Resumo

Este artigo apresenta a Internet como instrumento auxiliar do processo cognitivo da escrita e na formação social do sujeito. Ao mesmo tempo, discute a interação entre professores e alunos da rede pública do ensino médio, no intuito de que os alunos despertem em si o interesse pela aprendizagem, descubram as tendências de sua potencialidade criativa e orientem o próprio senso crítico. Esta abordagem pretende ser relevante por analisar a contribuição da Internet na construção do saber nas escolas e questionar a influência na formação do indivíduo e, sobretudo, na inclusão intelectual e crítica do aluno na sociedade. Talvez a idéia mais pretensiosa deste trabalho seja a de se considerar uma fonte para a reflexão sobre as tecnologias da informação para alunos e professores. Com a preocupação de não afirmar a tecnologia como determinante para um melhor desempenho da situação educacional, nem de depreciar a práxis tradicional do professor que se encontra à margem dessa tecnologia, enfatiza-se as melhorias que a informática pode possibilitar às salas de aula.

 

Palavras-chave: educação, escrita, Internet, novas tecnologias da informação.

A importância deste tema consiste na abordagem da redefinição do ensino-aprendizagem da escrita e dos espaços para o ambiente cognitivo, proporcionados pelo ciberespaço. É desafiador compreender essa configuração e entender que espaço é este e os sujeitos que interagem nele, uma vez que no ciberespaço não existe exatamente uma localidade físico-geográfica. É um caso atípico da sociologia, como um confronto para os conceitos desta, pois consiste numa sociabilidade onde o indivíduo, sozinho, pode se conectar com no mundo inteiro, mediante um aparelho de computação.

Também é importante enfatizar que, embora na maior parte das escolas ainda não haja esses equipamentos, em outros setores da vida cotidiana já se tornaram lugar-comum as observações do quanto a informática tem evoluído. A lógica desse estudo se baseia no fato de que o computador constitui-se em uma das tecnologias mais interativas e dinâmicas entre homem e máquina, inovador dos meios de se relacionar em sociedade e de se adquirir conhecimento, além de exercer grande atrativo para os adolescentes.

Em analogia a esta circunstância, nota-se que, para muitos estudantes, o ato de permanecer estático em uma carteira escolar, submetidos ao cotidiano das técnicas de sala de aula para tentar se concentrar e redigir, constitui tarefa para a qual não há estímulo e nem recompensa, mesmo que eles sejam conscientes da necessidade de se saber escrever.

Da composição de uma carta à prova de redação do vestibular, enfrentar caneta e papel para compor textos claros, lógicos, concisos e coesos é um desafio envolto a uma rejeição interna do adolescente à escrita, associado ao fato de que durante os exercícios em sala de aula o aluno se vê obrigado a desenvolver introdução-desenvolvimento-conclusão em tempo limitado, tentando se concentrar sob a pressão de uma exigência da disciplina ou do professor. Por isso, ensejado pela característica de entretenimento, além de vasta fonte de informação, busca-se aqui aproveitar o fenômeno de poder de atração que a Internet exerce sobre o adolescente. Portanto, destaca-se a relação ndivíduo/informática como contribuinte no exercício do pensamento crítico do aluno sobre a sociedade e na adaptação do professor às novas tecnologias da informação.

De maneira geral, há várias possibilidades suscitadas pela tecnologia da informação (TI) para auxiliar a modernização das relações escola-aluno-trabalho-sociedade, ao se observar as inúmeras publicações sobre o comportamento do professor e do aluno em relação aos meios tradicionais de ensino-aprendizagem e às novas tecnologias da informação, associando seus conteúdos e buscando apresentar um método envolvente.

Sentimentos: abstrações estranhas à escola

Raras são as iniciativas de professores que ousam inovar em sala de aula associando técnicas de ensino-aprendizagem formais a exploração de sentimentos, sentidos, desejos e anseios individuais dos humanos. Quando isso ocorre, é algo digno de se converter em notícia jornalística. O programa Globo Esporte (Rede Globo) mostrou em 3/6/2004, dia seguinte a um jogo Brasil X Argentina, das eliminatórias para a Copa do Mundo, a iniciativa de um pesquisador em estimular a leitura através do futebol. Na mesma emissora, no mesmo dia, o programa Jornal Nacional mostrou que uma universidade gaúcha incluiu receita de churrasco como disciplina de graduação.

O futebol, no Brasil, já representa um fato social, pois detém força emocional capaz tanto de decretar feriado nacional, quanto, em casos extremos, causar até a morte de torcedores que talvez tenham sofrido uma grande frustração em seu sentimento nacionalista. Um professor percebeu essa força de atração, e o transformou em técnica estimulante com crianças para reverter a situação de uma negligência nacional, o hábito de ler. É uma experiência dialética entre uma atividade prazerosa para grande número de habitantes do país, e uma atividade enfadonha para outros tantos números do mesmo país.

