OLIVEIRA, Ana Maraiza de Morais

RESUMO

A corriqueira e reproduzida atitude da população brasileira em abandonar animais de estimação com maior frequência, em especial cães e gatos, além de ferir um direito animal universal de respeito. O ato de abandonaré cruel e degradante, segundo o artigo 60 da declaração dos direitos universal dos animais, proclamada em uma assembleia da UNESCO, em Bruxelas, Bélgica, em 21/01/1978.Contudo, é comum ver cães doentes nas praças, nos mercados e perambulandonas ruas das cidades sem destino, ocupando um território em uma determinada rua, geralmente próximo a um restaurante, depósito de lixo e mercado público, procurando restos de alimentos para sobreviver, e mesmo assim vivem debilitados e com o sistema imune fragilizado por motivos da má ou falta de alimentação e falta de acompanhamentos veterinários e de programas governamentais que não se aplicam com eficiência. Esse artigo visa revisar o histórico das legislações promovidas até os dias atuais, leis federal, emunicipal (de pendências/RN), sobre os cuidados, responsabilidades e deveres dos cidadãos no cuidado com animais domésticos e domesticados, em especial os cães e gatos errantes.

INTRODUÇÃO

Ao discutir sobre a “textura aberta” da linguagem e o conceito jurídico de animal, o advogado LOURENÇO explana de forma consistente as formas de conceito empírico e jurídico dispensado sobre os humanos e os não-humanos, o mesmo evidencia que quando nos referimos à palavra animal nos remetemos a animais de estimação, silvestre ou selvagem, nesse caso ele nos faz imaginar o processo de hierarquização do “reino”[1] em que o ser humano é detentor dos direitos. Outra menção, nessa discussão, foi a da suprema corte de Minnesota em 1856 na qual considerava animalsomente “aqueles animais que possuíssem valorização econômica, tal como cavalos, vacas e bois”. LOURENÇO se esforça em exprimir a forma discriminatória do termo animal[2] em dissociação ao animal humano, ou ser humano do não-humano, que como é citado pelo mesmo não está no rol da fauna, cabendo esse título aos não humanos, esse, sim, é taxado como coisa, objeto de direito, de propriedade.

“Entretanto, continua, até os dias de hoje, a serviço da exclusão dos animais não humanos do rol de autênticos sujeitos de direito, conduzindo a uma equivocada polarização e diferenciação entre humanos e não humanos”.(LOURENÇO, Daniel Braga. A “textura aberta” da linguagem e o conceito jurídico de animal).

 

Os maus-tratos de animais, a subjugação sofrida pelo homem e a falta de respeito exercida sobre os “animais” é histórica e adotado como algo comum e corriqueiro em todo mundo, e isso também endossado pela religião com seus ritos “sagrados” que leva a sacrificar carneiros, galinhas e outros muitos em grande quantidade. Levai entende que a violência contra animais é concebida e que há um histórico relevante no qual o homem se agarrando aos seus ídolos e religião assegurava a legitimidade da violência.

“Depois, quando o homem se curvou aos deuses do Olímpio eaos santos das escrituras, a concepção de mundo tornou-se mítica, relacionando criador e criatura à guisa de imagem esemelhança, respectivamente, de modo a sacramentar a hegemonia de nossa espécie em detrimento a outra. A era das conquistas territoriais e das grandes navegações permitiu aos países colonialistas não apenas a subjugação dos povos vencidos, mas a matança de animais indiscriminada visando o lucro e seu aprisionamento para servir a cortejos exóticos, circos e zoológicos.”(LEVAI, Laerte Fernando. Crueldade consentida: a violência humana contra os animaise o papel do ministério público no combate à tortura constitucionalizada).

