MARIA DE FÁTIMA REIS DOS SANTOS CARVALHO[1]

Resumo: O presente texto é parte da pesquisa monográfica "Educação de Surdos: a Libras e a atuação do intérprete na construção do conhecimento", apresentada ao curso de Pedagogia no ano de 2008, e vem discutir a educação de alunos surdos através da Língua Brasileira de Sinais (Libras), enfocando os processos comunicativos mediadores do conhecimento, discutindo a importância da educação bilíngüe na inclusão do surdo no contexto de uma sala de aula de ouvintes. A reflexão aponta para o desenvolvimento cognitivo do aluno surdo, e busca compreender qual a relevância da Libras e do intérprete para a formação acadêmica do surdo.

Palavras-Chave: Surdos, Libras, Intérprete, Educação, Bilingüismo.

Abstract: This text is part of the monographic research "Education of the Deaf: The pound and the role of interpreter in the construction of knowledge, presented the course of education in year 2008, and is discussing the education of deaf students through the Brazilian Sign Language ( Libras), focusing on the communicative processes mediators of knowledge, discussing the importance of bilingual education in including the deaf in the context of a classroom of listeners. The discussion points to the cognitive development of deaf students, and seeks understanding how the Libras and interpreter's relevance for the deaf education.

Keywords: Deaf, Libras, Interpreter, Education, Bilingualism

INTRODUÇÃO

Em tempos de inclusão, espera-se que a escola, mais do nunca, seja um espaço que acolha a diversidade e propicie uma educação de qualidade. Assim, a proposta aqui apresentada, é discutir os processos comunicativos que envolvem a educação do aluno surdo pela mediação do intérprete da Libras.

Diante das muitas considerações que destacam o papel da linguagem no processo de interação e nos processos cognitivos, torna-se importante investigar a relevância do bilingüísmo (Libras/Português) na educação do surdo, e consequentemente da atuação do intérprete nesse processo, lembrando da complexidade do papel desse profissional, visto que a questão central não é simplesmente traduzir conteúdos, mas torná-los compreensíveis, para o aluno sem descaracterizar nenhuma das duas línguas.

A Libras

O maior problema enfrentado pelos surdos é o da comunicação, e como destaca Vygotsky (1993), a linguagem é a base do pensamento e é por meio dela que surgem todas as manifestações sociais. É pela linguagem que o processo de socialização vai exercer sua influência permanente por toda a vida do indivíduo. Uma língua não depende obrigatoriamente da fala para ser concretizada, pois possui em si mesma, o código capaz de estabelecer a comunicação entre interlocutores, possibilitando a interação social. Isso legitima a língua de sinais, e está de acordo com os estudos de Quadros (1997) e Quadros e Schmiedt (2006), para quem as línguas, quanto à sua forma de percepção, podem ser dividas em: orais-auditivas, quando a forma de recepção não-escrita é a audição, e a forma de reprodução não-escrita é a oralização; ou podem ser espaço-visuais, quando são reproduzidas por sinais manuais e a sua recepção é visual.

Brito (1993) traz informações de que as línguas de sinais começaram a ser estudadas e analisadas a partir da década de 60, passando então a ocupar um status de língua. Esses estudos começaram com o lingüista norte-americano William C. Stokoe que em 1965, publicou o resultado de suas pesquisas, onde analisou e descreveu detalhadamente a estrutura da Língua Americana de Sinais (ASL).

No Brasil, de acordo com Quadros e Schmiedt (2006), esses estudos se iniciaram na década de 80 com as pesquisas de Lucinda Ferreira Brito, que a partir de 1982, iniciou um trabalho de descrição lingüística da estrutura da Língua de Sinais do Brasil. Posteriormente Lodenir B. Karnopp (1994) e Ronice M. Quadros (1995) e outros, começaram a estudar a aquisição da Libras por crianças surdas.

