Introdução à Ciência Política *1

Introduction the Science Political

Emanuel Isaque Cordeiro da Silva - Instituto Federal de Pernambuco campus Belo Jardim

A política nasceu com a formação do Estado, com a imposição de uma ordem assimétrica, baseada em leis e no seu uso coercitivo, assegurando privilégios a uns poucos e muito trabalho para a imensa maioria dos habitantes de um dado território ou de uma cidade. Como já foi visto acima, a expressão Estado surgiu no século XIV e se consolidou no século XVI, principalmente em razão da primazia cultural que a Itália renascentista tinha em relação ao resto da Europa. É mais aplicável à organização política que nasceu no período acima referido, o Estado moderno, absolutista ou nacional.

Não obstante, Estado, inclusive com maiúscula, é gênero, representando o tipo de organização política com poderes para se relacionar, no plano internacional, como soberano, e no plano interno, como entidade superiora e somatório das vontades dos habitantes do seu território, com competência para fazer a lei e impor sua execução. Nesse sentido, pode-se considerar como Estados as organizações como a Jericó de dez mil anos até o atual Palau, com alguns atóis no Oceano Pacífico e dezessete mil habitantes.*2

Com o Estado nasceu a política, a forma de interpretar suas relações internacionais e sua supremacia interna, bem como outros aspectos correlatos, todos ligados à forma dele se impor, através de leis escritas e da força das armas, se preciso for, mas, de modo geral, agindo através do consenso. A lei escrita de cada um desses Estados que apareceram na história, desde os dez mil anos acima, deve ter suscitado seus comentadores e exegetas e, com eles, a política. O domínio da política, ainda que definível e limitado, tem relações constantes com outros campos do conhecimento humano, como a sociologia, o direito, a economia, a filosofia, a educação e outras áreas. De modo que o conhecimento político não é estanque, mas dinâmico e criador de novas situações e áreas de interesse.

Na verdade, com os gregos, veio o estudo mais profundo da política, mas ainda influenciável por outras áreas. HERÔDOTOS (479/84-420 a.C.), TUCÍDIDES (460/55-400 a.C.) e POLÍBIO (200-125/0 a.C.) eram historiadores, enquanto PLATÃO (428-348 a.C.) e ARISTÓTELES (384-322 a.C.) tratavam da filosofia, e SÓFOCLES (464/9-496 a.C.) escrevia dramas, todos incidentalmente em suas preocupações falaram de política, mas não foi este o objeto principal de seus escritos. O mesmo se deu com TOMÁS DE AQUINO (1225-1274), voltado para a religião e a filosofia, mas usando por base o pensamento aristotélico.

O conhecimento da filosofia tem por base um critério de aferição de verdade por meio de entendimento dedutivo e, não, por verificação empírica. Por outro lado, está preocupado com a justificação e, não, com a explicação. Por fim, tem a valorização como fundamento. O conhecimento filosófico, desse modo, preocupa-se mais com questões gerais e problemas de valor. Existe, desse modo, uma escolha pessoal. Assim, podem ser descritos os autores acima citados, como responsáveis por filosofia política.

Já a teoria, tem aspecto de doutrina, que tem uma importância superior à mera opinião ou discurso ideológico. Na teoria, o pensamento está mais organizado e sistematizado, oferecendo uma fundamentação mais sólida e consistente. Pode-se dizer que é momento intermediário, entre a filosofia e o rigor da ciência.*3 MAQUIAVEL (1469-1527) foi o responsável pela mudança da análise política, mais dirigida à verdade, seja qual fosse, mas tendo como métodos, apenas, o uso da história e das observações pessoais. Como ele, mesmo que em contexto diferente, também LA BOÉTIE (1530-1563) estava preocupado em escrever com base na veracidade, mesmo que sem o cinismo italiano, pelo contrário, com muito ardor e voluntariedade, contra o Estado absolutista.

