Wanda Camargo*

 

Quando os primeiros agrupamentos humanos passaram de meros bandos a tribos, a civilização, como a conhecemos, começou. Em bandos, prevalece a vontade do mais forte, em detrimento de tudo o mais, até mesmo da sobrevivência do próprio bando. Nas tribos, embora os mais fortes e capazes continuem a ter privilégios, há consciência da importância da coletividade para a continuidade da existência de todos - algum tipo de lei se impõe.

Com a evolução, nossos antepassados abriram, em parte, mão da resolução de impasses e conflitos pela via exclusiva da violência, delegando finalmente o uso da força para controle social aos representantes legítimos da comunidade. Esse sistema, com todas as suas imperfeições e eventuais injustiças, é que garante o funcionamento das sociedades modernas - nem sempre, no entanto, com total aceitação da autoridade do Estado por todos. Os movimentos sociais são vanguarda de insatisfações de todos os tipos - as revoluções que periodicamente ocorrem em toda parte as comprovam.

Neste momento, aparentemente estamos imersos em grande crise de autoridade – política, educacional e comunitária – com tudo “fora de controle”, incapazes de restringir manifestações violentas nas ruas e revoltas em presídios, com dirigentes dizendo hoje o que irão desdizer amanhã - e uma boa reflexão sobre limites é essencial.

No começo dos anos 1960, a filósofa política de origem alemã, Hanna Arendt, provocou a fúria de muitas pessoas, principalmente judeus, ao declarar que o nazista Adolf Eichmann, que estava sendo julgado em Israel, não era um monstro e sim um burocrata. Eichmann havia sido o responsável por grande parte da organização do assassinato de milhões de pessoas em campos de extermínio durante a Segunda Guerra. Arendt, humanista e judia, não afirmou que os crimes não existiram,que não foram brutais, ou que deveriam ser perdoados ou “relativizados”. Disse apenas que era um homem que estava sendo julgado - uma pessoa que,por convicção, comodismo ou covardia, aderiu a um sistema político criminoso e “cumpriu ordens”. E o cumprimento de certas ordens é imperdoável, ainda que os que consentemse consideremconfortavelmente inocentes.

A noção de que toda possibilidade civilizatória está presa à noção de disciplina e respeito à ordem sempre enfrentou a questão da liberdade individual, da criatividade e rebeldia necessárias para a inovação.Obediência cegasempre foi o desejo de todos os tiranos: é mais fácil dominar pessoas anestesiadas pela ausência de responsabilidade por seus atos, já que apenas acatam determinações superiores, ou seja, não precisam debater-se com a própria consciência.

No entanto, autoridade é sim necessária, e esta não se confunde com o autoritarismo, que transforma o outro em um ser sem vontade e dolo, já que apenas obedece; nem com a ausência de firmeza e capacidade de decisão, que confunde, desorienta e subordina ao caos.Difícil equilíbrio, sem o qual não existe educação ou perspectiva de futuro.

* Wanda Camargo é educadora e assessora da presidência das Faculdades Integradas do Brasil – UniBrasil.