Área do Direito: Processual; Arbitragem

Resumo: Pretende-se examinar neste artigo a concessão de tutelas provisórias em disputas em que há convenção de arbitragem, sob a égide do Código de Processo Civil de 2015 e da Lei de Arbitragem, alterada pela Lei 13.129/2015. O artigo analisa a competência do árbitro e do juiz para apreciarem e deferirem tutelas provisórias. Além disso, o artigo estuda, ao final, a possibilidade de concessão de tutela antecipada e de evidência em contendas arbitrais.

Palavras-chave: Código de Processo Civil de 2015 (Lei 13.105/2015) – Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996) – arbitragem – tutelas provisórias – carta arbitral – juiz – árbitro

Considerações iniciais

Antes de instituída a arbitragem, durante o curso do procedimento arbitral e até mesmo depois de proferida a sentença pelo árbitro, pode se fazer necessária a concessão de tutelas provisórias. Mas quem deve concedê-la: o árbitro ou o juiz? E com fundamento em quais requisitos? Toda e qualquer tutela provisória pode ser deferida? Estes são apenas alguns dos questionamentos que envolvem a matéria.

É preciso analisar a relação entre o juízo arbitral e o juízo estatal e, por conseguinte, entre o procedimento arbitral e o processo judicial no que diz respeito à concessão de tutelas provisórias, levando-se em consideração o Código de Processo Civil de 1973 (Lei 5.869/1973), o Código de Processo Civil de 2015 (Lei 13.105/2015) e a Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996), com as alterações da Lei 13.129/2015.

Dificuldades de pesquisa

Antes de mais nada, cumpre esclarecer que, via de regra, tanto o processo judicial que versa sobre arbitragem quanto o próprio procedimento arbitral não são públicos.

O artigo 189, caput e inciso IV, do Código de Processo Civil de 2015, assim dispõe:

“Art. 189. Os atos processuais são públicos, todavia tramitam em segredo de justiça os processos:

(...)

IV - que versem sobre arbitragem, inclusive sobre cumprimento de carta arbitral, desde que a confidencialidade estipulada na arbitragem seja comprovada perante o juízo.”

Embora o artigo 155 do Código de Processo Civil de 1973 não relacionasse em seus incisos tal hipótese de segredo de justiça, o Superior Tribunal de Justiça considerou o seu rol exemplificativo, e não taxativo, admitindo o processamento em segredo de justiça de outras ações, cuja discussão envolvesse informações comerciais de caráter confidencial e estratégico , no que o requerimento de segredo dos processos judiciais relativos a arbitragens encontrou certo respaldo.

É de se citar o Enunciado nº 13 do Fórum Permanente de Processualistas Civis:

“O disposto no inciso IV do art. 189 abrange todo e qualquer ato judicial relacionado à arbitragem, desde que a confidencialidade seja comprovada perante o Poder Judiciário, ressalvada em qualquer caso a divulgação das decisões, preservada a identidade das partes e os fatos das causas que a identifiquem”.

Da mesma forma, o artigo 14.1 do Regulamento do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá prevê que “[o] procedimento arbitral é sigiloso, ressalvadas as hipóteses previstas em lei ou por acordo expresso das partes ou diante da necessidade de proteção de direito de parte envolvida na arbitragem”.

Neste cenário, a doutrina é parcial e a jurisprudência, escassa e de difícil acesso, o que dificulta, senão impede, o acompanhamento de como o assunto é, de fato, tratado pelo juízo arbitral e pelo juízo estatal.

Outro ponto que merece aclaramento é justamente o objeto de análise deste artigo, qual seja, as tutelas provisórias no âmbito da arbitragem. Considerando que o Código de Processo Civil de 2015 entrou em vigor há menos de um ano, muitas citações trazidas aqui à lume fazem referência às medidas cautelares previstas nos artigos 796 e seguintes do Código de Processo Civil de 1973 e à antecipação dos efeitos da tutela disposta no artigo 273 da lei processual revogada, e não às tutelas provisórias propriamente ditas.

Porém, se “[o] atual diploma processual houve por bem reunir, no Livro V, da Parte Geral, sob a denominação de ‘Tutela provisória’, as medidas com natureza cautelar e as medidas com natureza de antecipação de tutela, respectivamente previstas no Livro III e no art. 273, do CPC de 1973”, de modo que “[a] opção do legislador de 2015 foi agrupar tanto as medidas de antecipação quanto as cautelares em um só gênero, denominado tutela provisória”, pressupõe-se que não haverá alterações relevantes no entendimento doutrinário e jurisprudencial até então existente com relação à concessão de tais medidas em casos envolvendo arbitragem e, sendo assim, reputam-se pertinentes as citações feitas.

