JOSUÉ AUGUSTO DA SILVA LEITE, UM PROFESSOR QUE FICOU NA HISTÓRIA

O professor Josué apareceu numa bela noite em nosso colégio, para dar aulas de história. Apesar de ter uma expressão de poucos amigos era um boa praça ou um sujeito supimpa como se dizia naqueles tempos. Formado na USP, Josué, contrariando os velhos professores, deu uma primeira aula amplamente inovadora. Não lia na sala de aula e apenas ia explicando a matéria e fazendo algumas anotações no quadro negro. Percebia-se que dominava o assunto com competência e segurança. Suas aulas se tornaram bastante concorridas, pois todos nós gostávamos de participar, principalmente porque havia a possibilidade de dialogar com o mestre.

Como era professor concursado, acabou substituindo o diretor que havia se afastado. Bom, aí ele se tornou um “tirano” com os alunos, principalmente aqueles que chegavam atrasados. Na segunda semana determinou o fechamento dos portões depois de 10 minutos de tolerância. E foi aí que eu passei pelo meu pior mico. Como o professor da minha primeira aula havia faltado, eu estava vadiando pelo pátio e vi um grande grupo de alunos retardatários do lado de fora esperando que o diretor mandasse abrir o portão. Muito cretino, fui até o portão e dei, por minha conta e risco, o recado: “Podem ir para casa. O Josué não vai abrir o portão. Estão todos dispensados”. O problema é que o homem estava atrás de mim e ouviu tudo. Resultado: três dias de suspensão, por dar ordens em nome do diretor.

Como estávamos em uma ditadura ou regime autoritário como ele costumava dizer, não admitia discussões político partidárias em sala de aula e censurava sem piedade o nosso jornalzinho, o H.Zetinha, que era dirigido por mim e pelo Tomás Padovani. Quando falava em política na história do Brasil, limitava-se a explicar os fatos, deixando as versões de lado. Lembro-me que um dos colegas em sala de aula falou que vivíamos em uma ditadura. Josué, prontamente, perguntou a ele: “O que é ditadura? É no sentido grego ou contemporâneo?”. Como o colega não sabia nem uma coisa nem outra, ficou de bico calado. Ele fazia questão de que as ideias fossem conceitualmente corretas e não admitia que os alunos repetissem jargões sem um conhecimento teórico do assunto.

Como o Josué morava sozinho, depois da aula ele ia para uma padaria próxima à escola para tomar um lanche. Nas sextas-feiras, como ninguém precisava levantar cedo para pegar no batente, passávamos por lá para papear com o professor. Por incrível que pareça ele gostava das musiquinhas do Roberto Carlos e da jovem guarda e sua preferida era a Festa do Bolinha. Como ele havia sido aluno do Sérgio Buarque de Holanda, esse gosto fazia algum sentido, pois o autor de Raízes do Brasil era um leitor assíduo dos gibis da Luluzinha e do Bolinha.  Numa dessas noitadas, a padaria fechou e ficamos cantando do lado de fora. Não demorou muito apareceu um policial (a delegacia ficava em frente) e mandou que todos o acompanhassem. Lá o delegado que era bamba na delegacia, mas nunca fez samba e nunca viu Maria, passou um sabão em todos e ao saber que o Josué era, além de professor, o diretor do colégio, mudou o discurso e disse que foi obrigado a agir por causa da reclamação dos vizinhos que moravam sobre a padaria.