INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ DE FETO ANENCEFÁLICO: Aborto ou Antecipação Terapêutica?
Por alberto rachid trabulsi sobrinho | 29/05/2013 | DireitoINTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ DE FETO ANENCEFÁLICO:
Aborto ou Antecipação Terapêutica?
Alberto R. Trabulsi Sobrinho [1]
Marcos Antônio C. Caminha[2]
Sumário: Introdução; 1 Aborto: o crime no tempo ; 2 O que é anencefalia; 3 Aborto de feto anencefálico; 4 A matéria observada pelo Supremo Tribunal Federal: ADPF 54; 5 Correntes do pensamento jurídico a respeito da legalidade da antecipação terapêutica; 6 Correntes do pensamento jurídico a respeito da ilegalidade da antecipação terapêutica; Conclusão. Referências.
Aprendi que uma vida não vale nada, mas também que nada vale uma vida
(André Malraux)
RESUMO
Analisar-se-á com este trabalho o polêmico tema do aborto anencefálico sob o foco da criminalização ou não de tal procedimento. As divergências que pairam sobre o assunto são muitas e abarcam o Direito, a doutrina jurídica, a medicina e a sociedade como num todo. Mostraremos a seguir as concepções que definem e circundam o tema, bem como, as correntes contra e a favor da interrupção da gravidez por inviabilidade de vida futura do feto que padece da anomalia anencefálica.
Palavras-chaves: Vida. Aborto Anencefálico. Antecipação Terapêutica.
INTRODUÇÃO
O aborto é um tema de discussão polêmica, decerto, pois envolve a semente de toda a sociedade e de toda história ou de qualquer ordenamento: o direito a vir ao ambiente em que o homem vive. O direito a viver. Não há liberdade, não a propriedade, não há dignidade da pessoa humana se não houver vida.
Quando imaginamos possível interromper a vida com argumentos tecnicistas, metafísicos, culturais ou legais, estamos, na verdade, tentando encontrar um viés que pacifique aquilo que se colide ante toda existência: vida e morte. Antes de se ser vida, nada existe, bem como, para depois, só a morte.
O embate do aborto de fetos anencefálicos reside na busca de um entendimento que dê uma resposta satisfatória à sociedade, porque é no seio desta que as situações se entrelaçam e requerem amparo do Direito ao mesmo passo que anseiam certo equilíbrio pautado em princípios sobremaneira constitucionais e no claro viés da religião.
Divergem-se os argumentos, os doutrinadores, a jurisprudências, os posicionamentos da sociedade enquanto a necessidade de interrupção da gravidez quando o feto padecer de uma anomalia que inutiliza e torne inviável a vida independente da gestante.
Uns consideram apenas um procedimento terapêutico que, por não ser agasalhado pelo ordenamento brasileiro, seria fato atípico, ou seja, excluso de punibilidade. Defendem ainda, alguns, a idéia de que a saúde da gestante se sobrepõe ao do feto inviável.
Outros, em outro sentido, afirmam a inviolabilidade da vida assegurada como preceito fundamental e metaprincípio da Constituição brasileira de 1988.
Decerto há uma colisão. É o que tentaremos esclarecer e, até mesmo chegar a um posicionamento ao final deste estudo.
1 ABORTO: O CRIME NO TEMPO
Sobre um contexto histórico a prática do aborto passou um longo lapso de tempo não configurando um ato ilícito ou incriminável. Predominando assim certa indiferença, pois se considerava o feto apenas uma parte integrante da gestante e deixando-se, assim, a seu critério qualquer decisão a respeito de sua gravidez.
Com o desenrolar dos tempos, a visão sobre a prática do aborto foi ganhando novos ângulos e novas perspectivas.
