Após oito anos estudando em seminários, alimentando um bonito sonho sacerdotal, eis que me deparei com uma situação inusitada que jamais imaginei. Mas, é assim mesmo. A vida nos apresenta sempre algumas circunstâncias inusitadas que nos deixam pensativos e inconformados. Senão vejamos o fato que ocorreu comigo no interior de uma igreja num bairro da zona oeste de São Paulo. Como ex-seminarista, sempre cultivei o gosto, o apego às coisas sacras, mas sem nenhum fanatismo. Então, por ocasião do meu intervalo de refeição, por volta das 18 horas, para evitar fofocas e picuinhas com os colegas de trabalho e muito menos sem querer ser melhor do que ninguém, disfarçadamente, dirigia-me todo final de tarde a uma igreja que ficava perto do local do meu serviço. Após as minhas humildes orações aproveitava para ler sempre algumas páginas de um bom livro. Isso já estava virando uma rotina para mim. Só que, pelo visto, a minha presença naquele Templo Sagrado não estava sendo benquista por parte de alguém que cuidava daquele recinto. Estou falando do sacristão. Sempre que eu chegava, percebia logo que ele me olhava meio atravessado, desconfiado, como se estivesse me recriminando de algo que eu não tinha feito e muito menos pretendia fazer. Estava ali, tranquilo e inocentemente, aproveitando aquele intervalo com algo útil, pelo menos para minha pessoa. Certo dia, por um descuido da minha parte, ao por os pés no genuflexório do banco onde eu estava, fui repreendido, incontinenti, pelo atento e antipático sacristão. Só não achei ruim porque estava cônscio que ele tinha toda a razão. Então, pressenti que aquela simples repreensão seria um prenúncio de que algo estava por vir. Aquele funcionário da igreja estava realmente muito atento a tudo que estava acontecendo ali e acima de tudo, muito desconfiado. Pelo visto, estava fazendo uma marcação firme sobre a minha presença ali. Mas eu não me preocupava com isso e continuava alheio à sua antipatia. Parecia que ele não “regulava” muito bem da cabeça. Ou então era a minha impressão. O certo ou errado é que a antipatia parecia recíproca. O tempo foi passando até que, sem mais nem menos, aquele mesmo sacristão, certo dia, logo que eu cheguei, não esperou nem que me persignasse, aproximou-se e foi logo me intimando de maneira bastante lacônica: -“Posso saber por que você vem todo o dia aqui neste horário?”. - Estou no meu horário de janta. - “Quais são as suas intenções?”. - Você é algum Padre, por acaso? Eu não pretendo me confessar! Mas por falar nisso, por favor, tem algum padre agora aqui? -“Sim” - respondeu o dito cujo. - Posso falar com ele? -“Pode. Vem comigo!” Em seguida acompanhei aquele rapaz até a sacristia e lá estava o sacerdote, aguardando o horário da missa das 19 horas. Logo que ali chegamos, eis a sua apresentação: -“Padre, esse é o rapaz que eu falei ao senhor!” -Boa noite, Padre - falei destemidamente. -Boa noite, meu jovem. Em que posso ajudá-lo? -Olha, sinceramente, eu não estou entendendo essa cisma e perseguição desse rapaz, o seu sacristão, com relação à minha pessoa!... - Sabe o que acontece, meu filho, - continuou o vigário - é que essa nossa igreja já foi assaltada algumas vezes. Então, quando surge alguém assim, como posso dizer? -Suspeito. Então, pelo que estou entendendo, estou sendo considerada uma pessoa suspeita até provar ao contrário, não é verdade? - Bem, vamos supor que você tenha razão. Só que com isso não se tira a mesma do meu funcionário! - Portanto então nós dois temos razões distintas: eu sou um mero suspeito à minha revelia e o sacristão, um mero acusador desconfiado, tempo em vista os assaltos anteriores!... - Correto, meu jovem. - Sendo assim, mesmo após o senhor tomar conhecimento que eu sou um ex-seminarista, trabalho numa empresa aqui ao lado, conforme acabei de provar, ainda passarei por um suspeito? - Infelizmente sim, meu filho. Ninguém traz escrito na testa as suas verdadeiras intenções, você entende? A culpa é do sistema em que vivemos. Somos obrigados a desconfiar até da nossa própria sombra. - Pois, a partir de hoje, o seu sacristão pode ficar tranquilo e despreocupado, que procurarei outro lugar para usufruir a minha hora de janta. E faço votos que não apareça nenhum outro suspeito aqui na sua igreja. E foi realmente o que aconteceu. A partir daquele dia, atendendo a minha consciência evitei adentrar naquela igreja, cujo sacristão deveria procurar outro suspeito... Menos eu! São coisas da vida que jamais conseguiremos entender!