Os pensadores seguintes estavam voltados para a análise política através da afirmação da existência de um contrato social que legitimava o Estado, como HOBBES (1588-1679), LOCKE (1632-1704), ROUSSEAU (1712-1778) e JEFFERSON (1743-1826). Os autores acima, ainda que contratualistas, tinham diferentes nuances e fundamentações teóricas. Não obstante, afirmaram-se como um marco do pensamento político, que vai coincidir com uma época posterior de constitucionalização do Estado, reflexo do contrato social apregoado. MONTESQUIEU (1689-1755) não foi um contratualista, mas foi autor da mesma época e com algumas ideias comuns aos outros.

O pensamento liberal, também com suas particularidades e escolas, afirmou-se como uma forma de interpretar o Estado representativo, a partir de uma análise aparentemente empírica, com BENTHAN (1779-1831), os autores de O Federalista (1787-1788), TOCQUEVILLE (1805-1859) e STUART MILL (1806-1859). A preocupação destes autores voltou-se para o estudo de tipo de organização política, que o Estado absolutista passou para um regime liberal-democrático, baseado na ampliação do sufrágio e na garantia de instituições públicas sólidas e organizadas através do sistema de freios e contrapesos.

Surgiu, como variante do pensamento liberal, autores voltados para o estudo ou a prática de desobediência civil, inicialmente com THOREAU (1817-1862), movimento consolidado pelas personalidades políticas de GANDHI (1868-1948), responsável pela independência da Índia, e KING (1929-1968), líder da campanha por direitos civis dos negros norte-americanos. Na segunda metade do século XX, a desobediência civil tornou-se um meio comum de se fazer política, instrumento quando todos os outros meios institucionais falham para resolver uma crise política.

Os métodos empírico e racionalista passaram a ser questionados através da dialética, que foi a principal contribuição de HEGEL (1770-1831). Dessa tradição, ainda que com suas especificidades, formou-se o marxismo, que analisava a política como um conhecimento menor, porque atinente apenas à superestrutura, quando os fatos concretos ocorriam na base. Assim, MARX (1818-1883), LÊNIN (1870-1924) e GRAMSCI (1891-1937) foram os mais importantes autores desta corrente de pensamento, ou “doutrina”, como pela agitação política. O pensamento marxista, não obstante, pretendia-se como verdade provável, através do materialismo histórico. Já HABERMAS (1929), último representante da Escola de Frankfurt, é um marxista crítico, com novas preocupações analíticas, em especial com a questão da comunicação.

A outra grande vertente do pensamento, no século XX, veio de WEBER (1864-1920), que foi colocado como a antítese ao marxismo. Teve como seguidor ARON (1905-1983), profundo pensador Ocidental, que manteve uma polêmica constante com a esquerda. Deve-se registrar, ainda, KELSEN (1891-1973). Não pode ser colocado neste grupo FOUCAULT (1926-1984), que teve uma preocupação mais voltada para o estudo do poder visto a partir das individualidades e, não, como uma grande forma de interpretar a realidade.

Todos os autores acima mencionados vão ser objetos de um estudo nos capítulos seguintes, não foram cientistas políticos, mesmo porque a maioria das preocupações teóricas estava em outras áreas do conhecimento humano, como filósofos, economistas ou sociólogos. A escolha dos mesmos seguiu uma tendência geral nesse tipo de coletânea, mas com particularidades, que teve suas preferências em termo de exposição de autores de estudos sobre a política. Existe, ainda, uma multiplicidade dos métodos de análise do fenômeno político, tanto quanto ao materialismo histórico, como ao racionalismo-dedutivo e ao empirismo, bem como outros métodos próprios das ciências sociais.*4

Essa situação não agrada aos cientistas políticos, principalmente da tradição inglesa e norte-americana. Os cientistas políticos que lutavam pela afirmação de uma ciência política pelo uso de métodos das ciências naturais, tinham como objetivo estabelecer a autonomia da disciplina, como uma ciência empírica, contrapondo-se à filosofia política e à teoria política.*5 Para estes autores, houve um empobrecimento da teoria política, resultante da tradição da análise histórica. Havia, assim, uma atividade parasitária de culto aos pensamentos clássicos, sem uma preocupação com a atualidade e seus problemas.

