Autor: Luiz Nunes

 

Em outubro de 1975, Vladimir Herzog se apresentou espontaneamente ao DOI-Cod de São Paulo, devido à sua conduta como militante anti-ditadura e jornalista questionador do então sistema que não respeitava a razão de ser do profissional de imprensa. Naquele dia, exatamente no dia 25, Vlado, seu verdadeiro nome, morre enforcado em sua cela. A ditadura diz que foi suicídio, testemunhas afirmam que foi o final de um profissional torturado em razão de seus ideais.

Mas por que inicio meu texto com esta intrigante passagem da história da comunicação brasileira?

Complicado entrar em tão sinistra seara!!!

Em 1973 migrei de Marília para São Paulo diretamente para trabalhar na Folha de S. Paulo. Como não era um jornalista, consegui uma vaga na revisão. A ditadura entrava em uma fase complicada. Um período negro da nossa história. Fui estudar na USP e lá convivi com situações, no mínimo constrangedoras. Era o período da caça às bruxas!

Ao iniciar meu trabalho na folha de S. Paulo fui aconselhado a responder apenas aquilo que me era perguntado. – Não sabemos com quem falamos. Me disseram. Se o segurança te falar boa noite, responda apenas e tão somente boa noite. Se você disser, por exemplo, a noite está linda, mas pode chover, corre o risco de ser interpretado como um militante que anuncia que poderá, ainda naquela noite, acontecer uma ação qualquer, anti-ditadura. Aí, tudo pode acontecer. Inclusive sua prisão. E só Deus sabe mais o quê!

Esta introdução é apenas uma tentativa de traçar um paralelo entre aquela época e os nossos dias.

A ditadura não era um regime mascarado por discursos de “bons meninos”. Ditadura era explicita. Todos nós sabíamos exatamente o que o sistema queria. Sabíamos que consequências teriam quaisquer atitudes, mais ou menos patrióticas. Inclusive as mais inocentes. A censura era obviamente sem nexo. Tudo o que parecia falar mal do sistema era censurado. Todos os que assinavam em baixo de uma manifestação qualquer, podiam ser assassinados ou simplesmente desaparecer. Os editores dos jornais já tinham receitas de culinária, versos de Camões e outros que tais, devidamente preparados para enxertar nas lacunas de noticias “capadas” de ultima hora. Eu próprio, após o lançamento do meu primeiro e inocente livro de poemas, fui convidado a escrever versos para o um jornal do ABC.

Logo após o período que trabalhei na Folha, iniciei minha carreira de publicitário em uma super agência. A Thompson. Lá constatei uma das mais esdrúxulas manifestações da censura. Não eram apenas as programações das emissoras de TV obrigadas a exibir um certificado informando a faixa etária e horário permitido para exibição de qualquer uma de suas atrações. Os comerciais também. Até para vender sabonete, o roteiro tinha que passar pelo censor. Vai que continha alguma metáfora no meio do texto? E eles enxergavam isso. Bastava a personagem rir em uma cena de teatro para que perguntassem: ta rindo de quê???

Como eu disse, naquela época sabíamos o que eles queriam. Queriam nos calar. Queriam nos manipular. Queriam nos transformar em “vaquinhas de presépio”. E hoje?

Hoje temos uma pseudo democracia ditatorial que nos ilude com falsas guloseimas e não deixam claro a que vieram. Quer dizer... basta ser o menos alienado possível, para ter certeza.

Mas afinal qual o sentido de se exigir diploma de um jornalista ou de um publicitário, por exemplo, em um país que não exige absolutamente nada para que um cidadão se torne presidente da republica? Exceto para ser gari, claro! Diploma de segundo grau e habilidade e ginga para sambar na avenida, abraçado a uma vassoura. O pior é que as pessoas consideram isso talento, enquanto que o pobre coitado está apenas extravasando suas tristezas em um momento raro de alegria. “Panis Et circensis”, disse Nero, um imperador romano. Enquanto o povo se diverte nós usufruímos de seus frutos, inclusive os frutos dos seus ventres.

A coisa é tão humilhante que a “abolição” do diploma de jornalista vem logo após a “burlação” oficial da Lei de Imprensa. Se não há lei, prá que diploma?