“O aborto passou a ser considerado como uma lesão ao direito de paternidade e sujeito de às penas cominadas ao venefício. Sua incriminação foi justificada pela frustração das expectativas paternas quanto à sua descendência.” (PRADO, 2005, p. 108)
Com o advento do cristianismo o aborto ganhou um grau de reprovação nunca dantes alcançado, posto que passou a ser entendido como um atentado a vida de um ser humano e, ao feto, não imperava mais a idéia de ser apenas uma simples parte da mulher. Equivalendo, desse modo, o aborto ao homicídio.
“À proporção que as idéias filosóficas, com os seus reflexos sociais e jurídicos, iam acentuando a importância a ser concedida ao homem em atenção a ele mesmo, mudava a opinião sobre a natureza do feto, passando da concepção de simples porção do corpo da gestante à posição de um ser autônomo, com vida própria, apenas transitoriamente ligado, pelas deficiências de uma fase da sua evolução, ao organismo materno. É como ser humano que as legislações penais entendem hoje a sua proteção sobre o feto.” (PRADO, 2005, P. 103)
Em muitas legislações atuais, bem como a do Brasil, o aborto em sua generalidade é crime. Nosso Código Penal o acolhe como ilícito em seus artigos 124 (provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque), 125 (provocar aborto, sem o consentimento da gestante) e 126 (provocar aborto com o consentimento da gestante). Encontrando ainda na mesma codificação, qualificação para o ato no art. 127.
Existem ainda duas possibilidades de o aborto praticado por médico não serem punidas. Assevera o art. 128 do atual Código. Primeira: se não há outro meio se salvar a vida da gestante; segunda: se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
O direito tutela a vida do ser humano. Mais restritamente a do que está em estágio embrionário e mais largamente, nos casos de abortos por terceiros, a integridade física e psíquica da gestante.
Cezar Roberto Bitencourt ressalta duas particularidades intrínsecas a este tipo de delito, relacionando-as ao objeto e ao tempo do crime.
“Relativamente ao objeto, não é a pessoa humana que se protege, mas a sua formação embrionária; em relação ao aspecto temporal, somente a vida intrauterina, ou seja, desde a concepção até momentos antes do início do parto.” (BITENCOURT, 2008, P. 159)
Para o referido autor não há ainda de se falar em crime contra a pessoa humana nessa modalidade, entretanto, o direito elege autônomo o fruto da concepção, feto ou embrião, com vida própria e, por isso mesmo, merece amparo da ordem jurídica.
2 O QUE É ANENCEFALIA?
Diz-se anencefalia uma má formação fetal incompatível com a vida. Uma ausência de elementos cerebrais indispensáveis para o desenvolvimento do feto e de uma sobrevida pós-parto. O nome anencefalia pode denota ausência total de cérebro, mas não é bem nisto que consiste esta deformidade fetal. A deficiência é de grande parte do cérebro, contudo, imprescindíveis para a sobrevivência.
“O feto anencéfalo apresenta ausência dos hemisférios cerebrais em virtude de um defeito de fechamento do tubo neural, mais especificamente relativo à porção superior do referido tubo, que não se fecha, ocasionando que fique exposto, na maioria dos casos, o tecido cerebral restante. Normalmente apresenta anomalia facial e pode desenvolver defeitos cardíacos. Em uma linguagem mais coloquial, como a cabeça não se fecha e o cérebro não se desenvolve, o feto apresenta um profundo achatamento da cabeça, o que desfigura sua face”. (ANIS, P. 91)
Para a medicina o feto acometido dessa deficiência é tido com natimorto cerebral, posto que não possui elementos essenciais do cérebro, sejam, hemisférios e córtex. A ciência não esclarece precisamente o que causa este tipo de anomalia fetal, mas expõe uma gama de fatores de riscos que, possivelmente, podem contribuir para este efeito na vida intrauterina.
“Como causas de tal problema podem ser apontadas anormalidades genéticas, fatores ambientais, entorpecentes, enfermidades metabólicas, interação de fatores genéticos e ambientais e deficiências nutricionais e vitamínicas, especialmente a baixa ingestão de ácido fólico.” (Fernandes, 2010, p. 03)
É possível também que o consumo de álcool e tabaco, bem como, o tempo da gravidez, esteja relacionado com o risco de a gestação apresentar problemas dessa natureza anômala.
