Lamentável Equívoco

Por Maria Cristina Galvão de Moura Lacerda | 11/09/2006 | Contos

Década de 50, época em que poucas mulheres tinham algum diploma, o máximo que a maioria fazia, era ser professora primária, contudo Guiomar era advogada.

Dotada de uma estranha beleza, não se importava com o que a sociedade pensava, tanto que não se preocupou com o fato de estar "ficando para tia".

Amores? Não os teve, até o dia em que conheceu o Kiko, ou seja, o Francisco.

Havia um porém, ele era casado com Rosa e pai de dois filhos.

Paixão avassaladora.

Porém, Kiko, dizia que não podia deixar Rosa, pois ela, dona de casa e mãe exemplar, não suportaria viver sem ele.

Ele a descrevia como sendo uma pessoa frágil, muito recatada e dependente.

Tinha também os meninos, que estavam em fase de crescimento e a ausência da figura paterna poderia trazer danos irreparáveis.

Kiko, contador de uma fábrica, era um pobre assalariado e não raras foram as vezes nas quais Guiomar completou o salário dele, visto que o mesmo deixava de fazer horas extras para estar com ela. Porém, Guiomar, amava e amava tanto que contentava-se em ser a outra, aquela que fica sozinha no Natal e em todas as datas que são comemoradas com a família.

Bem no fundo, pensava que um dia, os filhos haveriam de crescer e então Kiko, com sua ajuda, daria um bom pé de meia para que Rosa pudesse viver tranqüila e eles seriam felizes.

O caso entre ambos já havia se tornado público e notório, pois, Guiomar, fazia questão de mostrá-lo a todos, o que era um verdadeiro escândalo.

Os amigos mais íntimos aconselhavam que ela deveria ao menos ser mais discreta, porque isso poderia acabar mal, contudo, ela, não lhes dava ouvidos e apenas ria.

Dera-lhe um carro e uma grande preocupação a Kiko, pois não sabia como explicar que, com seu salário de contador, poderia ter um bem daquela importância. E foi motivo de falatório realmente. Mas, com o tempo, não se preocupou com o que os outros iriam falar e passou a aceitar, sem a menor cerimônia, os mimos que Guiomar dava. Em épocas como Natal, aniversário e etc., ela perguntava a Kiko o que os filhos e Rosa gostariam de ganhar de presente e comprava para que ele os presenteasse. Iam desde bicicleta e televisão e diga-se de passagem, causou um verdadeiro furor, por uma das primeiras no bairro em que residiam.

Rosa, certa noite, habituada aos serões de Kiko, deitou-se, sem se preocupar que ele não tinha chegado e foi acordada na calada da noite pela polícia avisando que Kiko estava morto; levara um tiro à queima-roupa, em um bairro não muito distante de sua casa.

Guiomar, justamente naquela noite, tinha ido, contragosto, à formatura da afilhada, motivo pelo não haviam se encontrado e quando um amigo em comum, contou-lhe o ocorrido, ela desmaiou.

Vestiu-se de preto e com toda a dignidade de quem não tem medo de nada, não se envergonha de haver amado tanto alguém, por quem era capaz de dar a própria vida, foi ao velório, chorando copiosamente.

Sua presença causou constrangimento, mas sua dor era tanta, que muitos se apiedaram dela, chegando até mesmo, ampará-la no momento da despedida.

Passadas as investigações iniciais, na qual ela fora chamada também, a polícia deu o caso por encerrado, uma vez que não havia pista nenhuma.

Contudo, Guiomar, não se conformava. Sentia dia a dia mais saudades de seu único e grande amor, até que resolveu que haveria de vingar a morte dele.

Para isso, contratou detetives e iniciou uma investigação, mas foram infrutífera.

Chorava incessantemente e todas as noites, pedia que ele aparecesse em sonhos e dissesse o nome de seu algoz.

Nem ao menos religião tinha, não era nada mística, acabou, no auge do desespero indo procurar auxílio em cartomantes, quiromantes, centro espírita e nada.

Ela não lhe dava paz, chamava por ele incessantemente...

Velas, comprava-as por quilos e se não fosse uma fiel empregada, teria incendiado toda a casa.

Já não comia, não se importava com mais nada.

Uma noite ela o vê em sonho.

Ele estava com o seu terno de gabardine, o chapéu de paleta e um tiro no peito.

Ele tenta falar, não consegue...tenta de novo, mas consegue apenas balbuciar, Rosa. Ela agita-se e acorda.

A emoção toma conta dela, que não sabe se ri ou se chora.

Contudo, não havia entendido o motivo pelo qual disse o nome da esposa.

Outra noite, o mesmo sonho e ele tentando falar algo, tenta, esforça-se e só consegue balbuciar o nome de Rosa.

Aquilo estava intrigando Guiomar e indicada por amigos procura um especialista em decifrar sonhos.

O especialista de cara mata a charada, pois pergunta-lhe o que ela pede que ele conte?

- O nome do assassino, responde-lhe.

Então, doutora, é óbvio. Rosa é o nome do assassino.

Ela nem se despediu do tal homem, sai insana procurando quem lhe vendesse uma arma, estuda um plano e mesmo conhecendo tudo o que iria ter que passar, está pronta a vingar a morte do homem amado.

Pronto, matá-la-ia em sua própria casa e entregar-se-ia logo a seguir e assim o fez.

Depois de julgada, nem ao menos pede pelos privilégios de uma cela especial no cárcere, pois sente-se feliz por ter vingado a morte do único homem que amou na vida.

Nunca ninguém sequer, ouviu uma só palavra de arrependimento; era o próprio símbolo de resignação.

Sua única tristeza é que nunca mais sonhou com Kiko.

Os anos passaram e quando estava perto de cumprir o final da pena, uma noite ele apareceu em sonhos.

Estava diferente, mais sereno e parecia que estava até mesmo mais bonito.

Disse-lhe: - Eu queria, pedia, suplicava...era que você cuidasse da Rosa, que coitada, estava passando por grandes privações.

É uma obra de ficção e qualquer semelhança com fatos reais terá sido mera coincidência.