“Heads Off Club – Porque a única coisa que me faz mal é a minha cabeça”.

Vi isso escrito numa camiseta, em 1994, durante uma exposição no MIS (Museu da Imagem e do Som, em São Paulo). Não esqueci mais.
Afirmo sem nenhuma cautela que de lá para cá eventos de (suposta) maior monta sucederam, nem por isso estão tão bem gravados.
Memória afetiva, memória fisiológica, o cérebro de réptil, o sistema límbico, as viagens no córtex...vários canais de suposta influência. Não, não era a Gisele Bündchen usando a camiseta, aliás nem lembro quem usava. Sei que ficou. Uma coisa à toa. Coisas à toa calcam fundo. Explicações não faltam.

Dois asteriscos ilustrativos:

* O pai passeando na praça com a filha pequena, a mesma praça, os mesmos personagens, nenhum fato especial, nenhum novo personagem.  Aquele passeio, no entanto, cintila com as cores de um Rembrandt.

* A mesma reação da matriarca autoritária, em momento específico, talvez um dia de natal, ou aniversário.  Ela, movida por uma gravação, acaba aspergindo nos semelhantes reações esperadas, posto que anteriormente gravadas.

A nova ciência afirma que a consciência humana funciona em camadas superpostas. Já se falou em 3 cérebros, em 7,  em um número indefinido de inteligências emocionais, a nova ciência resvala no que não pode ser definido, pelo menos ainda. Mas sabe-se que o ser humano grava. Um dado científico é que, cerca de uma década atrás, descobriram que mesmo de pálpebras cerradas o proprietário dos olhos continua a registrar no seu cérebro o que não está sendo visto. Eis uma constatação que pode ser reformulada gramaticalmente sem prejuízo para o sentido: o cérebro enxerga e registra, mesmo de olhos fechados. Esse registro funciona como uma espécie de impressão, no sentido gráfico do termo. E há também um sentido digital do termo, ou cibernético, se preferir, porque já  não se trata apenas de registrar, mesmo que subconscientemente, trata-se de lidar com trilhões de informações.
Medidas a cada segundo. Pouquíssimo desse montante é apreendido. Não obstante, tudo é  impresso.

O cérebro de dinossauro nos manteve vivos até aqui. Mas aqui é o pulo do gato de todos os conceitos vividos anteriormente para uma nova janela na consciência. A função desta janela tem por objetivo transformar a máquina gravadora num plasma elástico, para que se livre da ação maquinal e do acúmulo de dejetos no seu HD.

Escolas de mistério, doutrinas, caminhos espirituais, enfatizam a necessidade do adepto em ler, até 100 vezes  se for o caso, os ditames de sua doutrina. Com isso a consciência reveste-se de uma armadura, tamanha é a impressão.
Vale o mesmo para a meditação com mantra.
Tenta-se alcançar uma “consciência elástica” sem o mantra.
Tenta-se, na verdade, se libertar das gravações.

Imprime-se também no invisível, no éter, e escolas esotéricas a isso nomeiam Registros Akáshicos (desconheço o consenso quanto a grafia dessa palavra).  Isso porque toda emoção e pensamento também são registrados, e ambos não são visíveis. O éter é a contrapartida imaterial, que nos permeia e que segundo os esotéricos,  vamos registrando.

O acadêmico que ler um texto qualquer, inclusive esse,  vai sapatear sobre a falta ou abundância dos silogismos apócrifos, repletos de pleonasmos e neologismos evidentes ou não no sentido ambíguo e pouco embasado apresentado. O acadêmico gravou na sua consciência uma serie de códigos para decodificar. A Psicologia Trans-Pessoal alertará para que sejam retirados os implantes de medo, energias desequilibradas e muco etéreo. A psiquiatria insistirá para que certas neurovias sejam manipuladas. Cada aparelho de leitura tem sua própria ferramenta para lidar com as “gravações”. Cada aparelho de leitura é fruto da própria gravação.

“Estudando a consciência, os psicólogos ocidentais limitam-se a investigar o subconsciente e as doenças mentais tratadas pelo psiquiatra e pela psicanálise. Quase nula é a pesquisa sobre a origem e a formação básica dos estados normais da mente e de suas expressões emocionais e volitivas – um assunto verdadeiramente fundamental”. Self-Realization Fellowship.