Segundo Quadros (1997), trata-se de uma "língua" porque ela possui estruturas gramaticais próprias atribuídas em níveis lingüísticos fonológicos, sintáticos, morfológicos e semânticos como qualquer língua, possibilitando o desenvolvimento cognitivo da pessoa surda, favorecendo seu acesso aos conceitos e aos conhecimentos existentes na sociedade ouvinte. As línguas de sinais são sistemas lingüísticos independentes dos sistemas das línguas orais e tal como estas, não são universais, assim sendo, cada país apresenta sua própria língua. Essas línguas são sistemas de regras gramaticais, naturais às comunidades surdas dos países que as utilizam.

Quadros (1997) explica que as línguas de sinais apresentam-se numa modalidade diferente por serem línguas espaço-visuais, ou seja, são comunicadas, não pelo canal oral-auditivo, mas através da visão e do espaço corporal. Sua configuração acontece no espaço, por meio de articulações visuais: as mãos, o corpo, os movimentos e o espaço de sinalização, sendo esses, os veículos de percepção e produção lingüística. Os sinais são formados por meio da combinação de formas e de movimentos das mãos e de pontos de referência no corpo ou no espaço, conforme a autora descreve:

Os sinais são formados a partir da combinação do movimento das mãos, podendo este lugar ser uma parte do corpo ou um espaço em frente ao corpo. Estas articulações das mãos, que podem ser comparadas aos fonemas e às vezes aos morfemas, são chamadas de parâmetros. (QUADROS: 1997, p. 46).

No Brasil a língua natural dos surdos recebe o nome de Libras (Língua Brasileira de Sinais), de acordo com Rocha (1997), esta denominação foi estabelecida em Assembléia por membros da Federação Nacional de Educação e Integração do Surdo (FENEIS) em outubro de 1993, e tem sido reconhecida pela Federação Mundial dos Surdos, pelo Ministério da Educação (MEC) e por educadores e cientistas do campo. É considerada "língua natural" porque ao ser exposto a ela, o surdo a adquire de forma espontânea, da mesma forma que as crianças ouvintes adquirem uma língua oral ao serem expostas a ela. Brito (1993) confirma essa informação e acrescenta que a Língua de Sinais é classificada como língua materna das comunidades surdas, porque pelo canal visual-espacial os surdos conseguem naturalmente comunicar-se entre si e receber a herança cultural das comunidades surdas.

Karnopp (1999), explica que as crianças surdas em contato com a língua de sinais desde a tenra idade, adquirem-na sem nenhuma instrução especial. Elas começam a produzir sinais, mais ou menos na mesma idade em que as crianças ouvintes começam a falar, e atravessam os mesmos estágios de desenvolvimento lingüístico das línguas naturais.

A Libras foi desenvolvida a partir da língua de sinais francesa, e possui, além de uma estrutura gramatical própria, todos os componentes das línguas orais. E ainda, segundo Quadros (1997), apresenta os requisitos científicos necessários para ser considerada instrumento lingüístico em todos os níveis de análise, como o sintático (da estrutura), o semântico (do significado), o morfológico (da formação de palavras), o fonológico (das unidades que constituem uma língua) e o nível pragmático (conversacional).

Essas informações confirmam que a Libras, como qualquer outra língua, permite a expressão plena de qualquer significado necessário à comunicação e expressão do homem, inclusive de conceitos, racionais, metafóricos, concretos ou abstratos. Como assinala Felipe (1997):

Por meio da língua de sinais é possível a expressão de conteúdos sutis, complexos ou abstratos, de modo que os seus usuários podem discutir qualquer área do conhecimento, da filosofia à política, utilizando-se dos seus recursos, como ocorre com qualquer outra língua, para consolidar a comunicação, isto é, para conferir conteúdo significante aos objetos do mundo e às pessoas que o cercam. (p. 37).

