LEI 12.760/2012 – NOVA LEI SECA

Por Camilla Pires | 06/09/2016 | Direito

Resumo:

O presente trabalho tem por escopo frisar a relevância do bafômetro na lei nº 12.760/12 do Código de Trânsito Brasileiro, a produção de prova de embriaguez e o direito à não autoincriminação. A Interpretação histórica das normas de trânsito e estatísticas de mortes no trânsito no Brasil. Desnecessidade de colaboração do acusado na produção de prova de embriaguez, outros meios de prova e a autoaplicabilidade da norma. A pesquisa basear-se-á no o Código Penal, Código de Processo Penal, na Constituição Federal e nas jurisprudências atuais do STF e STJ. 

INTRODUÇÃO

Podemos dizer que, o princípio da inexigibilidade de autoincriminação ou Nemo tenetur se detegere (também denominado de princípio da “autodefesa pelos Tribunais),assegura que ninguém pode ser compelido a produzir prova contra si mesmo, procurou mobilizar o poder da razão, a fim de reformar a sociedade e o conhecimento prévio, em contraposição às medidas coercitivas da produção de provas, então vigentes nos sistemas inquisitoriais.

Dentro de uma perspectiva de intolerância para com a embriaguez ao volante esse princípio adquiriu notável relevo com recentes alterações sofridas pelo Código de Trânsito Brasileiro.

As leis nº11.275/06 e 11.705/08 já haviam iniciado o endurecimento no trato com o condutor embriagado, já que qualquer concentração de álcool por litro de sangue sujeita o indivíduo às medidas administrativas contempladas no art.165 do código, caracterizando infração gravíssima, com aplicação de multa, suspensão do direito de dirigir por doze meses, além da apreensão do veículo até a apresentação de condutor habilitado, sem prejuízo do recolhimento da CNH (carteira nacional de habilitação).

Com a entrada em vigor da Lei 12.760/12, a seara administrativa, tornou-se ainda maior, pois elevou de cinco para dez vezes a multa prevista para infração, além de criar a previsão de sua aplicação em dobro na hipótese de reincidência no período de doze meses.

No âmbito criminal as alterações sofridas pelo Código de Trânsito Brasileiro foram ainda mais significativas. A combinação entre substâncias psicoativas (dentre elas, o álcool) e a direção caracteriza o crime previsto no art. 306 do Código. A redação original do dispositivo penal trazia a conduta de “conduzir sob influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem”. Com intuito de recrudescer a punição, o legislador criou o limite objetivo para a substância psicoativa e tornou desnecessária a exposição de perigo. Assim, a partir da Lei nº 11.705/2008, conduzir estando com 6 (seis) ou mais decigramas de álcool por litro de sangue ou sob influênciade qualquer outra substância psicoativa que determinasse dependência, era crime, com pena de detenção de seis meses a três anos.

Assim, a alteração promovida no ano de 2008 deu lugar a diversas polêmicas e, na prática, gerou dificuldades de aplicação. A redação dada ao art.306 do CTB criava a necessidade de realização do teste com o etilômetro (popularmente conhecido como “bafômetro”) ou o exame de sangue para aferição da concentração da substância psicoativa no sangue do condutor. O STJ, julgando a matéria, entendeu ser inviável constatar-se a concentração de 6 (seis) decigramas através da prova testemunhal ou de outros meios, dado o caráter objetivo da então elementar do tipo penal.

A Lei 12.760/12, mais uma vez, trouxe algumas alteraçõesao artigo 306 do CTB, onde dividiu as maneiras de se comprovar a alteração da capacidade psicomotora em dois incisos autônomos. O inciso I, afirma que, a prova poderá ser produzida por meio de exame toxicológico de sangue e/ou exame de etilômetro com previsão de concentrações igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; já no inciso II, casos o resultado dos exames (inciso I) forem negativos, com base no direito à não – autoincriminação, a prova pode ser feita pela constatação de sinais que indiquem a alteração da capacidade psicomotora, na forma disciplinada pelo Contran.

Cabe observar aqui que, simplesmente negação do infrator em fazer o teste, ou submeter-se a outros exames para constatação do seu estado de embriaguez ou uso de outra substância psicoativa que determine dependência, cabe questionamento de ordem legal e judicial, uma vez que ninguém é obrigado a produzir prova contra si para ser penalizado perante a lei, sobre infração eventualmente cometida, conforme depreende-se do art. 5º, inc. II, da Constituição Federal, do que pode-se inferir eu tal dispositivo é inconstitucional, uma vez que contraria o disposto na nossa Carta Magna.