A reportagem sobre o churrasco gaúcho na universidade mostrou como um costume gastronômico de uma região pode ser pertinente à grade curricular de um curso universitário em uma localidade na qual este prato possui valores cultural e turístico e, por isso mesmo, social e econômico. Assim, incluiu-se a aprendizagem de técnicas de culinária para o aluno, cuja avaliação é feita através da tarefa de provar e aprovar o churrasco três vezes por semana, algo que ninguém precisaria de incentivo para executar, uma vez que associa uma exigência curricular a uma necessidade básica prazerosa. São experiências pitorescas, mas bem a propósito do contexto humano-social. Aproximam o científico do humano, associam ciência ao prazer. Nessa questão, evocamos o assombro de Rubem Alves (1982, p.26) em relação à incapacidade da escola em criar sonhos, ao afirmar que o que é científico não se preocupa em atrair o ser humano, não seduz, nem procura envolver o indivíduo.

A ciência, as técnicas, isolam-se em seus discursos como detentores do saber, ao contrário, por exemplo, das atrações dos comerciais de televisão, dos meios de exploração dos anseios e sonhos humanos, que conseguem adentrar nos sentimentos e, por isso, são bem melhor assimilados. Dadas estas situações, constata-se a falta de percepção ou interesse para que os professores e os sistemas de educação descubram que em uma sala de aula há pessoas com características individuais diferentes, com capacidades diferentes e que aprendem de modos diferentes, independentemente da classe social ou situação econômica.

A relação escola/tecnologia no Brasil

Embora ainda haja esse distanciamento entre o discurso científico e o senso comum, são constantes as atualizações na área da informática para sua utilização com mais intimidade pelo homem, seja nos lares, seja no espaço sideral. Em alguns casos, a tecnologia passou a ser mais íntima do ser humano até do que o semelhante deste. O aparelho mais enfático nessa aproximação é o computador pessoal, ou abreviadamente, PC. Sua terminologia já o define como pessoal, ou seja, ele é “da pessoa”, e, não, um “tele-alguma-coisa”. Com a reputação de representar praticidade na comunicação para uns, e obstáculo para outros, neste trabalho, assim como o elemento humano, ele se confunde entre ser sujeito/objeto.

Partindo da premissa de que os sujeitos/objetos deste projeto se inter-relacionam, evidentemente cria-se entre eles uma interdependência. Por exemplo: o indivíduo necessita ser familiarizado com a informática se almeja um emprego, se deseja se comunicar moderna e rapidamente, se pretende concluir uma dissertação de mestrado e apresentá-la, no mínimo em PowerPoint. Enfim, desde os meados do Século XX, o computador, antes gigantesco instrumento das grandes empresas e centros de pesquisa, adquiriu dimensões físicas menores, acabou conquistando espaço como objeto comum para o cotidiano das classes média e alta e está entrando nas casas onde a renda financeira torna possível sua aquisição.

Porém, o desenvolvimento tecnológico que surge para facilitar o trabalho do dia-a-dia doméstico, comercial, industrial, espacial, enfim, onde houver necessidade de se conseguir resultados satisfatórios em uma atividade, no menor tempo possível, com o menor esforço, ainda não é efetivamente instrumento facilitador da educação formal. Sendo objeto de uso tanto profissional como doméstico, os PC’s ainda são quase inexistentes como instrumento de ensino-aprendizagem para professores e alunos.

Embora ainda se reconheça sua insipiência em estabelecimentos educacionais e suas carências nos sistemas de ensino, a revista Época nº 338, de 8/11/2004, na matéria de capa “Escolas da Era Digital”, registra o fato de que a tecnologia se tornou, para muitos pais e alunos exigentes, condição sine qua non para a sala de aula. De um ponto de vista generalizado, as novas tecnologias e a informatização ainda não são uma realidade em todo o sistema público de ensino em Manaus.

Estatísticas sindicais mostram que apenas 3% dos professores da rede pública do Amazonas possuem um, e muitos já passaram do estado de obsoletos, são verdadeiras sucatas informáticas. Além disso, o fato de existir computadores em laboratórios escolares não é referência, se há sub-utilização de equipamentos, como, por exemplo, o aproveitamento desse material apenas como editores de textos, reduzindo o computador à condição de máquina de escrever, quando existem recursos infindáveis e desconhecidos nesses instrumentos. Os usuários desses equipamentos são “habitantes” do ciberespaço e talvez nem saibam que há uma fonte substancial de pensamentos sobre as questões da informatização ou inclusão digital.

