Durante o século XX, nos Estados Unidos, surgiu uma nova corrente fenomenológica denominada “Labelling Approach”, que também ficou conhecida por Teoria da Reação Social, da etiqueta do crime ou da Rotulação. Fora criado um novo enfoque acerca da formatação do delito onde fora dada maior ênfase ao estudo do próprio sistema penal, inclusive no que diz respeito à análise de seu funcionamento desigual. Esse novo paradigma é considerado por muitos estudiosos, como Lola de Aniyar de Castro, a gênese da Criminologia Crítica.

Assim disse a autora supramencionada: “[...] Esta escola deixou estabelecido, finalmente, que a causa do delito é a lei, não quem a viola, por ser a lei que transforma condutas lícitas em ilícitas”.

O “Labelling Approach” tem como pressuposto básico a idéia de que não se pode entender a criminalidade sem que a associe à atuação de agências oficiais. Ou seja, só é possível falar em agente desviante da lei a partir da ação do sistema penal, em seu sentido mais amplo, desde a elaboração das normas abstratas até a persecução criminal propriamente dita  (atuação da magistratura, do Ministério Público, dos policiais etc.). Outro autor destaca-se ao discursar sobre o assunto, Alessandro Baratta enfatiza que:

“[...] o labelling approach tem se ocupado principalmente com as reações das instâncias oficiais de controle social, considerados na sua função constitutiva em face da criminalidade”.

Nota-se, portanto o surgimento de uma nova forma de visão a respeito da criminalidade, onde o criminoso deixa de ser visto como um ser intrinsecamente bom ou mau, ou provido de fatores biopsicológicos que o formatam como delinquente, e este passa a ser fruto de uma construção social, proveniente do contato que o agente desviante tem com as instâncias oficiais. Alessandro Baratta fala de duas matrizes técnicas que formatam a criminalidade: o interacionismo simbólico e a etnometodologia:

“[...] Segundo o interacionismo simbólico, a sociedade – ou seja, a realidade social – é constituída por uma infinidade de interações concretas entre indivíduos, aos qual um processo de tipificação confere um significado que se afasta das situações concretas e continua a estender-se através da linguagem. Também segundo a etnometodologia, a sociedade não é uma realidade que se possa conhecer sobre o plano objetivo, mas o produto de uma ‘construção social’. Obtida graças a um processo de definição e de tipificação por parte dos indivíduos e de grupos diversos”.

Surge então uma nova formatação de delinqüente: o marginalizado, capaz de ser configurado apenas quando há atuação daqueles que perseguem os fatos ilícitos. Isso quer dizer que, não basta à prática de um ato ilegal, é necessário também que haja a reação social. Apenas infringir a lei não faz de alguém criminoso, é preciso que o agente desviante sofra atuação das instâncias oficiais e que este seja “selecionado” a integrar o grupo dos criminosos dentro da sociedade. 

            Assim, um delito só é considerado tal se assim for rotulado. Quando uma atitude é definida omissiva ou comissiva como delituosa, as agências começam a perseguir aqueles que contrariam os preceitos legais. Com isso, dão “etiquetas” aos criminalizados, e rotulam estes no grupo social como pessoas que assumem a identidade de criminoso (status social negativo), tornando-os mais vulneráveis ao sistema penal. Lola Aniyar de Castro elucida essa visão com a seguinte frase: “O desviante é alguém, a quem foi aplicado este rótulo com êxito; o comportamento desviante é a conduta que a gente rotula desse modo.”

Vale relembrar acerca do nascimento deste movimento nos Estados Unidos da América que buscou atenuar a crescente onda de violência que insurgiu, principalmente, a partir da década de 70, pois, com o aumento da criminalidade, a insegurança pública também teve um avanço relativo. Com isso, a população passou a ansiar por medidas capazes de conter a violência.

Para Raphael Boldt:

“Sob a influência do Movimento de Lei e Ordem, o direito penal, ultima ratio, vem se tornando a prima ratio na tentativa desenfreada de se materializar a justiça. Entretanto, ao invés de conferir maior eficácia ao sistema penal, tais soluções têm produzido um efeito inverso, contrário à essência do Estado Democrático de Direito, violando alguns dos mais básicos princípios consagrados por nossa Constituição Federal.”


