LAMPIÃO CHEGOU COM SUA TROPA 

CRÔNICAS: SOBRAL – A CIDADE PRINCESA

CAUSO DE NÚMERO 34

Era dia de festejos da padroeira da cidade. A igreja estava linda. Um mês antes, os preparativos começaram para receber os fiéis e devotos da santa. Igreja pintada, pisos consertados, pintura interna e externa pronta. Nos arredores da igreja; a praçinha tinha recebido plantas e ornamentação especial para o grande dia.  A igreja ornamentada de tulipas brancas, o Altar-Mor com toalhas azuis fazia semelhança à vestimenta de Nossa Senhora.  O sentimento religioso de Nossa Senhora da Conceição, padroeira de Sobral e de São José da Mutuca também faz parte da fé de seu povo. Embora Lampião; o rei do cangaço fosse devoto do Padim Padre Cícero.

Chega o grande dia. O padre começa a homilia com a ladainha; mulheres com um manto branco na cabeça faziam a peregrinação e acompanhava o canto bem afinado. Uma multidão tomava conta do povoado de São José da Mutuca, distrito da heráldica cidade princesa – Sobral. Vinha gente de todo canto. Os filhos que moravam fora, vinham visitar a cidade e aproveitar os festejos do povoado.

Era década de 40, Lampião andava com seu bando nas regiões e agreste do Nordeste. Visitava as cidades e vez por outra aparecia no Ceará para pedir benção e proteção a seu Padim Padre Cícero. Tinha muita devoção e admiração pelo religioso. Às vezes seguia até seus conselhos e dizem os historiadores que o Padim Padre Cícero o pedira para abandonar o cangaço. Mas, não tinha jeito, as tropas do Governo estava à procura do rei do cangaço e sua tropa.

E, aqui entra o causo na história do Lampião de Sobral. Naquela época existia um grande comerciante, bem sucedido na região, nascido em Santo Antônio do Aracatiaçu, distrito de Sobral, e veio para cá, se instalou no centro da cidade, negociou muito tempo, criou sua família, que por sinal era de nobreza. Homem bom, de caráter, bem sucedido; Francisco Anastácio Cavalcante, apelidado de “Chico Lampião” contraiu matrimônio com Dona Cotinha, sua esposa que era das bandas de São José da Mutuca, também distrito de Sobral.

Os tempos se passaram, e na Rua Maria Tomásia, nome dado a grande abolicionista cearense, que libertou muitos escravos com o amigo José do Patrocínio, mesmo antes da carta outorgada por Princesa Isabel. Na história do Ceará, os escravos já eram libertados, e Redenção uma cidade da região ficou reconhecida; outras também foram palco de muitas lutas, conflitos e libertação dos escravos. Livros de grandes escritores  e historiadores cearenses, a exemplo de Domingos Olímpio, Francisco Sadoc de Araújo, Clóvis Beviláqua, Francisco Antônio Cavalcante (Padre Tula) e outros repaginam nossa história. 

Voltemos ao causo.  Aqui explico a Rua Maria Tomásia, porque foi um mártir de nossa história, como a história de Lampião, o rei do cangaço.  “Um povo sem história é um livro sem  letras.” Nessa época na rua, morava Manoel Sena, que alugava mulas, cavalos machador para as viagens pela redondeza da região do semi-árido. Aluguel de carro, ainda era precário por aqui.

Então o Chico Lampião, com alguns amigos, resolveu alugar as mulas e cavalos para os festejos de Nossa Senhora da Conceição que estava em festa no distrito de São José do Patriarca. Foram na casa de Manoel Sena e fizeram o pagamento antecipado. No dia marcado, receberam as mulas, todas seladas para o grande festejo. Apearam na mula, levaram suas cabaças d’água,  algumas oferendas para Nossa Senhora e seguiram seu destino.

Desde que, ao se aproximarem do povoado, uma má notícia se espalhou por toda parte que Lampião estava chegando para a festa com seu bando. Um mentiroso se fez com o dito anúncio.

- Lampião está chegando com sua tropa! - Eu vi com os capangas vindos para cá montados a cavalo e mulas. - São mais de trinta.

Outro morador da região avisou e deu a má notícia.  Correu pelos arredores do povoado. Logo, todos estavam sabendo que Lampião estava prestes a chegar para os festejos. A multidão, num alvoroço, agonia, corredeira se espalharam por toda a comunidade. Na igreja, foram interrompidos os festejos. O padre sumiu. Moradores trancaram-se em suas residências, outros tomaram rumos ignorados, rumo à localidade de Remédios, Tuína, São Bento, Caioca. Alguns se armaram com sua espingarda socadeira, foice, facão, para se proteger do dito cujo.

Ao final, tudo se passava de um mal entendido entre o Chico Lampião de Sobral, que foi assistir e prestigiar os festejos de Nossa Senhora da Conceição com os amigos e a figura do destemido nordestino Virgulino Lampião. (História do cangaço).

 

 

NOTA:

- Fato (Causo) contado nas calçadas de Sobral por Raimundo Cavalcante Lampião, um dos filhos legítimos de Francisco Anastácio Lampião (O Chico Lampião). Um grande e honrado comerciante da cidade.   

A cidade de Sobral fica na região Noroeste do Estado do Ceará, a 235 km da capital cearense. Ficou reconhecida mundialmente pelo fato histórico e comprovação da “Lei da Relatividade” do físico alemão Einstein.

 

*José Wilamy Carneiro é poeta, escritor, historiador, memorialista e cronista. Professor e autor dos Livros: “Os Estados Unidos de Sobral”. Do livro poético “Tempo de Sol” – Tudo se pode Sonhar, e autor do Livro “Um Passo a Mais” – Crônicas de minha cidade.