Literatura infantil?

Por Jean Carlos Neris de Paula | 10/02/2011 | Literatura

Literatura infantil?
Não existe literatura infantil, o que existe é leitor infantil. Quem lê a literatura de forma crítica e criativa sabe, por exemplo, que os contos de fada foram criados para inserir as crianças em assuntos da humanidade, como bem e mal, verdade e mentira, amor e ódio, bondade e maldade, temas comuns a todos. O livro A psicanálise dos contos de fada, do autor Bruno Bettlheim , revela bem isso.
Assim, na literatura dita infantil, aquilo que parece fantástico, inimaginável e ilógico precisa da criatividade do leitor para que possa fazer sentido, promover reflexão. Tendo em vista que a vida imita a arte e a arte imita a vida, quem lê de maneira metafórica, simbólica, sabe que a história é pródiga em mostrar que muitos "sapos" viraram príncipes depois de conhecerem verdadeiras "princesas". A própria Bíblia diz que "A mulher sábia edifica a casa, mas a tola derruba com as próprias mãos". Também é fácil perceber que muitas "sereias", com belas caudas, têm levado vários homens à destruição. Dessa forma, nota-se que o mundo é recheado de madrastas más e bruxas, pessoas que querem prejudicar o outro, por inveja ou simplesmente maldade; de lobisomens, aqueles que, irritados, se transformam em verdadeiros animais irracionais; de vampiros, os que sugam o sangue de quem trabalha; e de fadas, as quais estão sempre prontas a ajudar, estendendo a mão e doando a magia da felicidade e o poder do amor.
Os exemplos mostram que é preciso informação, criatividade e espírito crítico para entender que a literatura é do leitor e que ele tem de estar preparado para atribuir sentido, significado, emoção e razão ao que lê. Com esse preparo, o leitor ideal, como diz Mário Quintana, verá que Alice no País das Maravilhas é um livro cheio de enigmas matemáticos e surpresas maravilhosas, que Chapeuzinho Vermelho aborda tema de obediência aos pais e de desejo sexual, já que a figura do lobo representa o homem que quer "devorar" a mulher, que "Os Três Porquinhos" exibe, através das construções, a maturidade diferenciada dos irmãos e a vantagem de trabalhar com seriedade e planejamento, pensando no futuro e nas adversidades, e que João e Maria, entre outras abordagens, trata da dificuldade dos pais para criar os filhos.
É claro que esses e outros contos abordam muito mais itens, além dos citados, por isso o leitor adulto não pode, analisando os símbolos recorrentes nos textos, se assustar com o que encontra na literatura chamada infantil, haja vista que é constante o ensinamento sobre questões internas e externas ligadas à personalidade e ao mundo, respectivamente.
O "Era uma vez", portanto, revela uma multiplicidade muito grande de verdades mágicas e reais válidas enquanto o ser humano existir. Em vista disso, conforme sugere estudo de Marilena Chauí, os leitores devem, imitando Emília, "fabular a fábula, contar outro conto e mudar a moral da estória", para deleite do autor do Sítio do Pica-Pau Amarelo, que criou Emília com duas consoantes apenas no nome, ML, Monteiro Lobato, indicando-se autobiograficamente na personagem.

Jean Carlos Neris de Paula