Apesar da necessidade do rigor científico e da busca de cientificidade nas ciências sociais, a exclusão do pensamento político, como filosofia ou teoria, tem um cunho pejorativo, que não o merece. As instituições políticas foram desenhadas não só pelos movimentos políticos, mas também pela influência do pensamento político, ao longo da história. A cientificidade esbarra na impossibilidade de reprodução do fenômeno político, condição necessária para a verificação empírica, ou seja, de descrever o porvir.*6 Contudo, nada impede que haja um uso rigoroso de método e de busca de comprovação de hipótese. Nesse sentido, se pode falar em ciência política, como um conhecimento rigoroso, que sem dúvida abarca os teóricos da política, desde MAQUIAVEL, mas também os pensadores anteriores, da filosofia política.

Ciência Política, acima de tudo, é uma obra destinada para o estudo inicial, principalmente quando voltado para os pensadores políticos e, não, quanto às suas instituições, talvez mais próprio na disciplina Teoria do Estado. Não existe um curso de graduação específico de ciência política, sendo, ou uma área de concentração, nos cursos de ciências sociais, ou disciplina nos cursos de direito, de economia, de filosofia e de diversos outros. Trata-se de conhecimento essencial para a compreensão do presente e das novas questões institucionais, que esta obra pretende introduzir.

​​​​​​Notas: 

*1: In: In. COSTA, N. N. Ciência Política. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. Cap. 1. pp. 40-5.

*2: Almanaque Abril. 35ª ed. São Paulo: Abril, 2007, pp. 320-1.

*3: “Em resumo, devemos fixar três pontos. Primeiro: ainda hoje, ao longo do contínuo cujos extremos são conhecidos pelos tipos ideais ‘filosofia’ e ‘ciência’, encontramos teorias políticas que não podem ser reduzidas a um ou a outro, embora se aproximem mais de um deles. Segundo: de qualquer forma, haverá sempre, entre a filosofia e a ciência, uma zona intermediária ocupada quando menos pelas ‘doutrinas políticas’. Terceiro: teorias, doutrinas e ideologias mantêm entre si, sobretudo, uma ordem hierárquica, que vai de um máximo a um mínimo de valor cognitivo e, inversamente, de um mínimo a um máximo de valor voluntarista” (SARTORI, Giovanni. A Política. 2ª ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1997, p. 183).

*4: “O estudo dos fenômenos sociais sofre do impasse geral a que chegaram as ciências sociais. De fato, estas estão, por um lado, ancoradas persistentemente no modelo fisicalista e uma ciência baseada na experimentação; por outro, diante da ausência deste caráter experimental, navegam num mar de relativismo e de ceticismo metodológico. Desde que o modelo fisicalista sugere a reprodução do fenômeno como base do conhecimento científico e desde que esta reprodução parece impossível, a conclusão a que se chega é que, sendo o objeto das ciências sociais um sujeito, torna-se inatingível um conhecimento objetivo” (CERRONI, Umberto. Política. São Paulo: Brasiliense, 1993, p. 55).

*5: GUNNEL, John G. Teoria Política. Brasília: Universidade de Brasília, 1981, p. 7.

*6: “Ora, basta admitir que tudo é histórico para que esse problema se torne, ao mesmo tempo, evidente e inofensivo; sim, a história não é senão respostas a nossas indagações, porque não se pode, materialmente, fazer todas as perguntas, descrever todo o porvir, e porque o progresso do questionário histórico se coloca no tempo e é tão lento quanto o progresso de qualquer ciência; sim, a história é subjetiva, pois não se pode negar que a escolha de um assunto para um livro de história seja livre” (VEYNE, Paul. Como se Escreve a História e Foucault Revoluciona a História. 4ª ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1998, p. 37).

Emanuel Isaque Cordeiro da Silva - técnico em agropecuária pelo Instituto Federal de Pernambuco. Normalista pela Escola Frei Cassiano Comacchio. Tem interesse acadêmico e pesquisa acerca da filosofia e ciência política.