INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO DO DIREITO TRIBUTÁRIO: ASPECTOS PERTINENTES AO ART. 108 DO CTN

RESUMO

O tema abordado tem como finalidade estudar, inicialmente, sobre as noções gerais acerca da interpretação e integração da lei tributária, bem como suas diferenças, e analisar os métodos de integração contidos no art. 108 do CTN, além de apontar a crítica relacionada a esse método contido no dispositivo, no que diz respeito a hierarquização do mesmo. Nesse sentido, busca-se a princípio entender que a interpretação decorre do que está disposto na lei expressa ou especifica, e serve como forma de auxiliar o intérprete na aplicação da legislação para que este não ultrapasse os limites do que já está disposto no ordenamento. Dessa forma, não havendo a interpretação analisa-se outros meios para sanar as lacunas que possam vir a existir na lei expressa ou específica. Com isso, o presente estudo se faz importante para poder entender de forma aprofundada esse assunto que é de grande relevância para o mundo jurídico no âmbito tributário. De forma que será feito uma análise sistemática acerca do tema proposto, abordando as perspectivas que o mesmo traz para a sociedade.

1 INTRODUÇÃO

Durante muito tempo não havia distinção entre interpretação e integração da norma, no entanto, com o passar dos anos se verificou uma importante diferença entre esses dois elementos, uma vez que a interpretação ocorre em um sentido mais estrito e a integração aparece na falta de uma norma expressa, sendo ambas essenciais ao mundo jurídico como um todo. Com base nisso, o estudo de tais medidas se faz mediante o uso dos artigos do Código Tributário Nacional (CTN) que trata sobre o tema, dando ênfase ao art. 108 do mesmo e suas respectivas implicações.

A legislação tributária elencou de forma diferenciada a vigência, no espaço e no tempo, da norma; a aplicação de acordo com os fatos geradores futuros e pendentes e; as normas de interpretação e integração, sendo que nenhum desses requisitos se fazem de forma distanciada, pois são parte de um processo unitário.  Logo, faz-se importante o conceito que VALE (2013, p. 202) traz no seu trabalho onde afirma que a “interpretação da legislação tributária não se confunde com integração da legislação tributária, embora uma possa completar a outra. A integração da legislação visa possibilitar ao Magistrado ou Autoridade Fiscal utilizar determinados mecanismos para decidir o conflito”, isso se faz devido a ausência de uma norma expressa que visa resolver o caso concreto.

O art. 108 do CTN ao delinear uma ordem de preferência entre os métodos de integração da legislação tributária mostrou-se equivocado em razão da influência direta da legislação italiana na sua elaboração. Sendo assim, é perceptível que a fronteira entre cada um dos métodos é tênue, de forma que se torna ambíguo e contraditório estabelecer regras para utilizá-las.

Além desse aspecto, os princípios jurídicos possuem força normativa conforme a envergadura do neoconstitucionalismo, isso faz com que eles sejam aplicados independente da presença ou não de regras expressas, ou seja, possuem força de lei. Dessa forma, tem-se que o Código Tributário Nacional não admite que o juiz se manifeste no sentido de que a parte é desprovida de determinado direito, devido às várias maneiras de integração de direitos previstas na legislação atual.

Tendo em vista a importância do tema abordado, será demonstrado inicialmente, os conceitos de interpretação e integração da legislação tributária. Fazer um breve levantamento sobre os aspectos essenciais de cada um desses elementos e logo após trazer a diferença entre ambos, expondo de que modo o ordenamento jurídico vigente traz a aplicabilidade de cada um, bem como as incoerências contidas na forma hierarquizada em que o art. 108 do CTN traz na modalidade de integração da lei tributária.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 Noções gerais sobre a interpretação na legislação tributária

Buscando-se entender a norma jurídica, temos que esta na medida em que pode está disposta de forma clara e objetiva, deixando de lado a necessidade de um esforço maior para a compreensão do seu assunto, bem como da sua finalidade, há, muitas vezes a indispensabilidade de tal esforço para que haja uma interpretação correta, clara, e concreta da lei, seguindo-se assim, um corpo de regras inerentes à habilidade de interpretar.

Em relação ao estudo da interpretação da norma tributária, ressalta-se, de início, que o art. 107 do Código Tributário Nacional (CTN) traz que a lei tributária deverá ser interpretada de acordo com o que vem estabelecido no mesmo. Todavia, “a disciplina da matéria nele contida é deficiente e lacunosa, e alguns dos preceitos nem se quer resistem à aplicação dos critérios interpretativos por ele exigidos” (AMARO, 2011, p. 234).

Nesse sentido, afirma-se que a interpretação se traduz um trabalho investigativo, ao qual se busca compreender o pensamento do legislador de acordo com a legislação expressa e específica. Nessa mesma acepção, o intérprete vai buscar descobrir o sentido que o autor do texto (legislador) verdadeiramente produziu.

