Aplicação da “Licença Paternidade” como instrumento de reintegração do custodiado

O art. 226 da Constituição Federal brasileira de 1988 determina que a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado e que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher (§ 5º). Estabelece, também, em seu art. 227, que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

No Brasil, a licença-paternidade está prevista no art. 7º, inciso XIX, que prevê tal licença a ser concedida nos termos da lei. Como não houve a referida lei, prevalece o período previsto no § 1º do art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias que é de somente cinco dias.

 

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XIX - licença-paternidade, nos termos fixados em lei;

 

Recentemente a então presidente da República, Dilma Rousseff, sancionou sem vetos, a Lei 13.257/2016, que estabelece um Marco Legal para a Primeira Infância, cuja normatização  estabelece um conjunto de ações para o início da vida, entre zero e seis anos de idade. Uma das inovações da norma é a ampliação da licença-paternidade, de cinco para 20 dias, para os trabalhadores de empresas inscritas no Programa Empresa-Cidadã.

Antes destes avanços, o pai do nascituro avisava sua empresa do parto e tinha um dia de folga para auxiliar a mulher no registro da criança.

Era entendimento do direito brasileiro que, estando a mulher em condições físicas debilitadas após o parto, toda a responsabilidade de organizar a documentação necessária para uma criança seria absolutamente do pai.

O papel de pai, portanto, se limitava à confecção do respectivo documento, não importando a legislação sobre a importância da figura paterna na figura familiar em relação ao rebento. Apenas as mulheres tinham que ter responsabilidades perante o bebê .

A razão pela qual as mulheres tinham que se responsabilizar por seus filhos, pelas pessoas dependentes da família e pela vida familiar é que a sociedade, ainda, preconcebe a ideia de que a mulher deve ter filhos e a ideia corrente é de que o maior sonho de uma mulher é ser mãe e que uma mulher sem filhos é um ser incompleto. (BADINTER, Elisabeth. Rumo equivocado. O feminismo e alguns destinos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.)

Além de ter filhos, a mulher é pressionada, também, a cuidar de seus filhos e de seu marido, incumbindo a ela, ainda, a maior parte dos serviços domésticos, assim como a educação infantil.

O fundamento da maioria das pessoas que consideram que corresponde à mulher assumir a maior parte das obrigações - e direitos - da criação de filhos e da manutenção da família é que ela teria um instinto maternal nato e uma predisposição natural, isto é, biológica, para sua adaptação no espaço privado, ao passo que o homem é considerado como mais próximo ao espaço público.

O chamado instinto maternal está longe de ser instinto, aproximando-se, muito mais, de um dado cultural e pouco ou nada difere do instinto paternal. Biologicamente, depois da gravidez e amamentação, tanto o pai como a mãe têm as mesmas condições para educar e criar os filhos, observando-se, ainda, que mesmo o aleitamento pode ser realizado pelo pai, com leite materno ou de animal.

Tais fatos demonstram que o “instinto maternal” é um elemento cultural e não biológico e que, tal como o “instinto paternal”, nem mais nem menos, deve ser promovido e protegido.

No âmbito das relações de emprego, um dos principais motivos da desigualdade entre homens e mulheres é o fato de que são elas, geralmente, quem ficam incumbidas das tarefas domésticas e da atenção e cuidado com as crianças. O problema da conciliação entre a vida familiar e a vida profissional sempre foi determinante no estabelecimento da igualdade efetiva entre homens e mulheres, uma vez que as diferenças em razão de gênero são o reflexo da diferenciação dos papéis no seio da família. (IZQUIERDO, Raquel Aguilera. Los derechos de conciliación de la vida personal, familiar y laboral en la Ley Orgánica para la igualdad efectiva de mujeres y hombres. Revista del Ministerio del Trabajo y Asuntos Sociales. Madrid, número especial, p. 69/119.)

Fica claro, portanto, que, para o alcance da igualdade efetiva entre mulheres e homens, é necessário que as obrigações familiares sejam compartilhadas e que se lute contra a ideia de que a mulher é a principal ou, na maioria das vezes, a única responsável pelas tarefas domésticas, bem como cuidado com os filhos e familiares dependentes.

Por isso, a Lei 13.257/16, dedicada à primeira infância, trouxe diversas situações que demonstram a importantíssima participação do pai na constituição da família, na criação dos filhos e perante a licença parental.

Narra ela sobre a importância da convivência familiar:

Art. 5o  Constituem áreas prioritárias para as políticas públicas para a primeira infância a saúde, a alimentação e a nutrição, a educação infantil, a convivência familiar e comunitária, a assistência social à família da criança, a cultura, o brincar e o lazer, o espaço e o meio ambiente, bem como a proteção contra toda forma de violência e de pressão consumista, a prevenção de acidentes e a adoção de medidas que evitem a exposição precoce à comunicação mercadológica.

O Estatuto da Criança e do Adolescentes teve recente acréscimo legislativo, também demonstrando a importância paterna na construção familiar e perante os filhos:

 art. 22 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único:

“Art. 22.  .......................................................................

Parágrafo único.  A mãe e o pai, ou os responsáveis, têm direitos iguais e deveres e responsabilidades compartilhados no cuidado e na educação da criança, devendo ser resguardado o direito de transmissão familiar de suas crenças e culturas, assegurados os direitos da criança estabelecidos nesta Lei.” 

 

A C.L.T. também recebeu acréscimo normativo exaltando a figura paterna perante a família e filhos, concedendo licença para acompanhamento da mulher e do filho às questões de saúde:

 O art. 473 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, passa a vigorar acrescido dos seguintes incisos X e XI:

“Art. 473.  ....................................................................

