Lia

No ano de 1974, o inverno foi rigoroso, no Sertão do estado da Paraíba. As chuvas eram frequentes e intensas. Muitos agricultores perderam seus legumes, que foram inundados; estradas da zona rural foram interditadas e até mesmo a zona urbana teve seus problemas com as inundações. Aquele foi um ano histórico para os sertanejos. Um ano em que não faltaram chuvas e elas foram distribuídas em pouquíssimos espaços  de tempo. Dizem os mais velhos, que o ano que termina com o número quatro tem um inverno intenso.

Em uma noite do mês de Março daquele ano, Antônio Emídio e sua esposa, Antônia, estavam dormindo, quando foram acordados com a voz aflita de um homem, que dizia:

_Dona Tonha, dona Tonha, acuda-me!

Eram onze horas da noite. Tinha acabado de passar pelo Sítio São Diogo, uma enorme chuva, com fortes relâmpagos e trovões. Os sapos berravam nos açudes, que estavam transbordando. Ouvia-se o barulho nos córregos, e as galinhas estavam inquietas em seus poleiros, o resto era silêncio, mas o homem continuava chamando:

_Dona Tonha, acuda-me, pelo amor de Deus!

Antônia levantou-se da cama às pressas e abriu a porta. Era Gerson, um empregado de Antônio Emídio. Ele morava e trabalhava nas terras do marido de Antônia.

_O que aconteceu Gerson, que aflição é essa? Perguntou a dona da casa.

É  Lia, Dona Tonha. Ela ta sentindo as dores, a criança vai nascer. Eu vim buscar a senhora para fazer o parto.

O pobre homem estava ofegante. Era distante de onde ele morava para a casa de Antônio Emídio. Antônia ainda com sono, foi no quarto, apanhou sua manta e uma lamparina e foi com Gerson, socorrer Lia.

No caminho, Gerson segurava o braço de Antônia, para que ela não caísse nas grotas. A estrada estava repleta d’água e também de lama. O escuro era imenso, entretanto, a lamparina auxiliava os dois. Além de tudo isso, o frio atrapalhava a caminhada deles.

_Perdoe-me Dona Tonha, por tirar a senhora do seu conforto, nessa noite tão terrível, mas não encontrei outra saída.

_Não se preocupe meu filho, eu estou bem.

_A senhora é um anjo, Deus há de lhe pagar.

_Amém, meu filho. Respondeu a mulher, olhando  para o chão atenciosamente, para não cair.

Eles queriam andar depressa, no entanto, era impossível, tinham que ter cuidado para não cair. Houve um momento que a lamparina apagou, por sorte, Gerson trazia um fósforo no bolso e reacendeu a lamparina de Antônia.

Quando chegaram à casa de Gerson, Antônia foi bem objetiva e depressa, esquentou uma bacia d’água e começou a trabalhar no parto de Lia.

Aquela era a terceira gravidez de Lia, os outros partos também tinham sido realizados pela mulher de Antônio Emídio, que já nem sabia quantos partos havia feito no São Diogo.

Lia e Gerson, eram ajudados por ela, que doava roupas e calçados para aquela família.

_Vamos Lia, tenha força e coragem!

_Ajude-me, Dona Tonha!

_Tenha calma minha filha, lute para seu filho vir ao mundo!

Gerson estava na sala, impaciente e fumando bastante. Já as crianças, uma delas de quatro e outra de seis anos de idade, estavam dormindo. Eles moravam numa pequena casinha, com apenas três cômodos, uma sala, onde as crianças dormiam nas suas redinhas, um quarto, que era o de Lia e Gerson e uma cozinha.

Tinha começado a chover novamente, e acriança ainda não tinha nascido. Em meio ao medo dos fortes relâmpagos e do assustador barulho dos trovões, Antônia rezava para trazer ao mundo mais uma criaturinha.

_Nessas horas uma tempestade atrapalha muito. Dizia ela para a mulher, que parecia nem ouvir de tanto sofrimento.

Mas antes daquela tempestade chegar ao fim, Antônia conseguiu realizar com sucesso mais um parto.

_É uma bela menina. Disse a mulher de Antônio Emídio, muito feliz.

_Francisca, minha Francisca. Disse Lia.

_É um belíssimo nome. Afirmou Antônia.

Lia segurou com emoção a filha e depois agradeceu muito a Antônia.

Francisca era uma criança linda e saudável, por isso, a alegria foi enorme naquela casa.

_É bem nutrida. Disse a parteira.

_Graças a Deus. Respondeu a mãe.

_Agora vou fazer um caldo para você, minha filha. E fique tranquila, a tempestade passou.

_Muito obrigada por tudo, Dona Tonha. A senhora é como uma mãe para mim.

Antônia dirigiu-se até a cozinha e nesse momento, Gerson foi conhecer a filha. A mulher de Antônio Emídio pôde sentir a calma e a alegria dos corações de Lia e do marido. Aquela noite, que começou com uma forte chuva e com as dores do parto de Lia, tinha acabado em paz. Todos estavam felizes. Antônia sentiu-se útil. Ajudar o ser humano é muito bom.

O sol já raiava, quando Gerson foi deixá-la em casa, entretanto ainda fazia frio.

_É um ano chuvoso, meu filho.

É sim, Dona Tonha.

Ao chegar à sua casa, a gentil mulher convidou o marido de Lia para tomar um café, mas ele não aceitou, pois queria voltar rápido para sua casa, para sua família. Ele agradeceu-lhe por tudo e disse que jamais esqueceria seu gesto de solidariedade e amor para com eles.

Antônia ficou sentada no peitoril do seu alpendre, contemplando a natureza que era exuberante ao seu redor e refletindo sobre a vida. Ela chegou à seguinte conclusão:

Assim como as fortes tempestades, os problemas da vida passam.

Maria do Socorro Abrantes Sarmento