LEI DEVE OBRIGAR  VICE A DAR CONTINUIDADE AO PROGRAMA APROVADO NAS URNAS

(por Eduardo Fabbri, jornalista e professor)

O impeachment da presidente Dilma ocorreu no dia 31 de agosto de 2016, um fato que, certamente, entrará na história do Brasil como um grande golpe civil. E explico por quê.  Pouco mais de um mês depois de ter assumido definitivamente a presidência, em um discurso feito para empresários em Nova York,  Michel Temer admitiu publicamente que o verdadeiro motivo do “impeachment”  foi para que seu partido, o PMDB,  implementasse um plano de governo totalmente diferente daquele  aprovado nas urnas. "Sugerimos ao governo que adotasse as teses que apontávamos naquele documento chamado Ponte para o Futuro. E, como isso não deu certo, não houve adoção, instaurou-se um processo que culminou agora com a minha efetivação na presidência da República",  disse Temer a dezenas de empresários. Além disso, ele e seus aliados queriam frear a Lava-Jato, com emendas à constituição para anistiar os crimes de Caixa 2 e lavagem de dinheiro. Emenda que ainda está em discussão no Congresso.

Para não ser considerado golpe, o então vice que se instalou no poder deveria dar continuidade às políticas defendidas pela chapa vencedora em 2014. Apenas para relembrar,  nas eleições ocorridas em 2014, quando Dilma se reelegeu após grande aprovação popular ao final de seu primeiro mandato,  duas concepções distintas  de programas se confrontavam: a de Aécio Neves, que defendia as privatizações, o neoliberalismo praticado na era de FHC. Já, a proposta vencedora nas urnas propunha exatamente o contrário: a continuidade de políticas de cunho social, com desenvolvimento baseado na redistribuição de renda, ou seja, programas como o Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, financiamento à educação, entre outros.

Se Temer tivesse agido assim, dado continuidade ao programa vencedor,  ele e seu grupo talvez tivessem conseguido se safar da acusação de golpe. Como retomou a “privataria tucana”, não há nenhum erro em considerá-lo um golpista. Para conseguir isso, as forças derrotadas no pleito de 2014 se articularam coma grande mídia, com a esmagadora maioria dos parlamentares conservadores no Congresso Nacional  e com diversos órgãos do judiciário. Foi assim que conseguiram se apropriar, de forma ilegítima, do Planalto, para poder interromper o programa eleito democraticamente e implantar suas propostas, condenadas nas urnas por grande maioria de eleitores.Na verdade, o programa  “Ponte para o futuro” tem como referência o Fórum de Davos, realizado em 1971, que  defendea aplicação de políticas neoliberais.

Além disso,  em matéria de assumir a presidência sem vencer eleições, o PMDB já se tornou expert no assunto. Em seus 50 anos de existência, o partido assumiu o cargo, a partir de seu vice, pela terceira vez em pouco mais de 30 anos. O primeiro  vice do partido a assumir o cargo foi José Sarney, 1985, com a morte de Tancredo Neves, também peemedebista.Sarney, porém, não era do PMDB e só filiou depois, por conveniência política. Ele pertencia ao PDS (antiga Arena, partido que sustentava os militares).

O segundo vice peemedebista que se tornou presidente foi Itamar Franco, que assumiu no lugar de Collor, devido a sua  grande queda de popularidade. Itamar pertencia ao PRN, junto com Collor, mas filiou-se ao PMDB.  Assumiu definitivamente a presidência após a conclusão do processo de impeachment  contra Collor, em dezembro de 1992.

Com o segundo impeachment  do período presidencialista, o de Dilma, o partido conseguiu emplacar Temer, seu terceiro vice a se tornar presidente da República, sob a alegação de que a petista praticara crime de responsabilidade por “pedaladas fiscais”. No entanto, até hoje as opiniões dos juristas se dividem se houve mesmo tal crime.

Agora, mesmo com um crime de responsabilidade comprovado, Temer continua na presidência. Como explicar que sua participação direta num caso que envolve negócios particulares do ex-ministro Geddel Vieira de Lima não representa tráfico de influência, um crime de concussão, devido ao cargo que ocupa?

Como vimos, tem sido comum um vice assumir a presidência e, ao assumirem, terem mudado um pouco ou radicalmente os programas vencedores nas urnas. Seria oportuno perguntar: não estaria na hora de criar uma lei que obrigasse o vice que viesse a ocupar o cargo de presidente, seja por que motivo for, a dar continuidade ao programa eleito pelo voto popular?