O livro “Sociedade e literatura”, de Antonio Candido, publicado pela primeira vez em 1965, é uma obra fundamental aos estudantes de Literatura e de Sociologia, pois, no conjunto de ensaios "Letras e Idéias no Período Colonial", "Literatura e Cultura de 1900 a 1945, "A Literatura na Evolução de uma Comunidade" e "Estrutura Literária e Função Histórica", que a compõem, Candido apresenta conclusões importantes acerca do texto literário e sua articulação aos fatores sociais.

Em “O escritor e o público”, ensaio dividido em três sessões, Candido estuda sincronicamente a produção da literatura e sua relação com o público, que assume uma posição social mutável ao longo da nossa história.

Na primeira sessão, o crítico destaca que o ensaio se ocupará dos fatores externos concernentes à literatura, por considerá-los necessários para o entendimento das obras e dos criadores, bem como para a compreensão das correntes, períodos, constantes estéticas, uma vez que a matéria e a forma de uma obra dependerão do diálogo entre criador e público, ou seja, a obra vive na medida em que leitor a vive, decifrando-a, aceitando-a, deformando-a.

Candido considera que (...) a obra não é produto fixo, unívoco ante qualquer público; nem este é passivo, homogêneo, registrando uniformemente o seu efeito. São dois termos que atuam um sobre o outro, e aos quais se junta o autor, (...), para configurar a realidade da literatura atuando no tempo. (p.84).  

Sob tal ponto de vista, Candido toma a produção literária sob dois fatores subjacentes a ela: a posição social do escritor (reconhecido por sua atividade e pela manifestação que essa propicia, ao atender as expectativas dos leitores) e a formação do público ( indivíduos, normalmente, das elites que se organizam pelo interesse dos fatos, por isso, direcionam a orientação do autor).

Sendo assim, Candido nos lembra que o conceito de público envolve o grau de ilustração, os hábitos intelectuais, os meios de comunicação (livro, jornal, auditórios etc.) e a formação de uma opinião literária que tende ao gosto das elites. Por outro lado, a posição do escritor depende da aceitação da sua obra, de suas ideias e de sua técnica, por parte do público.

Na segunda sessão, Candido apoia sua análise, tomando a literatura brasileira como exemplo. Inicia, destacando que as cerimônias religiosas, a partir de propagação de uma concepção de vida, por cerca de dois séculos, foram ocasião para a formação de um público em nossa literatura colonial, dominada pelo sermão e pelo recitativo. Cita como exemplo desse período, os Autos de Anchieta. 

Por outro lado, o escritor não existia enquanto papel social definido; era atividade secundária de outras mais requeridas pela sociedade: sacerdote, jurista, administrador.  Fora disso, restava os círculos populares e anedotas, povoados por um Gregório de Matos.

Para Candido, as Academias representaram um esforço na criação de um público por parte dos próprios “escritores”, que eram ao mesmo tempo   criadores, transmissores e receptores da literatura, que acabava improdutiva por falta de um ponto de apoio.

No final do século XVIII, fase que precede a Independência, começa a esboçar-se a formação do público bem como da posição social do escritor. Candido destaca a função de Silva Alvarenga nesse processo, que conciliou a criação literária com a militância intelectual, fundando a Sociedade Literária, que formou homens que pensaram a Independência, animando um movimento que reivindicaria a autonomia política e a literária.

Desse modo, a exemplo de Silva Alvarenga, Candido diz “o escritor começou a adquirir consciência de si mesmo, como cidadão, homem da polis, a quem incumbe difundir as luzes e trabalhar pela pátria”. (p.87). Consciência nativista, que transformou- se em nacionalismo, manifestado nos escritos de associações político-culturais que reuniam sábios, poetas, oradores, que buscavam a independência da sociedade brasileira, de modo que “o público aprendeu a esperar dos intelectuais, palavras de ordem ou incentivo, com referência aos problemas da jovem nação que surgia”. (p.88)

Ao nativismo e às associações, Candido acrescenta a presença dos sacerdotes, que puseram a igreja a serviço das novas ideias, ao defenderem a evolução do nosso pensamento. Sendo assim, no primeiro quartel do século XIX esboçava-se no Brasil condições para definir tanto o público quanto o papel social do escritor imbricados ao nacionalismo.