Daí percebe-se a importância da língua de sinais para a expressão e integração do surdo na vida escolar e social em geral. Na medida em que as linguagens são sociais, surdos e ouvintes ficam limitados pela mesma necessidade, de tornarem-se compreensíveis uns para com os outros, mesmo havendo diferenças nas modalidades da língua.

Apesar de só ter sido sistematizada no final da década de 60, quando passou a ocupar status de língua, desde então, a Libras, é reconhecida pela lingüística como uma língua viva e autônoma. Contudo, a conquista dos surdos brasileiros com a oficialização de sua língua, como meio legal de comunicação e expressão, só veio em 2002 pela Lei nº. 10.436 e pelo Decreto 5.626/2005 que regulamenta essa lei. Decretada e sancionada em 24 de abril de 2002, a Lei N° 10.436/2002, no seu artigo 1º, dispõe o seguinte:

É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais - Libras e outros recursos de expressão a ela associados. (Art. 1º). Entende-se como Língua Brasileira de Sinais – Libras, a forma de comunicação e expressão, em que o sistema lingüístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema lingüístico de transmissão de idéias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil. (Parágrafo único).

Sobre a estrutura da Libras, Brito (1997) informa:

A Libras é dotada de uma gramática constituída a partir de elementos constitutivos das palavras ou ítens lexicais e de um léxico (o conjunto das palavras da língua) que se estruturam a partir de mecanismos morfológicos, sintáticos e semânticos que apresentam especificidade [...]. Estes são usados na geração de estruturas lingüísticas de forma produtiva, possibilitando a produção de um número infinito de construções a partir de um número finito de regras. É dotada também de componentes pragmáticos convencionais, codificados no léxico, e de princípios pragmáticos que permitem a geração de implícitos sentidos metafóricos, ironias e outros significados não literais. (p. 37).

O léxico pode ser definido como o conjunto de palavras de uma língua, e no caso da Libras, as palavras ou itens lexicais são os sinais. O que é denominado de palavra ou item lexical nas línguas oral-auditivas são denominados sinais nas línguas de sinais. Como qualquer outra língua, ela também possui expressões que diferem de região para região (os regionalismos), o que também se constitui como fator legitimador da Libras como língua.

A Aquisição e Importância na Educação do Surdo

Segundo Vygostky (1993), a criança adquire a língua do exterior para o interior, há um movimento do meio social para o indivíduo. Com a criança surda esse movimento torna-se complicado, pois ela vive num meio social oral do qual não consegue participar plenamente.

Os estudos de Vygotsky (1993) mostram que todo ser humano é dotado da faculdade da linguagem, e que essa capacidade se realiza por meio da interação do indivíduo com outros seres humanos que dominem uma língua específica. Isso quer dizer que a linguagem se concretiza no exercício da língua, na interlocução com outros. Dessa forma, a apreensão do conhecimento em qualquer modalidade, é mediada pela linguagem, por meio da qual o conhecimento é passado. Vygotsky (1993) explica que o contato com o conhecimento é mediado pela linguagem (mediação semiótica[2]) e pelo outro (mediação pedagógica). Assim, ao se apropriar do conhecimento, o homem o re-elabora, apoiado nos conhecimentos que já possui e nas experiências anteriores.

Nesse processo, o papel da linguagem é ajudar a organizar o conhecimento e estruturar o pensamento. Sendo a língua um instrumento para o exercício da linguagem, a interação verbal caracterizada pela interlocução com o outro é essencial tanto para a constituição e desenvolvimento desta (linguagem), quanto para a aquisição de novos conhecimentos. Assim, a melhor forma de se desenvolver a linguagem é interagir com outros, pois a comunicação é a finalidade primeira da linguagem. Karnopp (1999) concorda e complementa que a interlocução possibilita um enriquecimento do léxico, o aprimoramento da capacidade de compreensão ao se procurar entender o outro, e obriga a mente a organizar constantemente o pensamento a fim de se fazer compreender.

