - o pai de Redol era oriundo da região de origem dos gaibéus. Hoje Gaibéus é comumente aceita como o romance que marca o aparecimento do neo-realismo em Portugal. Eis o mundo que Alves Redol nos apresenta no seu primeiro romance. História da alienação de uma comunidade de trabalhadores, ficamos a saber até que ponto são explorados, e até que ponto essa exploração se deve à falta de união com outras comunidades de jornaleiros. Gaibéus é, assim, o romance do divórcio entre ganhões, uns procurando resgatar algumas bouças ou sulcos que ainda lhes pertencem, outros alheios ao que seja possuir qualquer chalorda ou mesmo canteiro. História simbólica do embate de duas diferentes mentalidades, a desunião entre gaibéus e rabezanos é triste e profético paradigma das oposições, ainda hoje bem marcadas, entre os camponeses dos minifúndios e os dos latifúndios. Redol acreditava que seria possível o casamento entre uns e outros quando descobrissem que a mesma fome os une. É desse exemplo simbólico a parábola dos quatro jovens rabezanos e dos três jovens gaibéus."  

 

BIBLIOGRAFIA

 

MOISÉS, Massuad: A Literatura portuguesa através dos textos; 2ª Edição M714 SP – Biblioteca da UERJ

 

REDOL, Alves; Obras Completas de Alves Redol  - 15ª edição, 1979 – Editora Europa América – Lisboa Porto

 

REDOL, Alves; Gaibéus – Romance Editora Caminhos 18ª edição; 1989– Lisboa

 

REDOL, Alves; Gaibéus  - 6ª edição, 1977 – Editora Europa América – Lisboa Porto

 

REIS, Carlos;  O disrcurso Ideológico do Neo-realismo Português - 1983 – Editora; Livraria Almeidina; Coimbra.

 

SACRAMENTO, Mário; Há uma estética neo-realista – 1986 – Coleção Universidade – Lisboa

 

SANT’ANNA, Affonso Romano de; Análise Estrutural de Romances Brasileiros- Editora Ática Série: Fundamentos 1990

 

TENGARRINHA, José; História de Portugal;  2ª Edição; Instituto  Camões / Edusc / Editora Unesp – 2001

 

TORRES; Alexandre Pinheiro; O Neo-Realismo Literário Português; Editora Moraes – 1977.


Cadernos da ABF; vol. IV nº 01 (Semindrio  superior de Literatura Portuguesa – UERJ) – RJ/ 2001 (Academia Brasileira e Filologia)