D. Rosa era a beata das beatas, quase que morava na igreja e acumulava com a carolice, o oficio de fiel patrulheira da vida alheia. Sabia da vida de Deus, o mundo e mais alguém. Quem batia na mulher, quem traía o marido, a filha de quem tinha embuxado, o filho de quem se drogava, quem era gay enrustido... Ela sabia e falava de tudo e de todos. Como toda boa fofoqueira, não perdia a oportunidade de falar mal. Durante as missas, era nenhum olho no padre e os dois rastreando o decote devasso de uma, a saia curta da outra, a gola puída daquele, a calça rota de fulano, a roupa repetida de sicrana, o filho mal educado de beltrana...

Futricas à parte, a carola e demais paroquianos, estavam envolvidos com a organização da quermesse que começaria no dia seguinte. Para desapontamento geral, a igreja que tinha acabado de ser pintada na noite anterior, amanheceu toda pichada. D. Rosa não poupou munição, disparou seu AR15 verbal: - Isso é coisa de marginal!!! Deve ser filho de alguma quenga safada, que fica correndo atrás de homem e não educa esse maconheiro herege! Tem que ser preso, tomar uma surra de gato morto, até o gato miar!

O delegado foi se aproximando e recebeu logo sua bala perdida: - Mais a culpa é sua Sr. delegado!!! A polícia anda muito mole, esses desordeiros pintam e bordam, e não acontece nada! Vocês estão dormindo é? Se não tem competência, entregue o cargo!

Num misto de constrangimento e satisfação, o policial calou a desaforada, dizendo: - Já identificamos o delinqüente. A câmera da portaria do prédio ao lado, flagrou o seu filho fazendo a pichação.

Desse dia em diante, a língua afiada foi guardada e a vida dos outros, passou a ocupar menos espaço da sua atenção, agora dedicada ao que acontecia na própria casa.

 
Algumas pessoas são assim. Não raro, escandalizam os outros e escondem suas mazelas. Não percebem, ou não querem perceber; que o dedo que aponta os erros alheios, dissimula muito mal, ostrês que se voltam para o acusador.