Algumas pessoas lembram muito a terra onde nasceram, pois trazem um pouco do cheiro, do som e da paisagem. Assim era o José Luiz Cruvinel, mineiro de Guaxupé, terra onde se cultiva os melhores cafés do Brasil. A família é antiga nas gerais. Segundo ele mesmo me explicou, teve origem em um alemão chamado Klaus Winel que se aventurou pelo Grande Sertão, Veredas, provavelmente procurando ouro ou pedras preciosas. Assim, ele virou Klauwinel, Kruwinel e finalmente e seus descendentes Cruvinel, dando origem a um numeroso clã que se espalhou pelo Brasil adentro.

Das Minas Gerais ele trouxe muitas histórias do seu tempo de juventude, como os bailes, as festas, as cantorias, as brincadeiras no cinema da cidade e outras estripulias dos moços da sua época. As histórias dele me lembram do poema do Drummond, Confidências do Itabirano, quando diz no final: ”Itabira é apenas uma fotografia na parede, mas como dói.

Casou-se com uma moça de uma tradicional família mineira, filha de um abastado fazendeiro, produtor de café.  Mas Cruvinel era ambicioso e procurou construir a sua carreira profissional de forma independente, como dizia sempre.

Ele chegou à Unipar quando já estava distante das gerais, morando em Guarapari, litoral do Espírito Santo trabalhando na mineradora Samarco, quando resolveu se aventurar pela Paulicéia, candidatando-se para um emprego em uma empresa sobre a qual nunca ouvira falar. Mas ao chegar se encantou com as pessoas, a limpeza e os jardins e não quis mais voltar.

Inteligente e metódico era responsável pelo planejamento de manutenção, mas envolvia-se em outras atividades, como na Associação dos funcionários, tendo sido diretor cultural. Nessa atividade desenvolveu vários eventos culturais que marcaram história na empresa. Participou comigo da comissão de pauta do informativo mensal, sempre contribuindo de forma inteligente e criativa.

Lembro-me que ficou apaixonado pela novela Roque Santeiro em sua segunda versão, pois a primeira foi censurada na época do governo militar. Escreveu sobre a novela um belo texto, criticando as velhas oligarquias que ainda predominavam no Brasil adentro, principalmente em sua terra. Via nos personagens da ficção muita semelhança com pessoas que conheceu em sua cidade. Não me deu o texto, pois disse que ainda precisava de uma revisão, mas o leu para mim de forma prazerosa, fazendo os comentários pertinentes.

Depois de um bom tempo fora da Unipar encontrei o Cruvinel num shopping onde havia se estabelecido com uma loja de fast-food chinês. Não sei se ele gostava mesmo daquilo. Mineiro fazendo comida chinesa parece não combinar, mas lá estava ele atrás do balcão faturando para o leite das crianças. Talvez uma loja de café e pão de queijo tivesse sido mais apropriada. Sempre que almoçava por lá, falávamos rapidamente, pois era o momento de maior movimento em sua loja. A última vez que o vi foi num restaurante, onde estava almoçando com seus familiares. Foi também um encontro rápido que mal deu para um aperto de mão. Provavelmente já havia se desfeito da loja.

Não passou muito tempo quando soube pela Internet que ele havia desaparecido e seus familiares que moravam em Minas, procuravam por notícias dele. Dias depois foi encontrado no apartamento em que morava. Morreu provavelmente dormindo depois de um enfarto fulminante.

José Luiz, ou apenas José, não quis voltar para Minas, tal como o José do poema de Drummond, pois talvez Minas não existia mais. Não a sua grande “Minas Gerais” real, mas a da sua época que já havia se perdido pelas estradas do tempo. Sozinho num prédio de apartamentos morreu sem ver o céu e as montanhas da sua terra ou talvez ouvindo a sua canção predileta “Desenredo” com seus belos versos: “Ei Minas, Ei Minas, é hora de partir eu vou, Vou-me embora pra bem longe... Por toda terra que passo; Me espanta tudo o que vejo; A morte tece seu fio; De vida feita ao avesso...”.