Conforme SABBAG (2014, p. 675) “interpretar a lei é compreendê-la diante da pletora de significações possíveis que pressupõe, determinando, com exatidão, seu verdadeiro desígnio, ao demarcar os casos todos a que se estende sua aplicação”. Busca-se, portanto, a resolução do caso concreto, a partir do significado explanado do dispositivo quanto aos parâmetros que norteiam vigência, eficácia e validade do tributo.

Segundo Paulo de Barros Carvalho, “a aplicação do direito pressupõe a interpretação e esse vocábulo há de ser entendido como a atividade intelectual que se desenvolve à luz de princípios hermenêuticos, com a finalidade de construir o conteúdo, o sentido e o alcance das regras jurídicas” (2012, pag. 128).  Posto isso, Amaro (2011, p. 234-235) esclarece o assunto da seguinte maneira:

O intérprete deve partir do exame do texto legal, perquirindo o sentindo das palavras utilizadas pelo legislador (na chamada interpretação literal ou gramatical); cumpre-lhe, todavia, buscar uma inteligência do texto que não descambe para o absurdo, ou seja, deve preocupar-se com dar à norma um sentido lógico (interpretação lógica), que a harmoniza com o sistema normativo em que ela se insere (interpretação sistemática), socorrendo-se da análise das circunstâncias históricas que cercaram a edição da lei (interpretação histórica), sem descurar das finalidades a que a lei visa (interpretação finalística ou teleológica).

Além das já citadas, há ainda outra classificação, baseada no resultado da interpretação, podendo ser: extensiva, restritiva ou estrita. Conforme Amaro (2011) a extensiva esclarece aquele conteúdo da lei que não é suficientemente expresso dentro da norma jurídica, ou seja, a lei com a intenção de abranger certa proposição, tem seu texto mal formulado, logo, o aplicador da mesma vai estabelecer tal interpretação.

Além dessa, tem-se a interpretação restritiva, que vem a ser o contrário da extensiva já mencionada, nesse tipo de interpretação verifica-se que a lei aborda mais do que ela realmente queria, dessa forma, segundo AMARO (2011, p. 235) “busca-se extirpar do alcance da norma, as situações que, embora enquadradas na hipótese legalmente descrita, não teriam sido visadas pela disciplina legal”.

Por último se constata a interpretação estrita, esta, além de ter como objetivo buscar o conteúdo da norma, tem também a finalidade de alcança-la sem retirar-lhes nada e nem mesmo acrescentar-lhes, entretanto, deve atentar-se para a possibilidade de que nem sempre o legislador coloca a norma totalmente perfeita, assim sendo, se a lei possuir falhas, a interpretação estrita poderá ser afetada de forma negativa. Diante do exposto, AMARO (2011, p. 234) afirma que:

A regra é justamente a submissão do direito tributário ao conjunto de métodos interpretativos fornecidos pela teoria da interpretação jurídica; por exceção, nas situações disciplinadas expressamente, o intérprete deve procurar (na medida em que isso seja possível) dar preferência aos critérios indicados pelo Código Tributário Nacional. Mesmo, porém, nas matérias sobre as quais o Código estabelece comandos específicos, veremos que o intérprete não deve esquecer as recomendações da hermenêutica jurídica.

Contudo, diante de toda essa abordagem, o que se verifica é que o Código Tributário Nacional não traz uma forma determinada de interpretar a norma assim como o texto do art. 107 do referido código nos coloca, e, por isso, há a necessidade de se buscar a interpretação pelos os outros meios disponíveis no mundo jurídico para que o aplicador do direito seja eficaz e justo na sua atividade.

2.2 Conceito de integração na legislação tributária com base no art. 108 do CNT

A integração da legislação tributária é um fator que não se separa da sua interpretação, aquela é uma das etapas desta. Deste modo, o intérprete tem a função de, primeiramente, constatar o que significa a norma, não a encontrando por haver lacunas, utilizará os meios de integração disponíveis no mundo jurídico.   

Diante disso, o art. 108 do CTN traz que “na ausência de disposição expressa, o aplicador da lei tributária deve utilizar, sucessivamente, na ordem indicada: a analogia, os princípios gerais do direito tributário, os princípios gerais de direito público, e a equidade”, estes são os métodos de integração. Destaca-se que tais meios só serão utilizados caso haja lacuna diante da lei expressa e especifica.

A analogia consiste em buscar outra norma expressa como parâmetro para suprir a lacuna da lei silenciosa. Todavia, cumpre-se destacar que a sua limitação é expressa no § 1º do art. 108, visto que o emprego desta não pode resultar na exigência de tributo não previsto em lei, além dessa limitação acrescenta-se a não autorização do reconhecimento de isenção (art. 11, I ou II), da aplicação de anistia (art. 11, I), nem a dispensa do cumprimento de obrigações acessórias (art. 111, III), entretanto, é pelo método da analogia que o STF considera a hipótese de correção monetária na restituição de tributos pagos indevidamente, com base no art. 108, inciso I do Código Tributário Nacional.