.............................................................................................

X - até 2 (dois) dias para acompanhar consultas médicas e exames complementares durante o período de gravidez de sua esposa ou companheira;

XI - por 1 (um) dia por ano para acompanhar filho de até 6 (seis) anos em consulta médica.”

 

A licença parental é portanto um direito laboral disponível em praticamente todos os países que prevê a ausência remunerada do emprego para poder tomar conta de uma criança ou para realizar tarefas que proporcionem bem-estar à criança. O termo "licença parental" geralmente inclui a licença de maternidade, licença de paternidade e licença de adoção. (THOMÉ, Candy Florêncio. Direitos de conciliação entre trabalho e família: licença- maternidade e licença-paternidade. São Paulo: LTr, 2009.)

A mulher tem prioridades legislativas mas não exclusividade perante o direito familiar de criação e cuidado. Pelo contrário, no período de resguardo precisa e muito da companhia e auxílio do companheiro para os cuidados perante ao recém-nascido, além do direito paternal do pai em poder exercer seu amor perante o filho.

DAS SAÍDAS TEMPORÁRIAS DOS CUSTODIADOS

A Lei de Execução Penal, que cuida principalmente de pessoas encarceradas, tem como natureza jurídica uma normatização de caráter repressivo àqueles que praticaram algum delito ou estão sendo investigados e/ou processados; sendo também preventivo, já que expõe as mazelas e as limitações de direitos durante o cárcere, objetivando causar temor aos criminosos em potencial; trazendo, por último, objetivos restauratórios e de reeducação ao preso, para que o mesmo, através da ressocialização, possa ser reintegrar à sociedade.

Do Objeto e da Aplicação da Lei de Execução Penal

Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.

Durante vários séculos, as punições estatais contra aqueles que praticavam algum ilícito penal era a sanção física ou a retirada da vida. Com o passar do tempo o castigo executório transcendeu da carne para o espírito e a prisão se tornou um martírio para a alma, objetivando oprimir e levar remorso para a alma do delinquente.

"desapareceu o corpo supliciado, esquartejado, amputado, marcado simbolicamente no rosto ou no ombro, exposto vivo ou morto, dado como espetáculo. Desapareceu o corpo como alvo principal da repreensão penal. O castigo passou de uma arte das sensações insuportáveis a uma economia dos direitos suspensos." (FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 40 ed. Petrópolis: Vozes, 2012)

A história demonstra que a prisão é suficiente, mas não a melhor solução.

“historiar não é apenas a reconstrução do que já aconteceu e que está morto, definido, mas que a história consiste em localizar o que teve início no passado, mas que está vivo, presente e pode determinar ou já estar determinando o futuro.” (BAREMBLITT, Gregório. Compêndio de análise institucional e outras correntes. Rio de Janeiro: Rosa dos Ventos, 1994.)

Em 1946 surge um novo sistema prisional denominado progressivo, este dependia da boa conduta do preso, permitia três períodos no cumprimento de sua condenação. A partir deste surge outro, de preparação para a vida livre, através das prisões intermediárias, onde a vigilância era suave e se tinha trabalho externo no campo objetivando o preparo para o retorno à vida em sociedade. 

Desde então, aqueles que são completamente retirados do convívio social e ficam reclusos em regime totalmente fechado, nos estabelecimentos penais, precisam se ressocializarem para seu retorno à comunidade, através de um processo gradativo e meritório.

A família passa a ser o primeiro mecanismo para a ressocialização, participando efetivamente da execução penal do custodiado, através de visitas, comunicações e periódicos encontros íntimos.

Durante o regime semi-aberto, quando o detento pode sair do Presídio para trabalhar e estudar, também faz jus às denominadas saídas temporárias livres, para estar junto de seus familiares, contribuindo para sua ressocialização e entendimento quanto à importância de se viver em comunidade.

Reza a Lei de Execução Penal:

Art. 122. Os condenados que cumprem pena em regime semi-aberto poderão obter autorização para saída temporária do estabelecimento, sem vigilância direta, nos seguintes casos:

I - visita à família;

Ora, como o regime fechado é, na verdade, um temporário afastamento social do custodiado e, o regime semi-aberto é o início de sua reintegração, bem como a família é a preferência legislativa para que haja efetivamente os primeiros passos dos princípios ressocializatórios, é óbvio que quando o custodiado estiver na iminência de ser pai, deve não apenas comunicar tal acontecimento para sua empresa, para a obtenção iminente da Licença Paternidade, como deve também comunicar o Juiz da Vara de Execuções Penais à fim de solicitar extensão de benefício para que possa ficar licenciado e auxiliando sua mulher nestes primeiros e importantíssimos dias de cuidado à criança que acaba de nascer.

Esta mesma legislação executória permite que o acautelado em regime fechado possa sair do estabelecimento prisional no caso de doença grave ou morte de familiar, seria extremamente incoerente não permitir que aquele que esteja no semi-aberto não possa exercer seu constitucional direito de ser pai, de amparar a família e de praticar o amor.

Tendo em vista, portanto, que a LEP permite em seu art. 120, I, a saída temporária para visita à família, sendo já comum tal autorização pelo Poder Judiciário no Dia das Mães e no Natal, além das 5 (cinco) alternadas de 7 (sete) dias, devem os nobres magistrados se atentarem às recentes implementações legislativas, e conceder o humano direito do pai-custodiado a acompanhar o parto de seu filho e obter a licença paternidade extensiva à sua execução, para que possa auxiliar sua mulher e poder exercer seu constitucional direito paternal.