Um profissional do jornalismo hoje pode ser enquadrado em leis como injúria, difamação, ofensa moral... Crimes que lhes serão atribuídos caso diga a verdade a respeito dos desmandos, desvios de verba, jogatina com dinheiro publico, planos secretos de um senado empenhado em aumentar o bolo de protegidos...

Um beócio qualquer ligado ao sistema fez uma comparação mui “beocídica”: se para cozinhar não se exige diploma, “pra mor de que”, os tais jornalistas vão precisar?

Quantos crimes são cometidos por falsos médicos? Casos famosos como de falsos cirurgiões plásticos, por exemplo; dentistas, então!!! Todos os que são descobertos são enquadrados em falsidade ideológica além de homicídio culposo, pois muitos deles provocaram a morte do paciente. Criminosos julgados e sentenciados!

Mas escrever não mata. Podem disparar os tais.

Mata sim! Quantas vezes nós somos levados ao estresse máximo por uma notícia falsa?

Dependendo do estado emocional e circunstancial em que a pessoa se encontra, morre sim. Uma calúnia publicada pode custar o emprego, a vida de um cidadão honesto. O consumo de uma substância letal pode acontecer simplesmente porque um falso profissional alardeou que a mesma ajuda a emagrecer.

O “beocismo” nacional conseguiu com esta atitude frustrar os sonhos de milhões de estudantes que se espelham em grandes profissionais da comunicação.

Estudar prá quê?

Justificativas espúrias tentam dirimir este estado de caos ideológico afirmando que hoje o graduado em qualquer coisa poderá escrever da coisa que ele se formou, com mais autoridade que um jornalista. Ou seja. Os ex-atletas, por exemplo, que tiveram que se graduar em jornalismo para se regularizarem como comentaristas do esporte nos veículos de comunicação, agora devem se sentir como idiotas! Isso é o que deve ser seguido. Uma especialização para se adequar eticamente em uma nova carreira, mesmo que seja a partir da mesma em que atuamos.

Mas e a ética? E a técnica e visão e oportunismo jornalístico? O tino profissional e o respeito para com quem vai ver, ler ou ouvir o que está se publicando?

Vladimir Herzog era formado em Filosofia, poderão me contestar os que foram privilegiados por tais mudanças. Aqui é importante lembrar que todas as profissões tiveram seu inicio a partir de pessoas que tinha afinidades vocacionais e profissionais com a mesma. Profissionais do rádio, por exemplo, foram os primeiros a serem convidados a atuar nos canais de TV que começaram a surgir. O ministério do trabalho passou a reconhecer como profissional todos aqueles que comprovaram já atuar naquele determinado segmento, por um período mínimo estabelecido.

Ainda hoje existem manifestações assim.

Eu não sou jornalista. Escrevo, pois sou redator, poeta, articulista, mas não jornalista. Poderia estar comemorando tal fato, mas prefiro ter uma jornalista ao meu lado, capaz de me socorrer em minhas limitações.

Existem regras e estas regras devem se tornar obrigatórias para que a profissão do jornalista não seja comparada a qualquer coisa espúria que poderão chamar de profissional.

Os profissionais formados devem continuar sendo os mais requisitados, valorizados e, quase que por unanimidade, os que mais se destacam em qualquer segmento.

A responsabilidade, mais uma vez, recai sobre os empresários, os empregadores. Cabe ao diretor de um veículo de comunicação a responsabilidade em dar o devido valor a quem sofreu em uma faculdade, muitas vezes deixando de comer para manter suas mensalidades em dia, em detrimento de qualquer outro provável aventureiro.

Cobrar a ética deverá ser imprescindível para que se mantenham, não apenas os pisos salariais, mas, principalmente, a credibilidade do que lemos e, por conseqüência, manter os mesmos em seus cargos.

Mais que em qualquer momento da nossa história, devemos ficar atentos às mudanças de conduta de qualquer um que se afoite em ser líder de qualquer coisa.

O sentido lato do adjetivo “profissional” apenas se complementa quando a ética se torna inerente, tornando-o inconfundível perante os demais.

Seria grosseria virar as costas para um talento não diplomado, porém, pior seria não orientá-lo a partir em busca do seu aperfeiçoamento.

 

Luiz Nunes – Um profissional que respeita a atitude profissional.