Os escritores, então, conscientes de sua realidade, graças ao papel desempenhado no processo da Independência e ao reconhecimento da Igreja, vão procurar definir uma literatura mais ajustada às aspirações da jovem pátria. Assim sendo, o escritor apresentou-se ao leitor como militante, inspirado pelo nacionalismo, já que ambos compreendiam que a literatura devia exprimir o sentimento nacional, manifestado como ato de brasilidade.

Nesse contexto, Candido conclui que o nativismo, com seus valores transmitidos, foi pretexto para a atividade criadora, a fim de atrair o leitor. Desse modo, a melancolia, a nostalgia e o amor à terra foram tidos como próprios dos brasileiros e inseparáveis do patriotismo.

Escritor e público, assim, definiram-se em torno da retórica e do nativismo, fundidos em uma sociedade de iletrados, analfabetos ou pouco afeitos à leitura, que formou, sem intermédio da escrita, um público de auditórios. Tal circunstância, favoreceu a oratória, que passou a ser sinal de boa literatura, prejudicando a produção do texto escrito para ser lido.

A tendência nativista foi ampliada pelo nacionalismo, e sob essa égide, o escritor assumiu a oratória para despertar a emoção e o sentimentalismo patriótico, justificando sua posição na sociedade independente; o público passou a exigi-la como critério de aceitação e reconhecimento, condições que favoreceu o desenvolvimento de uma literatura sem leitores.

Sob esse viés, o Indianismo de Basílio da Gama e Santa Rita Durão foi a ideologia de um grupo intelectual, em resposta às solicitações do momento histórico, cuja pretensão era satisfazer as expectativas do público e, assim, atuar sobre ele. Por isso, descreveram o índio como modelo da virtude nacional. De tal forma que o indianismo “transbordou dos livros e operou independentemente deles — na canção, no discurso, na citação, na anedota, nas artes plásticas, na onomástica, propiciando a formação de um público incalculável e constituindo possivelmente o maior complexo de influência literária junto ao público, que já houve entre nós”. (p.91).

Durante o século XIX, e início do século XX prosseguiu a tradição de auditório, graças ao recitativo e à musicalização dos poemas, principais maneiras de veicular a poesia, já que as edições eram escassas. Desta maneira, românticos e pós-românticos penetraram melhor na sociedade, graças ao público de auditórios.

Nesse período, as revistas e jornais também tiveram papel importante, pois os autores habituaram a escrever para um público de mulheres e a ele se ajustou, propagando um estilo com tom de crônica, de fácil humorismo, de pieguice, que está em Macedo, em Alencar e até em Machado de Assis.

Daí surge uma situação peculiar em relação ao escritor e ao grande público, embora existisse uma literatura acessível, verifica-se a ausência de diálogo efetivo entre o escritor e a massa ou com um público de leitores suficientemente vasto, uma vez que o escritor habituou- se a produzir para públicos de leitores restritos, com o apoio e o estímulo de pequenas elites.

No entanto, a pobreza cultural das elites nunca permitiu a formação de uma literatura complexa e de qualidade, salvo algumas exceções. “Elite literária, no Brasil, significou até bem pouco tempo, não refinamento de gosto, mas apenas capacidade de interessar-se pelas letras”. (p. 95).

Candido afirma que nossa literatura foi geralmente acessível, pois até o Modernismo não houve escritor realmente difícil, a não ser a dificuldade do rebuscamento verbal que tanto agrada aos falsos requintados. Desse modo, vemos que o afastamento entre o escritor e a massa veio da falta de público, não da qualidade das obras. Daí o êxito de Euclides da Cunha.