Assim, o presente trabalho abordará uma análise moderna doutrináriae jurisprudencial sobre o tema, ondeserá formulado métodos para que se resolva os possíveis conflitos de constitucionalidade com relação a “Nova Lei Seca”. 

1. “LEI SECA”

 

1.1. HISTÓRICO DA MODIFICAÇÃO DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO

Seria impossível imaginar, há alguns séculos, uma legislação de trânsito, nos moldes como foi lançado o nosso Código de Trânsito (Lei n.9.503/97), a ponto que não processe inoportuna invasão do Estado na esfera privada do cidadão. Hoje, contudo, reclamou proteção o interesse da coletividade e, promulgado o Código, este decretou: “O trânsito, em condições seguras, é um direito de todos” (art. 1º, §2º).[1]

Antes da vigência do Código de Trânsito Brasileiro - CTB, as normas delegislação de trânsito eram regidas pela lei 5.108 de 21 de setembro de 1966, a qualinstituía o Código Nacional de Trânsito - CNT, com o seu disposto regulamentadopelo decreto 62.127 de 16 de janeiro de 1968, e, no que pertine à matéria deembriaguez na direção, o CNT não especificava como crime esta conduta, sendoaplicada as regras do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941(lei dascontravenções penais), com ressonância no seu art.34 (direção perigosa).[2]

O legislador erigiu à categoria de crime a conduta que anteriormente caracterizava como simples contravenção penal de direção perigosa (LCP, art. 34). Assim o fez, ante as notícias de que mais de 70% dos acidentes de trânsito se davam em razão da ingestão de bebidas alcoólicas ou de outras substâncias inebriantes.[3]

Deixou, então, de aplicar aos crimes de trânsito as figuras do Código Penal e da Lei das Contravenções Penais (arts.121, §3º, 129, §6º, do CP; arts. 32 e 34, da LCP).

Em 2006, acrescentou-se mais um inciso ao art.302, parágrafo único, do CTB (homicídio culposo de trânsito), com a inserção de nova causa de aumento de pena para os casos em que estiver o agente sob influência do álcool ou drogas (Lei n. 11.275/06). Ocorre que essa causa de aumento de pena teve pouco tempo de vigência, pois foi revogada pela lei seca, em 20 de junho de 2008 (Lei 11.705).

A Lei 11.275/06, também trouxe inovações quanto aos testes de alcoolemia e das providências a serem adotadas caso o condutor se recusasse aos exames, com mudança no art.277 do CTB.

Novas mudanças vieram em 2008, com a Lei 11.705/08, denominada “lei seca”, que estabeleceu a tolerância zero ao uso de álcool ao volante, com a previsão de infração administrativa de graves consequências para o condutor que for surpreendido com qualquer dosagem de álcool no sangue, por mínima que seja.

O art.306 do CTB sofreu inúmeras mudanças, com a exigência de concentração de pelo menos 6 decigramas de álcool, por litro de sangue, para que o crime de embriaguez ao volante se perfaça. Passou a ser crime de perigo abstrato, dispensada a exigência de perigo concreto de dano.

O inciso V do parágrafo único do art.302, acrescentado pela Lei n. 11.275, de 7 de fevereiro de 2006, foi suprimidopela nova Lei n. 11.705, de 19 de junho de 2008. Previa o mencionadodispositivo legal uma causa especial de aumento de pena incidentesobre o crime de homicídio culposo (e lesão corporal culposa) na hipóteseem que o agente estivesse sob a influência de álcool ou substância tóxicaou entorpecente de efeitos análogos.[4]

A nova lei alterou o art.276 do CTB, dando-lhe a seguinte redação: “Qualquer concentração de álcool por litro de ar alveolar sujeita o condutor às penalidades previstas no art.165”. Portanto, incluiu também na nova redação a expressão por litro de ar alveolar, o que é medido pelo aparelho etilômetro (bafômetro). E, no parágrafo único desse artigo, estabeleceu que “o Contran disciplinará as margens de tolerância quando a infração for apurada por meio de aparelho de mediação, observada a legislação metrológica”.

Essa margem de tolerância feita por aparelho de mediação, que no caso é o etilômetro (bafômetro), passou a ser disciplinada e regulamentada pela Res. 432/2013 do COTRAN, que entrou em vigor em 29.01.2013, para dispor sobre os procedimentos a serem adotados pela autoridade de trânsito e seus agentes na fiscalização do consumo de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência, para fins de aplicação dos artigos 165,276, 277 e 306 da Lei nº 9.503/97 (CTB), em virtude das alterações feitas pela nova Lei 12.760/12.

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