A arbitragem e a lei processual

Além de poder se valer da arbitragem para dirimir conflitos, a parte também pode escolher inclusive o procedimento a ser adotado pelo árbitro ou pelo tribunal arbitral, nos termos do caput do artigo 21 da Lei de Arbitragem:

“Art. 21. A arbitragem obedecerá ao procedimento estabelecido pelas partes na convenção de arbitragem, que poderá reportar-se às regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada, facultando-se, ainda, às partes delegar ao próprio árbitro, ou ao tribunal arbitral, regular o procedimento.”

No silêncio, cabe ao árbitro ou ao tribunal arbitral disciplinar o procedimento, conforme previsto no parágrafo 1º do mesmo artigo:

“Art. 21.

(...)

§ 1º Não havendo estipulação acerca do procedimento, caberá ao árbitro ou ao tribunal arbitral discipliná-lo.”

As partes podem, assim, convencionar que o árbitro utilizará lei processual estrangeria, procedimento especial criado pelas partes ou procedimento escolhido pelo árbitro. Não é, portanto, obrigatória a utilização do Código de Processo Civil, já que as partes podem estabelecer outras regras para a condução da arbitragem.

Afora os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade dos árbitros e de seu livre convencimento, os quais sempre serão respeitados no procedimento arbitral, conforme estabelecido pelo parágrafo 2º do artigo 21 da Lei de Arbitragem, não há qualquer previsão legal que trate expressamente da aplicabilidade, ou não, do Código de Processo Civil aos procedimentos arbitrais.

Como se deve, então, conciliar as disposições do Código de Processo Civil, inclusive das que tratam das tutelas provisórias, à Lei de Arbitragem e ao procedimento arbitral?

Leonardo Faria Beraldo, em capítulo de sua obra intitulado “Introdução e (in)aplicabilidade subsidiária automática do CPC à LA”, aponta que o Código de Processo Civil não seria aplicável à arbitragem, exceto quanto aos princípios do processo civil:

“Com relação à aplicação cogente do CPC aos procedimentos arbitrais, tanto CARLOS ALBERTO CARMONA quanto MARCOS ANDRÉ FRANCO MONTORO são categóricos ao afirmarem que o mesmo não é aplicável à arbitragem, ressalvando a aplicabilidade dos princípios do processo civil”.

Os fundamentos para tanto seriam: i) a ausência de regramento na Lei de Arbitragem sobre a aplicabilidade, ou não, do Código de Processo Civil; ii) a violação ao artigo 21, caput e parágrafo 1º, da Lei de Arbitragem, que confere às partes e, no seu silêncio, aos árbitros a prerrogativa de estabelecerem o procedimento a ser obedecido; e iii) a incompatibilidade entre a rigidez do Código de Processo Civil e a flexibilidade do procedimento arbitral.

Mas, ao se aplicar ao procedimento arbitral institutos próprios do direito processual civil, que não estejam regulados pelas partes, pelo árbitro ou pelo tribunal arbitral, ou que não estejam previstos na Lei de Arbitragem ou no regulamento do órgão que administra o feito arbitral, não parece haver outra saída a não ser seguir as regras do Código de Processo Civil.

Pondera Leonardo de Faria Beraldo que o próprio árbitro, ao conceder as liminares do processo cautelar e as medidas de natureza antecipatória, deve observar o fumus boni iuris e o periculum in mora para as tutelas cautelares e os requisitos do artigo 273 do Código de Processo Civil de 1973 para as tutelas antecipadas.

De qualquer forma, quando a parte se socorre da via judicial (e não do árbitro ou do tribunal arbitral) para obter a tutela provisória perante o Poder Judiciário, obviamente deve fundar a sua pretensão na lei processual em vigor para a apreciação pelo juiz togado.

Ou seja, devem ser observados os artigos 294 e seguintes do Código de Processo Civil de 2015 para o pedido de concessão de tutelas provisórias pela parte bem como para o seu deferimento (ou não) pelo juiz, ainda que a controvérsia entre as partes esteja relacionada a um procedimento arbitral.

A esse respeito, Cassio Scarpinella Bueno aponta que “[c]om o CPC de 2015, independentemente da natureza da tutela provisória, se cautelar ou antecipada (art. 294, caput), o magistrado deverá se convencer da probabilidade do direito do requerente da medida e, porque se trata de medida de urgência, do perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”.

Nesses termos, o árbitro, ao receber os autos do processo judicial acima, poderá manter a medida concedida (ou concedê-la caso tenha sido indeferida), revogá-la ou modificá-la, observando, também, os requisitos da lei processual, caso se entenda que ele deva tê-los em conta ao apreciar os pedidos de tutela que lhe forem dirigidos diretamente...