Com as crianças surdas não é diferente, pois através da interação social, elas desenvolvem sua linguagem e adquirem a língua de sinais. Quadros (1997) e Karnopp (1999) concordam que o processo de aquisição da língua de sinais por crianças surdas, ocorre no período equivalente à aquisição da língua oral em crianças ouvintes. Isso sugere que os processos de aquisição da linguagem possuem universais lingüísticos[3].

Ainda essas autoras apontam que as crianças surdas, assim como as crianças ouvintes, aprendem a língua nos três primeiros anos de vida, mais ou menos. A perda da audição não é em si um bloqueio para o aprendizado da língua. O desenvolvimento da linguagem infantil segue por estágios específicos, aos quais Quadros (1997) aborda confirmando que "o processo de aquisição da Língua de Sinais é semelhante ao processo de aquisição da língua oral pelos ouvintes, no que se refere às fases deste processo". (p. 70). Ela explica que a aquisição da Língua de Sinais ocorre em quatro estágios: "pré-lingüístico, estágio de um sinal, estágio das primeiras combinações, e estágio das múltiplas combinações". (p. 70).

Os estudos de Karnopp (1999) indicam que no período pré-lingüístico, a criança surda não se diferencia da ouvinte, pronuncia os balbucios normais aos bebês nessa idade. Porém, suas emissões começam a desaparecer devido à falta de estímulo auditivo externo, primordial para a aquisição da linguagem oral. Esse período caracteriza-se pela produção do que é denominado balbucio manual, pelos gestos sociais e pela utilização do apontar. É interessante registrar que, segundo essa autora, tanto o bebê surdo quando o ouvinte desenvolvem o balbucio oral e manual. Esse período se inicia quando a criança nasce, e finaliza com o aparecimento dos primeiros sinais, por volta dos 12 meses de idade.

Com o tempo, segundo alerta Quadros (1997), o bebê surdo vai deixando o balbucio oral e o ouvinte vai abandonando o balbucio manual. As semelhanças encontradas nas duas formas de balbuciar, tanto do bebê ouvinte e do bebê surdo, sugere que há no ser humano uma capacidade lingüística que se resume na aquisição da linguagem, como esclarece Karnopp (1999), "o bebê ouvinte tem a capacidade lingüística em oral auditiva pela fala, e o surdo na capacidade espaço visual pelos gestos". (p. 28).

A autora investigou três aspectos do desenvolvimento infantil: a questão da percepção visual, da produção manual e da importância do input visual. A importância do input[4] nas línguas de sinais é grande, visto que ele permite que o bebê passe a etapas posteriores no desenvolvimento da linguagem. Quanto à percepção, primeiramente ocorre o contato visual entre os interlocutores, e então "o bebê surdo, com a atenção visual voltada para a face do interlocutor, capta indícios sutis no rosto, que lhe servirão para atribuir significados aos sinais de sua língua". (KARNOPP: 1999, p. 30).

O uso de expressões faciais, a repetição de sinais e a utilização de movimentos mais lentos e amplos na articulação dos sinais são estratégias utilizadas para atrair a atenção visual do bebê surdo. Por fim, quanto à produção manual, o período pré-lingüístico, caracteriza-se em linhas gerais, pela produção do que é denominado balbucio manual, pelos gestos sociais (bater palmas, dar tchau, enviar beijinhos, etc.), e pela utilização do apontar.

O segundo estágio, denominado de "estágio de um sinal", inicia-se, segundo Quadros (1997), entre o primeiro e segundo ano de vida da criança. No início deste período tanto a criança surda quanto à ouvinte, deixa de apontar objetos e pessoas.

É neste estágio que ela inicia as primeiras produções, na Língua de Sinais, assim como a criança ouvinte começa a pronunciar as primeiras palavras. A autora acredita que nesse período ocorre uma reorganização básica, em que a criança muda o conceito da "apontação" inicialmente gestual (pré-lingüística) para visualizá-la como elemento do sistema gramatical da língua de sinais (lingüístico).

