Introdução à Kabbalah

O momento do contato é, às vezes, o ponto de transformação da vida de uma pessoa, por isso deve ser tratado com enorme cuidado. De repente, se abre uma nova dimensão, um modo completamente diferente de se olhar a vida. Pode ter o efeito mais abrangente para o bem ou para o mal, dependendo da maneira que é apresentado pelo contato, e recebido pela pessoa. Embora o momento em si possa ser um lampejo de reconhecimento do que está sendo revelado, a preparação para isto se estende por um longo tempo. Algumas pessoas levaram quase uma vida inteira para atingir tal momento, enquanto outras podem ter sido obrigadas a passar por experiências intensas, nas quais muitas lições foram condensadas. Assim sendo, quando o contato chega ao ponto da revelação, deve existir uma possibilidade bastante certa de que esteja sendo recebido de maneira correta.

Se as pessoas são informadas da realidade dos outros mundos antes de estarem preparadas, isso pode atrasá-las por muitos anos. Este fato não pode ser enfatizado o suficiente para a pessoa de contato. Muitas pessoas impetuosas, durante o estágio de “lua-de-mel” com o Trabalho, são entusiásticas em transmitir o que aprenderam, e a operação se transforma em projeção e conversão, em vez de indicar e introduzir o candidato à visão esotérica da Existência. Tome o caso da jovem que questionava o significado de sua vida e por que era tão infeliz. Foi interrogada por um homem que possuía alguma habilidade psíquica, mas pouca compreensão das pessoas, e que pensava poder ajudá-la mantendo-a sob disciplina. O que ele conseguiu fazer foi despertar seu antagonismo a figuras autoritárias, e uma alma de extrema sensibilidade foi afastada por muitos anos da possibilidade de resolver seus problemas.

A introdução ao conhecimento superior deve ser feita com extremo cuidado. Para alguns, por exemplo, a idéia de reencarnação é inaceitável, como é a idéia de Seres angélicos. Escutar o mundo físico é o menos importante é uma ameaça para os orientados pelos sentidos, e também não é estritamente verdadeiro. Muitas pessoas despreparadas têm sido dissuadidas por serem informadas de que suas vidas são uma ilusão e que estão dominadas pelos seus desejos; e não poucos sentiram repulsa pela conversa de vendedor do contato, de que o seu professor é um milagreiro onisciente. Muitos contatos em potencial perderam a oportunidade de transmitir o que aprenderam porque estavam mais envolvidos com o que poderiam dar do que com o que o candidato necessitava. Este é um dos primeiros testes, dos muitos que virão para provar que realmente se conhece o que é a Kabbalah.

Considere a seguinte analogia. O contato é uma garrafa de champagne. Está cheia e sob a pressão da fermentação. O candidato pode ser um copo que está vazio, pela metade ou cheio até a borda com todo tipo de experiências e idéias. Primeiro, o contato deve avaliar se o candidato está pronto para receber o que ele tem a oferecer. Se a pessoa estiver vazia, isto pode ser possível, mas correria o risco de eliminar a individualidade que esta pessoa possue, como às vezes acontece quando alguém adota uma identidade tão necessária. Isto poderia ser desastroso. Tais pessoas necessitam receber um pouco de cada vez, para que possam absorver de acordo com seu próprio ritmo e torná-las verdades próprias. Contatos inexperientes que explodem de efervescência devem se refrear diante dos aparentemente convertidos com facilidade, porque quando o entusiasmo inicial se estingue, o oposto se estabelece, e o candidato em potencial recua com rapidez, com uma dose excessiva de fermentação espiritual e uma conexão rompida que pode levar um longo tempo para se restabelecer, se de todo o fizer.

A situação do candidato quase cheio é um problema totalmente diferente. Tal pessoa pode possuir uma mixórdia de idéias confusas, ou uma compreensão meio digerida de assuntos espirituais que não têm uma ordem coerente. Pode gerar um desentendimento crítico quando introduzido a certos conceitos como “Faça o que pensa ser certo” (mesmo que isto cause sofrimento a outros), ou “Posso evitar o karma me isolando da vida”. É possível que indivíduos agindo assim sejam psicóticos, pois se utilizam de idéias espirituais distorcidas para intensificar sua fantasia pessoal. Tais pessoas são muitas vezes impressionantes porque exploram em alto grau um aspecto de suas psiques, mas à custa de outras partes de si mesmos. O fanático religioso é assim. Em contraste, há a pessoa quase cheia que está extremamente confusa, embora possua um sentido de espiritualidade, mas não um esquema global ao qual relacionar sua experiência. Foi dito que deve-se ter um pouco de ouro para se fazer mais ouro, e algum conhecimento de temas esotéricos é muito útil, se não houver se tornado cristalizado em um conjunto de crenças rígidas. Esta situação é muito comum entre os candidatos educados. Se estiverem em um estado receptivo, essas pessoas serão capazes de integrar o que lhe está sendo concedido.

