SINOPSE DO CASE: LIMITES DAS DECISÕES NA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL[1]

Luiza de Fátima Amorim Oliveira[2]

1 DESCRIÇÃO DO CASO

Um casal provocou um aborto com o consentimento da gestante, cometendo assim o que está disposto nos artigos 126 e 128 do Código Penal; o ministério público então os denunciou. O Código Penal que criminaliza o aborto é de 1940, ou seja anterior a Constituição Federal de 1988.

O STF teria legitimidade de decidir de forma contrária do que está disposto nos artigos do Código Penal, será que os limites de interpretação foram extrapolados a decisão do Ministro Barroso?

2 ANALISE E INTERPRETAÇÃO DO CASO

2.1 Descrição das decisões possíveis:

  1. O Supremo Tribunal Federal, mediante a aplicação da técnica de dar interpretação conforme a Constituição ao artigo do Código Penal, não extrapolou os limites da decisão esperada no controle de constitucionalidade;
  2. O Supremo Tribunal Federal extrapolou os limites do controle de constitucionalidade.

2.2 Argumentos capazes de fundamentar cada decisão:

2.2.1 O Supremo Tribunal Federal (STF), mediante a aplicação da técnica de dar interpretação conforme a Constituição ao artigo do Código Penal, não extrapolou os limites da decisão esperada no controle de constitucionalidade:

Primeiramente devemos observar que qualquer juiz ou tribunal possui competência para exercer o controle difuso ou incidental da constitucionalidade ao apreciar, incidentalmente, de ofício ou mediante provocação da parte ou do interessado, questão relacionada com a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei ou ato normativo (ALMEIDA,2009).Se encontrar lei ou ato normativo contrário à Constituição, que tenha relação com a causa, está na obrigação funcional de se manifestar, decretando a invalidade da lei ou do ato normativo. (VELOSO, 2000).

Os magistrados singulares, no exercício da jurisdição constitucional, não só podem como devem declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, atuando, inclusive, ex officio, numa situação que se assemelha à nulidade do negócio jurídico, que deve ser pronunciada pelo juiz, independentemente de alegação do interessado seria, de bom êxito as seguintes regras constitucionais: Os tribunais e juízes tem de conhecer da inconstitucionalidade das leis, a pedido dos interessados ou de ofício. ( MIRANDA,1967 P.392.)

Há, pois, ampla sustentação doutrinária para a aplicação do controle difuso ex officio e outra não poderia ser a posição dos mais renomados doutrinadores, diante da constatação lógica de que o controle é matéria de ordem pública, garantia constitucional fundamental e de interesse social, pois nenhum juiz está obrigado a observar uma lei ou ato normativo que entenda que seja inconstitucional. (Torres,2010)

Deste modo, de acordo com Cavalcante e Xavier (2006, p 80- 82), desde 1940 o aborto é considerado um delito pelo Código Penal e passível de prisão, para as mulheres que se submetem e para quem o realiza. Exceto somente em três casos quando a gravidez é resultado de estupro (a mulher tem o direito de escolha, interromper a gravidez ou mantê-la); para salvar a vida da mulher, em caso de risco; e, a partir de 2012, gravidez de feto anencéfalo (a mulher tem o direito de optar pelo prosseguimento da gestação ou por interrompê-la).

Porém quando observamos os artigos 128 e 126 do Código Penal, é perfeitamente explicitado no voto do ministro Luís Roberto Barroso no julgamento do Habeas Corpus (HC) 124306 que a criminalização do aborto é incompatível com diversos direitos fundamentais, entre eles os direitos sexuais e reprodutivos e a autonomia da mulher, a integridade física e psíquica da gestante e o princípio da igualdade.

 

Os resultados dissuasórios da legislação repressiva são mínimos: quase nenhuma mulher deixa de praticar o aborto voluntário em razão da proibição legal. Há de se trazer a tona também, que o número de condenações pela prática do crime de aborto é mínimo, ainda se houvesse condenações seria necessário um número sem fim de presídios para comportar o número de brasileiras que já praticaram abortos fora das hipóteses legalmente permitidas. Daí se pode concluir que, do ponto de vista prático, a criminalização do aborto tem produzido como principal consequência, ao longo dos anos, a exposição da saúde e da vida das mulheres brasileiras em idade fértil, sobretudo as mais pobres, a riscos gravíssimos, que poderiam ser perfeitamente evitados através da adoção de política pública mais racional. Portanto, a legislação em vigor não “salva” a vida potencial de fetos e embriões, mas antes retira a vida e compromete a saúde de muitas mulheres (SARMENTO, 2005)

 

 

Concluímos deste modo que o STF não extrapolou os limites do controle de constitucionalidade visto que o aborto fere direitos fundamentais citados neste case e que o STF ele deve intervir mesmo que não seja provocado se encontrar lei ou ato normativo contra a constituição e consequentemente aos seus direitos fundamentais.