 Ressalta-se que a analogia não pode ser confundida com a interpretação extensiva, a qual foi abordada no capítulo anterior do referido trabalho, nesse sentido, AMARO (2011, p. 238) esclarece-nos sobre a seguinte diferença, impondo-nos também sobre a semelhança entre ambas, da seguinte maneira:

Na analogia, a lei não teria levado em consideração a hipótese, mas, se o tivesse feito, supõe-se que lhe teria dado idêntica disciplina; já na interpretação extensiva, a lei teria querido abranger a hipótese, mas, em razão da má formulação do texto, deixou a situação fora do alcance expresso da norma, tornando com isso necessário que o aplicador da lei reconstitua o seu alcance. Num caso, a lei se omitiu porque foi mal escrita; no outro, ela também de omitiu, embora por motivo diverso, qual seja, o de não se ter pensado na hipótese; a omissão (que, afinal, é o que resta verificável, objetivamente, no exame da lei) iguala as duas situações.

Não se obtendo êxito na analogia, busca-se os princípios gerais de direito tributário. A Constituição Federal de 1988 elucida tais princípios, como o princípio da capacidade contributiva (art. 145, § 1º), além desse o art. 150, inc. I, II, III, III-B, IV, V, VI, traz respectivamente o princípio da legalidade, da isonomia, da anterioridade da lei em relação ao exercício financeiro, o da proibição de tributo com efeito de confisco, da proibição de barreiras tributárias interestaduais e intermunicipais, o das imunidades, entre outros princípios que podem ser verificados de forma implícita dentro do texto constitucional.

Nessa perspectiva, AMARO (2011, p. 240) traz uma observação interessante sobre este assunto, onde assegura que “a aplicação desses princípios não pode ficar restrita ás situações em que a lei seja omissa (art. 108, caput), pois mesmo a disposição expressa há de se harmonizar-se com os princípios. Na lacuna da lei com maiores razões, devem ser buscadas soluções que se amoldem aos referidos princípios”.

Entretanto, havendo frustação na resolução do caso por meio da analogia ou dos princípios gerais do direito tributário, em seguida utiliza-se os princípios gerais do direito público, visto que o direito tributário se engloba em um dos ramos do direito público. Segundo MACHADO (2014, p. 110) “os princípios gerais do direito público são ideias comuns a várias regras desse ramo da ciência jurídica. A fonte mais importante destes é a constituição”. Assim sendo, tem-se o princípio da isonomia ou da igualdade perante a lei, o da irretroatividade das leis, pessoalidade da pena, ampla defesa dos litigantes e dos acusados em geral, e o da liberdade profissional, todos contidos no art. 5º, caput, XXXVI, XLV, LV, XIII, respectivamente. Além de outros apontados pela doutrina.

Por fim, de acordo com o sistema hierarquizado posto no art. 108 do CTN, tem-se a equidade, que de acordo com MACHADO (2014, p. 110) “é a justiça no caso concreto. Por ela corrige-se a insuficiência decorrente da generalidade da norma. A falta de uma norma especifica para caso é que enseja a integração por equidade”. Dessa maneira, este método poderá ser utilizado após fracassada as hipóteses de analogia, princípios gerais de direito tributário e princípios gerais de direito público.

Perante todo esse contexto, torna-se claro a finalidade da integração, que segundo Eduardo Sabbag (2014, p. 690) esta está situada “dentro da interpretação. É a segunda fase do processo interpretativo. O intérprete tratará, desde logo, de encontrar o significado do comando; porém, não podendo encontrá-lo de plano, pela existência de lacuna, exercitará, então, as formas previstas de integração”.

Logo, observa-se com nitidez que o Código tributário Nacional é amparado pela “Teoria das Lacunas”, uma vez que aquele que possui a competência para aplicar a norma tributária, pode também, diante da falta de uma norma específica, aplicar uma norma genérica ao caso concreto.

2.3 Principais diferenças entre a interpretação e integração

Antigamente, não havia distinção quanto aos dois últimos aspectos - interpretação e integração da norma -, somente desde SAVIGNY foi quando houve uma separação e se começou a entender que a interpretação ocorre em sentido mais estrito, conforme a legislação expressa e específica, enquanto, a integração ocorre na ausência de dispositivo expresso. Com isso os meios de integração chegam para preencher essa lacuna, no entanto, essa integração deve ser realizada dentro dos limites impostos pelos §§ 1º e 2º do art. 108 do CTN.

A hermenêutica, ciência da interpretação, aborda duas vertentes, a epistemológica, em que ocorre a interpretação dos textos e, a ontológica, a qual remete a interpretação de uma realidade. Em se tratando da legislação tributária, a interpretação se faz necessária para que se possa aplicar a lei às situações concretas que nela subsumam, sendo que após a realização desse trabalho técnico é que se concluirá a atividade do interprete (AMARO, 2011, p. 231).

Segundo Thais Constante Carvalho é importante assinalar que “a zona fronteiriça entre a interpretação e a integração se constitui imprecisa e de pouca nitidez; isto é, em alguns casos não será uma tarefa simples distinguir quando se está diante de uma analogia (integração) ou de uma interpretação extensiva” (2008, p. [...]