A pessoa de copo cheio é a mais difícil de se travar contato. Em geral, acreditam que sabem tudo, e assim, há muito pouca possibilidade de se ter acesso a elas. Esta espécie de indivíduo é, muitas vezes, encontrada entre os estudiosos, especialmente os que estudam assuntos esotéricos por profissão ou na forma de um passatempo. Como se espera, muitos sacerdotes e rabinos se encontram nesta categoria, como também (devo acrescentar) escritores, e os que estudaram durante toda a vida um determinado sistema. Não significa dizer que todos os deste tipo serão inacessíveis, apenas os que cultuam um sistema em si, ou dependem dele como meio de subsistência. Em geral, as pessoas deste tipo não buscam ajuda, mas alguns que compreendem que a fortaleza que reverenciam não tem conexão com a Terra ou com o Céu, chegam a uma crise maior. Isto se mostra na maneira pela qual devem encarar que todo o seu conhecimento não os conduz a parte alguma. Observamos isto no caso de um dignitário de Oxford que, apesar de sua enorme biblioteca de livros importantes, não vê motivo para ler mais, ou do atleta que tendo ganho todas as medalhas possíveis não encontra nada para fazer depois, uma vez que todo o seu tempo foi dedicado a vencer. Essas pessoas, embora estando saturadas, percebem um vazio em suas vidas e podem, no momento certo, ser introduzidas em outra dimensão. A maioria dos copos cheios são inacessíveis, mesmo sob pressão bem-intencionada do fanático sutil e conhecedor, o qual pode apenas fazê-los se refugiarem ainda com mais convicção em suas conquistas.

O método de abordagem de um contato deve ser planejado para as condições do momento. Não existe procedimento preconcebido, senão responder à situação como ela realmente aparece. Não se deve projetar nada que possa frustrar o fluxo do Céu para a Terra, pois não estamos lidando com um simples caso de colocar alguém aproximadamente de acordo com as nossas idéias, mas agindo de acordo com um princípio maior que o do ego. O pré-requisito de todos estes encontros entre um candidato e um contato é que o contato viva no momento presente. Logo que a necessidade se apresentar em um candidato, o contato deve se tornar bastante alerta. Isso significa ver e escutar qualquer indício da palavra e do gesto para determinar quão verdadeiro é o sinal que está sendo dado. Se for o correto, depois de ser testado por sugestão e implicação, então a idéia apropriada poderá ser introduzida. Isto pode ser relacionado ao tópico discutido, ou ao que está aparentemente surgindo da conversa. Poderia ser um sensível pintor buscando um sentido espiritual na arte, ou um homem no bar olhando para o significado cósmico da política. Tais conversas podem acontecer durante um caso amoroso, quando o coração se abre, ou em um funeral, quando a morte é fato. A peça fundamental é uma preocupação maior, ou a investigação de uma visão mais profunda das coisas.

A reunião é realizada no instante em que o candidato compreende que o contato não está falando pessoalmente, mas de um outro nível, que coloca a discussão em um contexto maior. De repente, há um fluxo no qual o contato faz a conexão para o candidato com os mundos superiores. Muitas vezes acontece uma mudança distinta na atmosfera e nos humores, e todo o intercâmbio muda de dimensão, enquanto o candidato, de fato, experimenta uma expansão de consciência. Isto é devido ao fato de que o contato atua como um elo, através de seu grupo ou escola, aos vastos recursos da Tradição. O que quer que seja dito, se for transmitido sem a interferência do ego, passará diretamente através do Self do contato para o Self do candidato, que, se estiver no estado correto, imediatamente reconhece o que está sendo dito como uma verdade auto-evidente. Isto não significa apenas um argumento convincente, ou uma elucidação eloqüente, mas reconhecimento direto da realidade por trás do que está sendo transmitido. Tal comunicação nem sempre é articulada. Pode ser demonstrada por um gesto, ou olhar que desperta o candidato para aquela outra realidade. Buda apenas olhava para certas pessoas para que elas compreendessem sua situação verdadeira, e isto realmente pode acontecer, mesmo com o mais humilde e não-sofisticado dos contatos, se estiverem centradas corretamente em si mesmas.

O que está sendo transmitido sempre possui uma dimensão cósmica, no sentido de que, embora seja profundamente pertinente àquele indivíduo, também estende o que está acontecendo até um ponto muito distante. Se não for realizado com cuidado, amedronta o candidato que pode, como em certo caso, se tornar cônscio de seu próprio mentor espiritual na sala. Tal espantosa experiência faz com que a pessoa volte para o mundo físico, como João fez, ao descer do pé de feijão depois de ter visto o mundo superior. Cortou, então, a conexão quando derrubou o pé de feijão para impedir o mundo sauperior de entrar no reino do ego. Se for corretamente dirigido, o candidato deve se fazer a pergunta do que fazer com esta experiência, e para onde ir a partir daí. Este é o momento em que o contato começa a compreender que realizar esta conexão para uma pessoa significa assumir a responsabilidade de trazê-la com segurança para o Trabalho, caso queira vir. Pois embora alguns indivíduos busquem uma compreensão mística, apenas poucos desejam segui-la. O contato aqui deve ser cauteloso, e apenas convidar o candidato ao grupo se um interesse em trabalho sério no desenvolvimento espiritual for manifestado com suficiente intensidade. Como disse um grande kabbalista: “Muitos são chamados, mas poucos são escolhidos”. O que significa “escolher” a si mesmo, que é uma coisa que só o próprio candidato pode fazer.