Inventadeira

Filha, não seja indelicada. Não fica bem perguntar a idade de sua amiga, disse minha mãe. E tem mais, ela é inventadeira, você se lembra?

Mas acontece que eu rapidamente esqueci suas palavras, e minha curiosidade falou mais alto. Perguntei um tanto quanto acanhada, mas perguntei.

A minha idade? Sabe que eu não sei ao certo?  Penso que sou mais ou menos igual à minha avó. Neta nenhuma nunca soube. Penso que até ela não sabia mais, pois quando completou uma determinada idade, resolveu diminuir um ano a cada aniversário. Foi diminuindo tanto, que ficou mais nova que os filhos e depois mais nova que as netas. E ela falava sério, quando as crianças não entendiam direito, como é que era possível ela ser mais nova que todos da família. Penso que casei sem ter nascido e quando aqui cheguei, e os meus três filhos estavam a me esperar. Estranho não é? Mas é assim e ponto, dizia ela com um sorriso maroto. Ficávamos todos sem entender direito, mas aceitando o que ela dizia, pois afinal, ela era nossa avó.  Velha sábia.

Depois de certo tempo, ela resolveu acrescentar a cada aniversário, um ano a mais à sua idade. Dizia que não queria voltar a ser bebê, pois aí teria que usar fraldas, aprender a andar, falar, comer sozinha...  E o mais interessante, é que ela ficou com a mesma idade, menos um dia, que sua neta número três.

Coisas de vovó, que gostava de atrapalhar a mente das crianças.

Ela sempre chamou um de seus genros de norinho.  Divertiu-se muito, quando um de seus sobrinhos, em uma prova, respondeu que o masculino de nora era noro.  Claro que a professora considerou a resposta errada.  Mas ele ficou bravo, dizendo que sua tia tinha dito que era assim. Lá foi sua cunhada resolver o problema com a professora, explicar direitinho a história. Vovó riu muito quando soube do sucedido. E como sempre, não disse nada. Continuou com aquele sorriso maroto de sempre.

Época de faculdade, dia de prova, matéria difícil, pouco estudo e lá estava ela a olhar a prova do outro, que fez cara de poucos amigos. No intervalo, reclamou com ela, que disse que ele não se preocupasse, pois ela era surda do ouvido esquerdo e que também não enxergava com o olho esquerdo. E assim sendo, nunca poderia “colar” dele. Ele se desculpou e a história durou três anos, até que finalmente ela resolveu contar que tinha inventado tudo. E como sempre, continuou com aquele sorriso maroto.

E uma vez, quando uma amiga perguntou por outra, que não via há muito tempo. Mais que depressa respondeu que ela tinha casado com aquele primo solteirão, e a que estava sempre viajando, conhecendo o mundo, aproveitando a vida. O tempo passou, e um dia, numa conversa, a mesma amiga perguntou se a outra estava bem, e se ainda viajava muito. E com aquele mesmo sorriso maroto, minha avó disse que não sabia de nada disso. Mas você falou que ela...  Coisas de vovó inventadeira.

 Tudo bem, mas quantos anos você tem? Você falou, falou e não disse.

Ah criança, disse-me ela, eu tenho a idade que aparento ter. Nem mais, nem menos.

E agora, pensei. Se eu disser que ela tem mais de trinta anos, que já é uma balzaquiana, como diz minha mãe, talvez ela não goste, e se eu disser que ela tem uns vinte anos, poderá pensar que estou debochando dela.

Ufa! Melhor deixar para lá. Essa neta inventadeira ainda dará um nó em minha cabeça. Melhor ir jantar. Hoje sinto que não devo esperar minha mãe chamar.

Ou não?