 

2.2.2. O Supremo Tribunal Federal extrapolou os limites do controle de constitucionalidade:

 

A decisão do STF, extrapolou os limites do controle de constitucionalidade que lhe são atribuídos, vez que ele deve originar somente sentenças de constitucionalidade ou inconstitucionalidade e se abster de sentenças manipulativas. “Essas decisões manipulativas são modalidades de decisões de controle que importam, em alguma medida, na interferência sobre o conteúdo normativo dos dispositivos legais fiscalizados” (RAMOS,2010), logrando impor aos operadores e destinatários do sistema jurídico determinadas variantes interpretativas ou efeitos, em detrimento de outros que, prima facie, deles também se poderiam extrair (RAMOS, 2010).

 

Não obstante a diversidade de visões sobre o tema, bem como a pluralidade de sistematização e nomenclatura dessas decisões tanto no direito alienígena quanto na incipiente doutrina nacional, infere-se que essas técnicas intermediárias são uma realidade mais pujante na jurisdição constitucional europeia, onde foi primeiramente desenvolvida. Todavia, em análise aos precedentes do Supremo Tribunal Federal aufere-se a aplicação dessas técnicas intermediárias no Brasil (MORAIS,2005).

 

Entendido isso, vale ressaltar que tais sentenças manipulativas se originaram do Direito Italiano, e se dimanam do Direito Positivo, quer de dispositivos constitucionais quer de dispositivos legais, ou da atividade criativa da jurisdição constitucional (MORAIS, 2005).

É importante explanar sobre a divisão de poderes, que é a sistematização jurídica das manifestações do Poder do Estado, onde para se estruturar a divisão dos três poderes, utilizam-se como fundamentação dois elementos: “especialização funcional e independência orgânica, esta requer a independência manifestada pela inexistência de qualquer meio de subordinação, e aquela, significando que cada órgão é especializado no exercício de uma função” (DA SILVA, 2002).

Dentro dessa visão da separação das atividades estatais, segundo Ferraz (1994), já que não existe a separação absoluta entre os poderes, temos que eles legislam, administram e julgam. Mas cada um deles possui o que se chama função típica e atípica aquela exercida com preponderância é a típica e, a função exercida secundariamente, é a atípica, mas sempre nos seus inicialmente atribuídos limites, de tal modo, que o STF usurpa o poder do poder constituição de reforma, tendo em vista que com essa decisão do mesmo passa a legislar e não a julgar.

E ainda, segundo Carlos Blanco (2005), para a eficácia da decisão normativa “tanto um juízo de invalidade, como a indicação de uma norma ou de um princípio normativo que assegurem a criação de condições para que o direito que conformou o objeto da mesma sentença se compatibilize ou harmonize futuramente com a Constituição” (MORAIS, 2005), tal afirmação versa sobre as decisões aditivas, estas sentenças são formadas por componentes que decorrem da exclusão ou não aplicação de uma norma considerada inconstitucional e também reconstrói um critério judicial para que sejam criadas condições de conformidade com o sentido recomposto em consenso com a Constituição (MORAIS, 2005).

Entendido isto, vimos que no presente case temos uma situação de sentença aditiva, pois diminuiu um artigo do código penal.

É necessária uma ponderação das decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), para que na aplicação das suas técnicas de dar interpretação conforme a Constituição, e ao artigo do Código Penal conforme o caso, não seja extrapolado os limites da decisão esperada no controle de constitucionalidade, de tal maneira que o STF aja como legislador positivo, e não negativo, como aconteceu.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Gregório Assagra deControle difuso da constitucionalidade como garantia constitucional fundamental (art. 5º, XXXV, da CF/88) . Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1961, 13 nov. 2008. Disponível em: . Acesso em: 02 out. 2018.

BARROSO, Luís Roberto.    VOTO-VISTA.  2016. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/HC124306LRB.pdf> Acesso em: Set. 2018.

BRASIL. Constituição Federal. 1988. Disponível em: Acesso em: 02 out. 2018

DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo, 22° Edição, editora: Malheiros, 2002.

FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Conflito entre poderes, 20 ed., editora: revista dos tribunais. São Paulo, 1994.

MIRANDA, Pontes deComentários à Constituição de 1967, tomo I. ERT: São Paulo,1967.

MORAIS, Carlos Blanco. Justiça Constitucional: o contencioso constitucional português entre o modelo misto e a tentação do sistema de reenvio. Coimbra: Coimbra Editora, 2005.

RAMOS, Elival da Silva. Ativismo Judicial. Parâmetros Dogmáticos. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 209.

SARMENTO, Daniel. Legalização do aborto e Constituição. 2005. Disponível em: Acesso em: 02 out. 2018.

VELOSO ,Zeno. Controle jurisdicional de constitucionalidade, 3ª edição. Belo Horizonte: Ed. Del Rey, 2000. 

[1]Case apresentado à disciplina de Processo Constitucional da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB

[2]Professora ,me.