3 ABORTO DE FETO ANENCEFÁLICO
Não há de se falar em aborto propriamente dito nesse caso. Uma nomenclatura mais condizente seria a interrupção da gravidez por procedimento terapêutico. Isto porque, pode-se confundir o procedimento com as hipóteses do art. 124 do Código Penal, posto que, a hipótese do procedimento não é abarcada pela legislação brasileira e a confusão nominal poderia remeter a crime o ato que, pra maioria da doutrina, é atípico.
Delmanto corrobora com essa idéia:
“Tendo em vista que o CP não disciplina expressamente essa prática, entendemos que, nesses casos, excepcionais e gravíssimos, poderá restar configurada causa supra legal de exclusão de culpabilidade pó inexigibilidade de conduta diversa.” (DELMANTO, 2010, p. 470)
A corrente doutrinaria em sua maioria, ou mesmo os julgados dos tribunais brasileiros, têm se reclinado a esse ângulo sobre o qual a tese de isenção de culpabilidade se sustenta, inclusive para terceiros que participem do ato de abortamento, melhor dizendo, do procedimento terapêutico.
Mestre em ciências criminais, Anelise Tessaro apóia a tese supracitada:
“A interrupção de gestação de fetos inviáveis se trataria de uma conduta penalmente justificada, seja pelo enfoque constitucional ou pela aplicação analógica das excludentes de ilicitude, atualmente pode-se entender que a conduta é atípica, por não corresponder ao tipo material e ao bem jurídico tutelado no delito de aborto. Em outros termos, o pressuposto jurídico do aborto e resguardar o feto para que este possua condições de se desenvolver e nascer com vida. Mas se tratando de feto inviável, após o termo da gestação, não haverá vida a ser tutelada pelo legislador penal.” (TESSARO, p. 70)
Luiz Regis Prado classifica o procedimento como indicação eugenésica ou eugênica e também apóia a ideia de, por não ser essa indicação agasalhada pelo legislador brasileiro, o procedimento poderá ser admitido quando o feto ou embrião apresentem anomalias genéticas decorrentes da gravidez e estes representem riscos de inviabilidade da vida extrauterina.
O referido autor transcende ainda a idéia única de atipicidade:
“Em princípio, trata-se de causa de exclusão de culpabilidade, pela inexigibilidade de conduta diversa. Demais disso, argumenta-se que não se pode exigir que a mãe dedique sua própria vida a cuidar de alguém portador de graves anomalias. Confere-se pois, preponderância ao interesse materno de preservar a própria saúde ante a vida do nascituro, despojadas das garantias mínimas do bem-estar. ( PRADO, 2005, P. 118)
Um aspecto interessantíssimo é abordado por Cezar Bitencourt. Ressalta o autor que a conduta, antes de tudo, deve ser uma faculdade da gestante, ou seja, se esta não quiser fazer o procedimento antecipatório, poderá, sem que lhe cause nenhum dano à saúde, optar pela gestação completa e arcar com as conseqüências psíquicas posteriores. Caso não queira, não precisa ser submetida aos rigores de uma lei penal.
Decerto é uma visão humanista e, embora possa parecer incongruente, que evidencia o metaprincípio dignidade da pessoa humana.
“apenas, se preferir, a gestante poderá aguardar o curso natural do ciclo biológico, mas, em contrapartida, não será “condenada” a abrigar dentro de si um tormento que aniquila, brutaliza, desumaniza e destrói emocional e psicologicamente, visto que, ao contrario de outras gestantes que se preparam para dar à luz a vida, rigozijando-se com a beleza da repetição milenar da natureza, afoga-se na tristeza, no desgosto e na desilusão de ser condenada a – alem da perda irreparável – continuar abrigando em seu ventre um ser inanimado, disforme e sem vida, aguardando o dia para, ao invés de brindar o nascimento do filho como todas as mães sonham, convidar os vizinhos para ajudá-la a enterrar um natimorto, que nunca teve chance alguma de nascer com vida.” (BITENCOURT, 2010, P. 171-172)
4 A MATÉRIA OBSERVADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: ADPF 54
A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, por meio de Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, requereu junto a Suprema Corte brasileira a possibilidade de legalização/liberação da antecipação terapêutica no país.