Candido lembra que a constituição do patriotismo, como pretexto de quem contribui para a coletividade, favoreceu a legibilidade das obras, ao reproduzirem os anseios de todos, dando testemunho sobre o país e exprimindo sua realidade. Tendência que verificamos em Magalhães, Alencar, Domingos Olímpio, Bilac, Mário de Andrade, Jorge Amado.

Desse modo, Candido conclui que essas considerações mostram o porquê de não haver no Brasil literatura inacessível aos públicos disponíveis: o fato de não termos a consolidação da opinião literária, o grupo literário nunca se especializou a ponto de superar o conteúdo comum de vida e de opinião, contando com a retribuição do público. Nesses termos, o crítico conclui:

 “Papel social reconhecido ao escritor, mas pouca remuneração para o seu exercício específico; público receptivo, mas restrito e pouco refinado. Consequência: literatura acessível mas pouco difundida; consciência grupal do artista, mas pouco refinamento artesanal”. (p.96)

Na última sessão, Candido, a partir dos conceitos analisados: literatura, público, escritor e gosto literário, assevera que na primeira metade do século XX houve alterações importantes no panorama traçado, com a ampliação dos públicos, com o desenvolvimento da indústria editorial e com o aumento das possibilidades de remuneração específica. Em consequência, houve certa desoficialização da literatura, tornando-se praticamente complemento da vida mundana e de pouco valor acadêmico. A partir de 1922 o escritor, embora não tenha se afastado da participação na vida e da aspiração nacional, apresentou um papel mais liberto. A diferenciação dos públicos permitiu a produção de obras marcadas pelo inconformismo. Por sua vez, as elites mais refinadas permitiram maior repercussão às letras.

Em relação ao panorama da segunda metade do século XX, Candido nota duas tendências no que se refere à posição social do escritor. De um lado, a profissionalização da atividade; de outro, a diferenciação das elites acentua o refinamento da escrita. Se, em relação à posição social do escritor, há uma separação do panorama anterior, pois esse se profissionalizou; em relação ao leitor, Candido observa a continuidade da "tradição de auditório", que tende a manter a literatura nos caminhos tradicionais da facilidade, da comunicabilidade imediata e da produção falada para ser ouvida.

Candido ainda acrescenta que essas mudanças poderiam indicar um possível enriquecimento da leitura e da escrita, no entanto, as mudanças no campo tecnológico e político vieram trazer elementos contrários a isto, pois o rádio reinstalou a literatura oral e, a  ascensão das massas trabalhadoras propiciou maior valor à oratória, bem como um sentimento de missão social nos romancistas, poetas e ensaístas, que escrevem como quem fala para convencer ou comover.

A partir das considerações de Antonio Candido, tomamos consciência de que a tradição oral e de auditório está presente praticamente em todos os períodos da literatura brasileira, desde Anchieta, fincando raízes no Romantismo e ganhando novas roupagens no Modernismo, com a chegada de novas tecnologias.

Hoje, transcorridos cinquenta e três anos de sua primeira publicação, e em pleno século XXI, percebemos que essa tendência ainda sobrevive entre nós, pois, o indivíduo, culturalmente, pouco afeito a leitura, busca a narrativa em outros meios de entretenimento, nas novelas da TV e nas séries propagadas pela Internet. Em maior desvantagem, encontra-se a poesia, gênero que restringiu- se a um público muito específico, tornando-se leitura, quase que exclusivamente, de professores, estudiosos e iniciados nesse tipo de produção.

Mas, por outro lado, essas produções nunca estiveram tão presentes em nossos dias, por meio da música e adaptações para a TV e cinema. E assim, por meio desses veículos, e não do texto, somos apresentados ao universo (ficando somente nos escritores da Língua Portuguesa) de Camões, Gregório de Matos, Machado de Assis, Eça de Queiroz, Florbela Espanca, Cecília Meireles... sem ao menos sabermos, mas depurando nossos gostos.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

CANDIDO, A. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária. 7. ed. São Paulo: Nacional, 1985.