Já no estágio das primeiras combinações, que se inicia por volta dos dois anos de idade, começa o estabelecimento da ordem das palavras que é utilizada nas relações gramaticais.

Sobre esse período Quadros e Schmiedt (2006) explicam:

A língua de sinais vai ser adquirida por crianças surdas que tiverem a experiência de interagir com usuários de língua de sinais. Se isso acontecer, por volta dos dois anos de idade, as crianças estarão produzindo sinais usando um número restrito de configurações de mão [...]. As crianças nesta fase começam a marcar sentenças interrogativas com expressões faciais concomitantes com o uso de sinais [...]. Nesse período, também é verificado o início do uso da negação não manual através do movimento da cabeça para negar, bem como o uso de marcação não manual para confirmar expressões comuns na produção do adulto. (p. 20).

O estágio das múltiplas combinações, por sua vez, tem como característica uma ampliação do vocabulário nas crianças surdas e ouvintes que ocorre dos dois anos e meio em diante. Karnopp (1999) explica que neste estágio, a criança surda comete os mesmos erros gramaticais na Língua de Sinais que a criança ouvinte comete na Língua Oral. Quadros e Schmiedt (2006) relatam os principais avanços desse estágio:

A partir desse período, elas começam a combinar unidades de significado menores para formar novas palavras de forma consistente [...] Nesse período, as expressões faciais são usadas de acordo com a estrutura produzida, isto é, as produções não manuais das interrogativas, das topicalizações e negações são produzidas corretamente [...]. Aos poucos, torna-se mais claro o uso da direção dos olhos para concordância com os argumentos, bem como o jogo de papéis desempenhados através da posição do corpo. (p. 22).

A partir da análise desses estágios, percebe-se que de fato, a surdez não se caracteriza como impedimento para a aquisição da linguagem, porém é importante esclarecer, que de acordo com os autores consultados nesse trabalho, as crianças surdas, em geral, têm esse processo retardado pelo fato de não estarem expostas à língua de sinais na idade correspondente a cada estágio. Segundo Quadros e Schmiedt (2006), "95% das crianças surdas são filhas de pais ouvintes e, portanto, na maioria dos casos, não dominam uma língua de sinais". (p. 20). No caso de crianças surdas filhas de pais surdos, esse processo acontece naturalmente, mas as demais acabam por sofrer um grande atraso na aquisição da linguagem.

A maior parte das crianças surdas só vai ter contato com a língua de sinais no período escolar. Assim, é imprescindível que o professor conheça e compreenda os processos que envolvem a aquisição da linguagem pelo surdo, a fim de se organizar no sentido de trabalhar formas adequadas para facilitar a aquisição da língua de sinais e consequentemente, a apropriação do conhecimento pelo aluno. A esse respeito Rinaldi (1997) destaca que o objetivo da escola é "propiciar às crianças surdas o desenvolvimento espontâneo da língua de sinais como forma de expressão lingüística, de comunicação interpessoal e como suporte do pensamento e do desenvolvimento cognitivo". (p. 27), e para tanto, o professor deve estar apto.

Convém ressaltar que a apreensão do conhecimento em qualquer modalidade, é mediada pela linguagem. Nesse processo, o papel da linguagem é ajudar a organizar o conhecimento e estruturar o pensamento. E sendo a língua instrumento necessário ao exercício da linguagem, a interlocução com o outro é essencial tanto para a constituição e desenvolvimento da linguagem, quanto para a aquisição de novos conhecimentos. A linguagem se realiza através de uma língua, qualquer que seja sua modalidade, e assim, o domínio desta é essencial para a aprendizagem de uma forma geral.