A presente ação, advogada pelo singular Luis Roberto Barroso, tem como norte a possibilidade de que os fetos anencefálicos não são viáveis. Assim, a ordem constitucional deveria abarcar, segundo os princípios constitucionais, a idéia de que a antecipação terapêutica fosse uma prática regularizada no Brasil. Reconhecendo assim o direito subjetivo da gestante em dispor sobre o feto que não possuirá, segundo o autor, vida terrena.
Cumpre-se ressaltar que a presente ação trás algo muito relevante no pedido: a não necessidade de autorização prévia do Poder Público para a realização deste procedimento, configurando assim um tratamento médico-hospitalar como qualquer outro.
5 CORRENTES DO PENSAMENTO JURÍDICO A RESPEITO DA LEGALIDADE DA ANTECIPAÇÃO TERAPÊUTICA
A antecipação terapêutica é vista no meio jurídico, ainda, com ressalva, pois de inicio não há qualquer previsão legislativa no sentido de legalização desta prática médica no país. Assim, a ADPF 54, terá importante papel no que tange a interpretação da Constituição da República. O ponto de partida utilizado para argumentação do provimento é que esta prática iria observar, principalmente, a dignidade da pessoa humana da gestante que gera um feto inviável. Os principais argumentos ressaltam-se:
1) Inexigibilidade de conduta diversa
Como é sabido o Direito Penal brasileiro adota a figura do homem médio para pautar as relações jurídicos penais estabelecidas na nossa sociedade. Assim, existe uma excludente de culpabilidade que está no sentido de que o homem médio, figura fictícia, não teria como agir de forma diferente. Como assevera Luiz Régis Prado “ Para que a ação do agente seja reprovável, é indispensável que se lhe possa exigir comportamento diverso do que teve.” (2005, p. 446)
Com outras palavras, a gestante não tem outra opção a não ser interromper tal gravidez, pois tal procedimento estará exclusivamente antecipando o futuro do feto. Assim, ela estaria de acordo com a atitude do homem médio, assim a sociedade, por força do Estado não possui condições de exigir conduta diversa da gestante.
2) Preservar a saúde psíquica da gestante
O momento da gestação é caracterizado pela expectativa de não só o aumento da família, mas o aumento da felicidade oportunizada pelo crescimento intelectual e cultural do nascituro no seio familiar. Assim, nos termos do artigo 5º, III: “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante” verificamos que se a mulher for obrigada a levar tal gestação até o fim, inclusive com o parto, ela estará sendo submetida uma prática degradante que inclusive irá implicará um dos fundamentos da República, exatamente o principio da dignidade da pessoa humana.
“O reconhecimento do valor do homem enquanto homem implica o surgimento de um núcleo indestrutível de prerrogativas que o Estado não pode deixar de reconhecer, verdadeira esfera de ação dos indivíduos que delimita o poder estatal” (PRADO, 2005, p. 143)
Assim, a higidez da saúde mental da mulher não é só parâmetro para aplicabilidade da antecipação terapêutica, é também a observação de princípios fundamentais que tutelam uma vida digna.
