LIBERDADE DE EXPRESSÃO ARTÍSTICA E DIREITOS AUTORAIS
Por Karla Giuliane Gomes Garcia | 28/11/2016 | DireitoKarla Giuliane Gomes Garcia
1 DESCRIÇÃO DO CASO
O caso proposto trata da situação de Roberto, escritor não muito conhecido, mas que após publicar um livro intitulado Cem anos de Companhia, em janeiro de 2013, conheceu a fama. A obra “escrita” por Roberto é uma cópia do livro Cem anos de Solidão, do famoso autor colombiano Gabriel García Márquez e com isso, Roberto foi acusado de cometer plágio. Para se defender desta acusação Roberto procura Borges, renomado advogado, na tentativa de provar que não copiou as ideias de outro autor e nem teve a intenção de enganar seus leitores, mas que simplesmente deu uma nova interpretação à obra já escrita, ao mudar somente o seu título.
O problema do caso envolve saber se Roberto cometeu plágio ou não, ao apenas mudar o título de uma obra já conhecida, mas mantendo o texto intacto – afirmando que apenas esta mudança de título já daria um novo significado a obra.
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IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO
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Descrição das decisões possíveis e argumentos capazes de fundamentar cada decisão
a) Roberto cometeu plágio
- A Constituição Federal Brasileia, em seu catálogo normativo de Direitos Fundamentais, art. 5º inciso XXVII diz que “aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras”. Com base neste dispositivo legal, fica claro que Roberto apropriou-se de algo que não era dele. Pertencendo apenas a Gabriel García Márquez ou seus herdeiros o direito de fazer a utilização da obra Cem Anos de Solidão.
- A Lei de Direitos Autorais em seu artigo 14 afirma que “é titular de direitos de autor quem adapta, traduz, arranja ou orquestra obra caída no domínio público”. Embora alguns afirmem que Roberto fez uma adaptação da obra, tornando-se assim titular de direitos de autor, Cem Anos de Solidão não caiu em domínio público, visto que Márquez ainda está vivo, apenas se aposentou; pertencendo assim, a sua obra ao domínio público somente oitenta anos após a sua morte (no Brasil 70 anos após a morte do autor).
- Roberto afirma que com a mudança de título, o livro ganha uma nova interpretação, ou seja, ocorre o fenômeno da intertextualidade. Contudo, Laurent Jenny afirma que para que ocorra este método deve haver “a soma dos textos...abrigar vários textos num só”. Assim, no livro Cem anos de Companhia há a mera transcrição de toda a obra de Gabriel García Marquéz e não de outros textos, ocorrendo desta forma, o plágio, que é considerado “um delito grave” por Jürgen Graf.
- Segundo Débora Diniz e Ana Terra Mejia Munhoz:
O plágio é uma apropriação indevida de criação literária, que viola o direito de reconhecimento do autor e a expectativa de ineditismo do leitor. Como regra, o plágio é uma infração ética que desrespeita a norma de atribuição de autoria na comunicação científica. Ele não deve ser entendido como um crime, exceto se houver direitos autorais envolvidos. (DINIZ; MUNHOZ. 2011)
Levando-se em conta, ainda, a Lei de Direitos Autorais art. 7º, as obras literárias – como Cem Anos de Solidão – são protegidas por direitos do autor e por isso Roberto pode ser acusado de plágio.
b) Roberto não cometeu plágio
- O plágio é caracterizado pela apropriação de ideias alheias como se fossem suas. No caso de Roberto, não houve a intenção de enganar os leitores, ou seja, não houve o dolo de fazer com que as palavras amplamente conhecidas de Márquez se tornassem suas ou parecessem ser suas.
- A revista Piauí traz um artigo sobre o embate judicial entre Katchadjian e Kodama (herdeira e viúva do escritor Borges), no qual Katchadjian adapta um livro de Borges, transcrevendo literalmente suas palavras e adicionando trechos novos. Na argumentação de defesa de Katchadjian – que também foi acusado de plágio – o advogado tenta provar que, na verdade, houve uma “experimentação literária”. Ou seja, não houve plágio, mas sim a utilização de um método literário vanguardista para a criação de textos. O mesmo pode ser aplicado ao caso de Roberto.