Portanto, é o domínio da língua de sinais que tornará o surdo apto a produzir sua comunicação e adquirir conhecimentos, assumindo papel semelhante ao que a oralidade desempenha para o aluno ouvinte. Isso é confirmado por Quadros (1997), quando informa que a primeira língua de uma criança norteia, promove e facilita o acesso aos conhecimentos escolares, e é por isso que os surdos têm experiências diferenciadas em relação à construção do conhecimento. Diferentemente da criança ouvinte, o processo de significação da criança surda acontece da língua de sinais para a língua portuguesa escrita ao invés de ser da língua portuguesa oral para a língua portuguesa escrita.

Como bem coloca Rinaldi (1997):

Ao iniciar o processo de escolarização [...] o aluno ouvinte já traz a gramática da língua portuguesa de forma implícita. Cabe ao professor estimular, apoiar e provocar a evolução dessa gramática implícita para seu uso consciente. Em se tratando do aluno surdo, verifica-se que raramente ele traz consigo aquela gramática implícita, precisando "heroicamente", participar da reflexão sobre uma língua que não domina ou domina precariamente, ao mesmo tempo em que se encontra no processo de aprendizado da língua portuguesa e de aquisição da língua de sinais. (p. 24).

Diante dessa afirmação, é possível compreender a dificuldade enfrentada pelo aluno surdo na escola. Por isso, Quadros (1997) e Karnopp (1999) enfatizam a importância de a criança surda ser exposta à língua de sinais o mais precocemente possível para evitar atrasos em sua aprendizagem. Essa importância é ainda maior ao considerarmos o fato de que a Libras não possui um sistema consolidado de escrita que permita a alfabetização do surdo através dela.

Conseqüentemente, todo desenvolvimento acadêmico do aluno surdo, deve acontecer na língua portuguesa, o que exige um esforço maior do aluno que precisa ter uma boa compreensão dessa língua para aprender os conteúdos. E essa compreensão só é possível através da língua de sinais.

Em suma, a interlocução em sinais é fundamental para a escolarização da criança surda, visto que a língua de sinais é o caminho natural pelo qual o surdo desenvolve seus processos mentais. E vale relembrar que o déficit lingüístico com que o aluno surdo geralmente chega à escola é muito significativo, visto que, em geral, nessa idade, a criança surda (filha de pais ouvintes) tem contato com a Libras apenas na escola.

A escola precisa então, estar preparada para atender ao aluno com os recursos didáticos necessários, e profissionais capacitados na área. Logo, o professor-intérprete de Libras torna-se peça-chave, sendo determinante sua atuação na construção do conhecimento do aluno surdo. Se o domínio da Língua de Sinais pelo surdo e a educação bilíngüe se mostram imprescindíveis, o papel do intérprete é, consequentemente, tão imprescindível quanto. Isso destaca a importância de uma formação adequada, visto que a relevância e complexidade do papel do intérprete exigem profissionais capacitados, competentes e possuidores de valores éticos, considerando que o que está em jogo é a formação integral do aluno.

Além disso, esse profissional deve estar apto a discernir significados, baseados no conhecimento da cultura surda e do contexto em que a mensagem a ser interpretada está inserida. Assim, mais do que um conhecedor da Língua de Sinais, conclui-se que o intérprete precisa ser um educador em potencial, que compreende a singularidade de seu papel e faz da mediação um ato educativo.

O trabalho do intérprete não consiste em traduzir conteúdos, mas torná-los compreensíveis para o aluno, e mantendo sempre a preocupação com o ensino correto da língua portuguesa formal. Pois de acordo com Fernandes (2005), "o intérprete é um agente que usa e atualiza dois sistemas distintos, com signos distintos objetivando representar conceitos". (p.23). Evidencia-se então, a importância de se examinar a prática pedagógica em relação ao aluno surdo, especialmente no que se refere ao uso da Libras na sala de aula, analisando o trabalho do intérprete, quanto à forma pela qual ele concebe seu papel de mediador na aprendizagem desse aluno, e também na interação (inclusive no planejamento) com o professor regente, a fim de proporcionar ao surdo um aprendizado eficaz.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise realizada nesse estudo aponta a educação bilíngüe como meio mais adequado para a aprendizagem do aluno surdo: a Libras, porque promove sua compreensão e possibilita o desenvolvimento cognitivo; e a língua portuguesa , por ser necessária ao seu convívio social, possibilitando a aquisição da escrita e da leitura, e de uma formação profissional.