3) Não há que se falar em aborto, não há vida
Assertiva relevante é de Marco Antônio Becker (2005, p. 75): “Quando a mãe pede para retirar esse feto e o médico pratica o ato, isto não configura propriamente aborto, com base no art. 126 do Código Penal, pois o feto, conceitualmente, não tem vida”. Nesse sentido, o crime é impossível, pois não como matar quem já se apresenta como morto. E, portanto, não teria qualquer conseqüência na área penal. “O emprego de meios ineficazes ou o ataque a objetos impróprios, isto é, a bens jurídicos que não comportam ofensa ou perigo de ofensa, inviabilizam aquele resultado [morte do feto]” (PRADO, 2005, P. 477)
Tal entendimento estaria em desacordo com o entendimento da excludente de culpabilidade, entretanto, coloca-se que este fundamento encontra notável sistematização no direito brasileiro. Assim, ou seria excludente de culpabilidade pois é inexigível conduta diversa da gestante ou o crime seria impossível. Ressalto que o fundamento chegará a mesma solução: uma resolução do sofrimento da mãe e otimização do principio da dignidade da pessoa humana, o que é necessário no presente caso.
4) Não há amparo normativo, mas há amparo principiológico
Coloca-se que a interpretação teleológica do ordenamento jurídico brasileiro exige que a antecipação terapêutica seja realizada. Nesse sentido, em 1940 o legislador não tinha condições de estabelecer tal categoria, pois existia uma limitação tecnológica. Entretanto, percebe-se numa leitura sistemática e teleológica do texto uma propensão do legislador para abarcar casos em que a gestante se coloque em risco, tanto na saúde física, moral e psíquica. Assim, a sociedade evolui, com suas tecnologias e suas novas pretensões, não podemos ficar limitados por um entendimento do legislador, já que este se apresenta defasado há mais de meio século. A cristalização dos direitos já se mostrou demasiadamente falida, e a interpretação dos anseios morais da sociedade deve se sobrepor as categorias do direito.
O direito penal brasileiro, e a Suprema Corte, não podem ignorar que tal procedimento está embasado em fundamento republicano: a dignidade da pessoa humana, assim a interpretação conforme a Constituição privilegia tal entendimento.
A carga principiológica da atual Carta Magna nos impõe o dever de agir de acordo com os valores máximos da sociedade, e assim, é dever analisar tal procedimento como viável para realização da otimização dos direitos fundamentais da gestante.
6 CORRENTES DO PENSAMENTO JURÍDICO A RESPEITO DA ILEGALIDADE DA ANTECIPAÇÃO TERAPÊUTICA
1) Não há que se falar em antecipação, ressalva-se a possibilidade de risco de morte da gestante
A antecipação terapêutica é um eufemismo para a palavra aborto! Assim, não se verifica qualquer diferença objetiva entre o aborto e a antecipação terapêutica. Nesse contexto, muito se discute, erroneamente, os possíveis problemas de saúde que essa gestação pode implicar a mãe, entretanto, o Código penal brasileiro já possui esta previsão, no artigo 128, I. Onde está tipificado a idéia da preservação da vida do mãe em detrimento da do nascituro, desde que esta obstará de alguma forma a plena saúde da gestante.
Assim, a antecipação terapêutica para preservação da mulher já está prevista no Código penal, não cabendo, portanto nova interpretação, pois já tempos um ponto de partida para esta categoria. Ressalta-se que é necessário o laudo de medico competente e prévio consentimento do poder público.
2) Não configura estado de necessidade
O estado de necessidade não pode ser invocado neste caso, pois não possui dois bens conflitantes. Ou seja, o estado de necessidade só é plausível quando existem dois bens jurídicos de igual importância, verifica-se no caso a saúde e dignidade da mãe e a vida do feto. Não há o que se discutir qual bem jurídico é mais relevante para a sociedade, tendo em vista que a vida é o bem jurídico mais imperioso.
Assim, o estado de necessidade, como excludente de culpabilidade, não pode ser invocado, pois não há equilíbrio neste caso.
3) Não há previsão legislativa
A interpretação do código penal brasileiro tem como principio a restrição. Ou melhor, não pode ser feita uma interpretação extensiva em detrimento da vida de alguém, ou do réu. Nesse contexto, a partir da idéia de interpretação restritiva, não há que se falar nessa possibilidade, pois o Legislador não colocou tal hipótese no ordenamento jurídico brasileiro.