A doutrina em decisão uníssona afirma que diversas leis são fruto do Movimento de Lei e Ordem. Em nosso cenário brasileiro, observemos as palavras de Damásio de Jesus acerca do movimento: “[...] Esse movimento pretende agravar as penas, criar novos crimes, liquidar com os direitos dos réus e tornar a fase de cumprimento da pena um dos momentos mais terríveis na vida do cidadão”.

Gevan de Almeida também compactua deste mesmo entendimento e cita como grande paradigma a Lei nº 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), como descrita abaixo no seguinte trecho de sua obra:

“Destarte, passamos a conviver com algumas leis que representam um verdadeiro retrocesso no que tange aos direitos e garantias individuais, verdadeira concessão aos postulados do movimento da Law and order, que defende medidas drásticas no combate à criminalidade, como, por exemplo, penas mais severas, que deverão ser cumpridas em regime fechado, proibição de liberdade provisória e o desprezo de certos direitos e garantias processuais. O exemplo mais significativo dessa tendência é a Lei nº 8.072/90 – Lei dos Crimes Hediondos [...]”

            A importância de estudar a tendência deste movimento é poder analisar o impacto que ele pode gerar no sistema penal, principalmente, no sistema penitenciário. A Lei 8.072/90, por exemplo, fora editada pelos legisladores em meio à comoção pública, neste cenário, a imprensa clamava, urgente e insistentemente, por adoção de medidas que fossem mais severas para os criminosos.

A opinião pública sofreu influencia pela mídia sensacionalista e também protestou por regimes mais rígidos. Neste quadro social fora editado o referido diploma legal, que, além de agravar penas, endureceu o regime de cumprimento das sanções.

Nos dias atuais é imensurável o poder as notícias exercem no juízo de delibação de seus espectadores, sendo capazes de influenciar positiva ou negativamente, a depender da forma como foi transmitido o enredo jornalístico Portanto, não é à toa que a capacidade de “manipular” a crença popular só aumenta no decorrer dos anos. Na opinião da autora Danielle Gonçalves:

“A mídia, com sua aparência indefesa, sob a alegação de prestar serviço cultural e informativo de maneira diversificada com o alcance de todas as classes e indivíduos vêm, hodiernamente, se manifestando como um super poder, causando grande influência, de certa maneira perversa, sobre as vidas das pessoas”.

Ou seja, a mídia entendida em seu espectro mais genérico, é capaz de contribuir intensamente na formação das ideologias sociais, o que vem a acarretar, consequentemente, a manipulação de pensamentos e atitudes.

            Segundo o entendimento de Cícero Henrique: “Nosso país, com certeza, deve ser um dos recordistas, principalmente, quando falamos em direito penal, pois, em geral, o nosso povo acredita que mais leis e mais dispositivos e talvez com garantias individuais subjugadas, teremos o condão de num passe de mágica resolver aspectos básicos de sobrevivência de uma civilização”.

Os aparatos produzidos pela imprensa são intensificadores no que diz respeito ao pensamento social e a idéia do Movimento de Lei e Ordem. Cabe a mídia propagar o medo e a insegurança, questionando as atitudes políticas, as leis e as agências oficiais. Essas notícias sensacionalistas influenciam grupos de diferentes estratos sociais, o que automaticamente faz com que insurja pressão e anseio por soluções emergenciais.

Todavia, o que se passa na mente das pessoas como meio mais viável é justamente o enrijecimento do sistema penal. Não é sempre que os políticos se preocupam com o problema em si, mas apenas e exclusivamente em se promove, fazendo somente o que é esperado pelos seus eleitores, sobrepondo interesses pessoais a normas estatais cogentes.

A partir disso, surge um sistema extremamente repressor, onde não há muitas expectativas de ressocialização (que seria, ao menos, em tese, o modelo adotado pelo Brasil) para os detentos em questão.

Com efeito, vemos como a imprensa desempenha um papel fundamental na sociedade contemporânea. Esta possui um grande poder de opersuasão e é capaz de influenciar decisões em diversos setores da sociedade, tendo aptidão para nortear à criminalização de condutas, bem como a condenação de pessoas, a elaboração de políticas públicas e até a atuação dos agentes oficiais. 

Não obstante, devemos nos atentar a respeito da avalanche midiática para que esta não transponha o poder constitucionalmente concedido ao nosso Judiciário e ao Legislativo, de modo que a sociedade possa tornar-se refém destas decisões baseadas em conclusões emocionais e precipitadas e também desprovidas de qualquer tecnicismo.

 Jessica Fernandes Rabelo