A principal barreira enfrentada na educação do aluno surdo ainda é a falta de domínio da língua de sinais por parte desse aluno. O atraso na aquisição da linguagem representa um atraso de tempo irreparável na vida do surdo, impedindo seu desenvolvimento normal e gerando a defasagem cognitiva. Os autores bilíngües comprovam em suas pesquisas que a dificuldade na formação plena do surdo não é a surdez e seus problemas biológicos, mas o meio social em que se encontra inserido, o qual impede e/ou atrasa a apropriação de sua língua materna e conseqüentemente de sua cultura. A surdez não é um impedimento ao aprendizado, mas exige respeito a sua diferença, e a adoção de metodologias específicas para que o surdo possa se desenvolver cognitivamente, e conquistar sua autonomia para viver melhor em sociedade, exercendo seus direitos e deveres, objetivo maior da educação.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Decreto Nº. 5.626, de 22 de Dezembro de 2005. Brasília: Diário Oficial da República Federativa do Brasil, 2002. Net/2008, disponível em: <http://www.libras.org.br/leilibras.htm> Acesso em: 08 Out/2008, 15 hs.

______. Lei nº. 10.436, de 24 de abril de 2002 – Lei da Libras. Brasília: Diário Oficial da República Federativa do Brasil, 2002. Net/2008, disponível em: <http://www.libras.org.br/leilibras.htm> Acesso em: 30 jul/2008, 23 hs.

BRITO, Lucinda F. Integração social & educação de surdos. Rio de Janeiro: Babel, 1993.

FELIPE, T. A. (org). Introdução à gramática da Libras. Brasília: SEESP, 1997. Vol. IV (Série Atualidades Pedagógicas).

FERNANDES, Eulália (Org.). Surdez e Bilingüismo. Porto Alegre: Mediação, 2005.

KARNOPP, L. B. Aquisição Fonológica na Língua Brasileira de Sinais: estudo longitudinal de uma criança surda. Porto Alegre: Instituto de Letras e Artes – PUCRS, 1999.

QUADROS, R. M. Educação de surdos: a aquisição da linguagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

QUADROS, Ronice Muller; SCHMIEDT, Magali L. P. Idéias para ensinar português para alunos surdos. Brasília: MEC, SEESP, 2006.

RINALDI, Giuseppe. (org). A Educação dos Surdos. Brasília: MEC/SEESP, 1997. Vol. II (Série Atualidades Pedagógicas).

ROCHA, Solange. Histórico do INES. Informativo Técnico Científico do INES. Edição comemorativa, 140 anos. Belo Horizonte: Líttera, 1997.

VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993.



[1] Licenciada em Pedagogia pela Universidade Estadual de Goiás – UnU de Pires do Rio, e Especialista em Docência do Ensino Superior pela Faculdade Gama Filho-RJ.

[2] Mediação Semiótica é a teoria desenvolvida por Vygotsky, segundo a qual, o sujeito do conhecimento não tem acesso direto aos objetos, mas acesso mediado, operados pelos sistemas simbólicos de que dispõe, por isso a construção do conhecimento é uma interação mediada pelas relações sociais.

[3] Universais lingüísticos referem-se à teoria interacionista de que todas as línguas seriam produto de uma faculdade de linguagem específica e inata da espécie humana, assim todas as línguas possuem propriedades comuns que permitem ao homem a aquisição natural da modalidade de língua falada no ambiente que o rodeia nos primeiros anos de vida.

[4] De acordo com o Dicionário Eletrônico Aurélio, Input é aquilo que é absorvido; entrada.