“Supõem-se que fenômenos que agora aceitamos naturalmente não provocam nosso espanto porque são compreendidos. Mas a verdade é outra. Se eles não nos surpreendem, não é porque sejam compreendidos, e, sim, porque são familiares, pois, se aquilo que não compreendemos deve nos surpreender, então deveríamos ficar surpresos com tudo: a queda de uma pedra atirada para o ar, a semente que se converte em carvalho, o mercúrio que se dilata ao ser aquecido, o ferro atraído pelo imã. A ciência de hoje é conhecimento insignificante”. Charles Robert Richet, autor de Our Sixth Sense, prêmio Nobel de fisiologia.
Cabe aqui outro exemplo, sobre a eletricidade, em outra citação: “...só na Biblioteca do Congresso, em Washington, o assunto ocupa 17 prateleiras de 30 metros cada...Mas por que funciona e o que é a eletricidade continuam a ser indagações tão grandes quanto na época de sua descoberta.”


A futura nova ciência virá nos contemplar com o aprimoramento da consciência somada à seguinte nomenclatura: sistema de 4 corpos. Porque começa a ficar um tanto óbvio que não somos uma coisa só.  Seja lá o que for, grava. Os cientistas hoje afirmam que enxergamos não só o que a visão de 180 graus capta, mas todo o quadro, que isto é impresso continuamente em nosso cérebro, sem que percebamos.

Dois parênteses:

(Fred Astaire, para alcançar aquela incrível performance, de, por exemplo, dançar com um “cabide”, numa cena extensa e sem cortes, aliás uma exigência dele, a de que não houvesse cortes, treinou durante toda a infância, pré-adolescencia e adolescência.) 

(Charlie Parker estudava 14 horas por dia.)
Para ficarmos nesses exemplos, ambos plantaram tomate e colheram tomate. O sucesso e virtuosismo de ambos foi lógico como a colheita que desfrutaram.  Foi também produto de sucessivas gravações, entre outros influxos, outras animações. Porque a máquina gravadora é ao mesmo tempo anímica. Contudo, Charlie Parker ganhou sua autópsia  aos 36 anos, sendo que o médico legista jurava que ele tinha 60. Isso porque o músico havia imposto ao seu organismo uma rotina de elementos químicos pouco salutares.

“Heads Off Club” talvez seja um escapismo temporário para aquele que grava mais intensamente -  o ególatra. Este é viciado nas próprias emoções. Viciado na própria cabeça e nas limitações que ela lhe impõe. Boa parte da humanidade está viciada em si mesma, em maior ou menor grau. O leque de influências é multiforme, provavelmente infinito. Emoções, razões, históricos, percalços, traumas, peculiaridades físicas, genéticas, heranças sociais...
O ególatra, munido de um canudo, de um passado e de uma leitura peculiar,  fará tanto pela realidade que o cerca quanto o ególatra sem canudo.
As gravações afligem, atormentam, confundem, viciam e por fim aprisionam o gravador.
Arrisco supor a inexistência de uma saída artificial.

Ultima citação:

“Para atingir essa maestria, diziam os sábios de então, o homem precisa de uma reconstrução total de todo o seu ser físico, moral e intelectual. Ora, essa reconstrução só é possível com o exercício simultâneo da vontade, da intuição e do raciocínio. Por sua completa concordância, o homem pode desenvolver suas faculdades a limites incalculáveis. A alma tem os sentidos adormecidos – a iniciação os acorda. Com um estudo aprofundado, uma aplicação constante, o homem pode se pôr em relação consciente com as forças ocultas do Universo. Com um esforço prodigioso, pode atingir a percepção espiritual direta, abrir-se `as rotas do além e tornar-se capaz de dirigir-se para lá. Apenas então ele pode dizer que venceu o destino e conquistou aqui em baixo sua liberdade divina. Apenas então o iniciado pode se tornar iniciador, profeta e teurgo, ou seja: vidente e criador de almas. Pois apenas aquele que comanda a si mesmo pode comandar os outros. Apenas o que é livre pode libertar”.  Édouard Schuré, 1889.

Isto é uma gravação.