Ainda segundo LEVAI o animal é considerado pelo “direito civil coisa ou semovente; no direito penal, objeto material; no direito ecológico, bem ambiental de uso comum do povo”. Nesse caso os “animais” perdem a identidade do ser, do sentir, do ter alguma ou qualquer dignidade em sua existência, nessa visão eles passam a ser explorados pelo homem em razão do lucro, do entretenimento (também gerador da renda monetária), e quando qualquer animal não tem valor comercial esse é deixado de lado, esquecido na porta de casa. Está claro que o ser humano depende de leis efetivas para ensiná-lo, puni-lo e “humaniza-lo”, se é que se pode falar assim.Nasobrigações com o meio o homem está inserido e se relaciona, no modo como ele deve se comportar, e tratar a fauna[3], pois se um animal só é “respeitado” ou digno de seu cuidado se esse lhe serve de ganho, salvo algum animal que tenha valor sentimental como é o caso do “animal de estimação”, o ser humano não se reconhece como fazendo parte do meio em que esses animais se socializam, é ele, então, o mais indigno para compor esse meio.

Ao discutir o termo “posse” LANGONI, et al, reconhece que esse é um termo que se dá a coisa, em suas palavras:

“Entretanto, “posse” é termo que se usa para coisas, e não para animais, razão pela qual se adota o termo “guarda responsável”, pois de um animal detém-se a guarda e não a posse. Por outro lado, legalmente ainda persiste a conotação de bem semovente”.

Segundo MARTINS, advogada ambientalista, em 1822 na Grã-Bretanha, foi promulgada a primeira lei para a proteção dos animais;na Inglaterra, a partir de 1849 foi criada a primeira lei de proteção ao animal domestico; na Itália em 1913 regulamenta a lei de proteção animal, dispondo sobre crueldade, trabalho excessivo, tortura experimento científico, animais de carga, caça de aves migratórias, e maus-tratos, não serão listados todos os países que nos séculos passados criaram suas leis e sua ordem cronológica, porém, esses listados ilustram a progressão evolutiva das leis de proteção animal que é sem dúvida um marco na história da humanidade, pode se dizer, então que o homem é se torna mais “humano”, sensível e vê se relacionando com igualdade de direitos com o meio no qual está inserido. 

SANTANA, et al, relata o histórico das leis no Brasil em 1916 em que explica:

“Até passado não tão remoto, dado que pode ser facilmente observável nas disposições do já vetusto e anacrônico, para a sua época, Código Civil de 1016, que, neste particular, foram infelizmente repetidas pelo vigente Codex Civil, o direito “positivo brasileiro os consideravam como coisa fungível e semovente nas hipóteses de animais que possuíam um “proprietário” e, no caso daqueles que não possuíam, res nullius, ou seja, coisa de ninguém, passível de ser apropriada por quem quer que fosse, podendo essa pessoa fazer o que quisesse com o “objeto” apropriado.”

Como examina LEVAI, o “decreto feral 24.645/34 tornou-se contravenção penal (art. 64da LPC) e, depois crime ambiental (art. 32 da lei 9.605/98), ganhando respaldo constitucional em nossa atual carta política (art. 225§ 10, VII)”. As leis em nosso país têm dado interesse a essa questãoque é, sim, de interesse humano, afinal o próprio homem foi e ainda é oprimido pelo seu semelhante quanto não oprimiria os animaisnão-humanos, esses dotados sentimentos, como já mencionado antes,  elessentem dor, frio, calor, sede, fome, raiva, alegria, tristeza, e por qual motivo temos essa imaginação ingênua e cruel de que “são animais irracionais?” E que não há mais nenhuma necessidade desde que se dê água e alimento, e quando isso é feito já é um bem imenso considerando a cultura arraigada e de disseminação continuada de desprezo. Na declaração universal dos direitos dos animais, evento que se realizou em Bruxelas na Bélgica, em 27/01/1978 expressa no “art. 20 que cada animal tem direito ao respeito. O homem, quanto espécie animal, não pode atribuir-se o direito de exterminar outros animais ou explorá-los, violando esse direito. Ele tem o dever de colocar sua consciência a serviço de outros animais. Cada animal tem o direito à consideração e à proteção do homem”. [...]