Cabe colocar que esta só será resolvida cada haja uma manifestação do Congresso Nacional no sentido de editar norma penal que vise a regulamentação da pratica da antecipação terapêutica, não se promovendo tal conduta legislativa, não caberá postulação, pois haverá uma interpretação que não cabe dentro do direito penal brasileiro.
4) A vida humana é inviolável, artigo 5º, caput.
O rol de direitos fundamentais elencados no artigo 5º da Carta Constitucional é taxativo logo no seu caput quanto a proteção da vida humana, a vida humana é absolutamente inviolável, assim tal procedimento inviabiliza uma otimização do principal direito fundamental positivado no texto constitucional.
“Será que a ‘maioria moral’ pode limitar a liberdade de cidadãos individuais sem uma justificativa melhor do que a desaprovar suas escolhas pessoas?” (DWORKIN, 2005, P. 645). A vida humana não pode ser objeto de deliberação da sociedade, é um direito fundamental, inerente a própria condição de ser e de viver em sociedade. Assim, como se conhece este dispositivo é colocado como clausula pétrea no nosso ordenamento, não sendo passível flexibilização ou medida tendente a aboli-lo, sob pena de vício de constitucionalidade. Nesse sentido, assevera Dworkin: “Nenhum governo é legitimo a menos que demonstre igual consideração pelo destino de todos os cidadãos sobre os quais afirme seu domínio e aos quais reivindique fidelidade.” (2005, p. I)
Cabe ressaltar, portanto, que a vida humana deve ser tratada pelo Estado como um direito absoluto, não passível de qualquer medida flexibilizadora. Pois a “verdadeira igualdade é a igualdade de oportunidades” ( DWORKIN, 2005. P. XI) e assim estabelecer uma tratamento desumano a um ser, é absolutamente impraticável, inclusive se tiver chancela estatal.
CONCLUSÃO
Diante de todos os fatos, argumentos e posicionamentos doutrinários, é de nosso entendimento que a interrupção da gravidez por motivos da inviabilidade de vida futura do feto anencefálico, deve ser encarada como procedimento terapêutico antecipatório, que por sua vez, denota, por falta de conduta diversa, um fato atípico, por isso mesmo, não passível de punição penal. Apoiamos ainda, a ideia de posição privilegiada da gestante, posto que sua dignidade, nesses casos, será observada preponderantemente em relação aos dois sujeitos.
É indispensável, porém, para que o procedimento aconteça, dois fatores que não podem estar desvencilhados: o primeiro, o consentimento, a faculdade de da gestante de quere ou não o procedimento; o segundo: um laudo meticuloso proferido por uma junta médica.
Não nos parece imprescindível que o poder público autorize de antemão o procedimento. O que é suma importância é que o mesmo seja feito por médicos competentes para que a dignidade da mãe seja sobremaneira preservada.
REFERÊNCIAS
ANIS: Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero. (Org.) Anencefalia, o pensamento brasileiro em sua pluralidade. Brasília: Editora Letras Livres, out. 2004, p. 91. Acesso em: outubro de 2010. Disponível em: http://www.medicosecurador.com/sncfetal/articulos/anomalias_2htm.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa. São Paulo: Saraiva, 2010.
DELMANTO, Celso. Código penal comentado. São Paulo: Saraiva, 2010
DWORKIN, Ronald. O domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais: Tradução Jefferson Luis Camargo. Revisão da tradução Silvana Vieira. 2 edição – São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009
DWORKIN, Ronald. A virtude soberana: A teoria e a prática da igualdade: Tradução Juçara Simões. Revisão da tradução Cícero Araújo e Luiz Moreira.– São Paulo: Editora Martins Fontes, 2005.
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Vol. 1: Parte Geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
TESSARO, Anelise. O debate sobre a descriminalização do aborto: aspectos penais e constitucionais. RECCRIM, 2008.
[1] Acadêmico do 4º período de Direito na Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB (albertortrabulsi@hotmail.com)
[2] Acadêmico do 4º período de Direito na Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB (caminha.marcos@hotmail.com)