- Gérard Genette, teórico francês, afirma que a intertextualidade pode ocorrer de forma sutil ou então de forma explícita (com a transcrição literal de trechos de outro texto). Assim, Roberto fez a utilização do método da intertextualidade de forma mais explícita, mudando apenas o título da obra, dando desta forma, uma nova interpretação ao texto já publicado.
- Sebastián Hernaiz, um professor da Universidade de Buenos Aires, ainda menciona o quesito momento histórico – Cem Anos de Solidão foi publicado em 1967 e Cem Anos de Companhia foi publicado em 2013. Consequentemente, o fato de a obra de Roberto ter sido publicada num período distinto, faz com que seja um texto diferente.
- A Carta Magna Brasileira em seu artigo 5º inciso IX assegura que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Assim, o direito fundamental a liberdade de expressão artística de Roberto está sendo censurado, visto que a intertextualidade é um método reconhecido na criação de textos.
- Há diferença entre intertextualidade e plágio. Moema de Castro e Silva Olival termina seu artigo intitulado ‘Intertextualidade ou plágio? – considerações teórico-práticas’ da seguinte forma:
Se, como vimos na definição de plágio, há uma correlação entre o conceito de plágio e as correntes estéticas dominantes no momento, e se, no pós-modernismo, o princípio estético fundamental é o da liberdade criadora, transfiguradora, da perspectiva crítica num realce da negatividade para efeito questionador e renovador, então, hoje, é plágio aquilo que imita sem reorganizar, sem transformar, que imita por atitude de Xerox, por pobreza de proposta, por ausência de criatividade, por desconhecimento dos preceitos éticos e consequente desrespeito aos direitos de um autor. (OLIVAL, 2013)
Assim, o plágio é quando a pessoa desconsidera totalmente os direitos de autoria e não traz algo novo ao texto. Mas, como já comentado, Roberto traz uma nova interpretação a obra de Márquez, uma interpretação própria que advém da mudança de título da obra.
2.3 Descrição dos Critérios e Valores
Neste caso, há um confronto entre dois direitos consolidados no ordenamento jurídico brasileiro – a liberdade de expressão artística e os direitos autorais. De um lado os direitos autorais de Gabriel García Marquéz, autor de Cem Anos de Solidão e do outro lado a liberdade de expressão artística de Roberto, autor de Cem Anos de Companhia. Entram em choque os incisos IX e XXVII do artigo 5º da Constituição Federal, sendo necessária, segundo a teoria de Robert Alexy, uma ponderação para determinar neste caso concreto, qual dos dois princípios prevalece, com base na argumentação para ambos os lados.
Para a solução do caso é necessário entender a diferença de plágio e do método vanguardista conhecido como intertextualidade, a fim de compreender se a obra Cem Anos de Companhia de Roberto se encaixa neste método literário ou se recai em plágio, por manter a obra de Márquez intacta, mudando apenas seu título.
Referências Bibliográficas
CHACOFF, Alejandro. A viúva e a vanguarda. Revista Piauí. Ed. 78, mar. 2012.
DINIZ, Débora; MUNHOZ, Ana Terra Mejia. Cópia e Pastiche: plágio na comunicação científica. Disponível em: <http://repositório. unb.br/bitstream/10482/10072/1/ARTIGO_CopiaPastichePlagio.pdf>. Acesso em: 6 out. 2013.
Domínio Público. Disponível em: <pt.wikipedia.org>. Acesso em: 6 out. 2013.
GRAF, Jürgen. A literatura nas fronteiras do copyright. Disponível em: <http://www.goethe.de/wis/bib/prj/hmb/the/154/pt6571975.htm>. Acesso em: 6 out. 2013.
LEI Nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Disponível em: <planalto.gov.br>. Acesso em: 6 out. de 2013.
MÁRQUEZ, Gabriel García. Cem Anos de Solidão. Rio de Janeiro: Record, 2003.
OLIVAL, Moema de Castro e Silva. Intertextualidade ou plágio? – considerações teórico-práticas. Disponível em: <revistas.ufg.br>. Acesso em: 7 out. 2013.
Vade Mecum universitário RT/ [Equipe RT]. – 5. Ed. revista, ampliada e atualizada. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.