Percebe-se que em um campo tão importante para a formação do homem, ou seja, a sala de aula, o uso da informática tem chegado de modo muito deficiente ou sofrendo resistências. Comparados com os softwares de entretenimento, é quase inexistente os softwares propriamente direcionados para a educação formal, fabricados para uso exclusivo, que tornem mais fáceis, produtivas e atraentes as atividades desenvolvidas por alunos.

A tecnologia parece ter sido desenvolvida para o indivíduo já profissional, mas não para o indivíduo ainda em aprendizagem. A televisão e o rádio facilitaram a comunicação a distância, divertem e informam de uma maneira geral, principalmente nas salas das casas, mas não especificamente nas salas de aula. Cabe analisar o princípio constitucional que prioriza a finalidade educativa para esses veículos: “A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão os seguintes princípios: preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas (I, art. 221, CF-1988).

As finalidades educativas são definidas, mas não se explicita o tipo de educação, se formal ou informal, e, muito embora desde o início tenha havido algum interesse em se produzir programas para a educação formal, percebe-se hoje em dia que os horários destinados para esses programas são os menos oportunos, de madrugada, ou muito cedo pela manhã e na maioria das vezes veiculados pelas emissoras educativas, as quais possuem baixíssimos níveis de audiência, a não ser que os programas sejam um sincretismo de informações educativas, mas com roupagem de entretenimento, na busca de ensinar de uma maneira atraente, como no caso do premiado internacionalmente “Castelo Rá-Tim-Bum”, da TV Cultura. Rubem Alves (1999, p.17-8) é crítico, incisivo e sarcástico quanto à situação dos programas educativos veiculados pela televisão: “Programas educativos são inteligentes, belos e inúteis. Somente os que já estão educados se interessam por eles”. Para Rubem Alves

“tecnólogos valem mais que filósofos porque o seu conhecimento pode ser facilmente transformado em formas políticas e econômicas de poder. Como regra geral podemos aceitar a velha afirmação de Bacon de que conhecimento é poder”(1982, p. 71-2).

O autor também critica a educação coercitiva que leva “o indivíduo a aceitar voluntariamente as regras do jogo social, instruindo-o no conhecimento que o tornará um ‘cidadão útil’”. Admitindo-se que Alves tenha razão, então, a associação tecnologia e filosofia concede ao cidadão um conhecimento que lhe dará possibilidades ainda maiores. Teoricamente, ele conservará em seu poder conhecimento tecnológico que poderá utilizar, pelo seu trabalho, na produção de algum conhecimento científico, como meio de contribuição ao social, e também deterá o pensamento crítico, mais difícil de ser acatado devido aos paradigmas sociais, mas que o deixará mais consciente das imposições do sistema em que vive, em qualquer esfera, profissional, política, educacional.

CUlturalmente, no Brasil, é na escola que o indivíduo começa um processo de educação formal, de raciocínio crítico e de sociabilidade, sendo a escola uma instituição auxiliar na introdução da pessoa na sua vida além-casa. Exatamente por isso, cabe perguntar: por que as invenções não se adaptam mais facilmente à sala de aula, de um modo mais freqüente e eficiente? Igualmente pertinente, pergunta-se: como está a aceitação das tecnologias pelos professores? Marta Vanelli, Secretária de Políticas Educacionais da CNTE e presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Santa Catarina (Sinte-SC), demonstra a situação no artigo “Professores, excluídos digitais”, no site www.cnte.org.br/opiniao, 7/6/2004:

Em pleno século XXI, com os computadores invadindo as empresas, as indústrias, órgãos públicos e até os lares, os/as professores/as que são responsáveis pela informação e formação do indivíduo, estão longe do contato com essa tecnologia. Pelo menos é o que diz pesquisa da Unesco "O Perfil dos Professores Brasileiros: o que fazem, o que pensam e o que almejam", realizada recentemente e divulgada amplamente pela imprensa nacional e estadual. Entre todos os docentes brasileiros, 58,4% jamais navegaram pela Internet e 59,6% nunca usaram e-mail, sendo que entre os que ganham de dois a cinco salários mínimos, em torno de 77% não têm computador em casa. Não é para menos, já que os salários não permitem essa aquisição. 


A mesma pesquisa constatou que um/a em cada três professores/as brasileiros/as é pobre. O “Relatório de Pesquisa Sobre a Situação dos Trabalhadores(as) da Educação Básica”, publicado no site da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (http://www.cnte.org.br, 15/6/2004), afirma que

“a velocidade das transformações políticas, sociais e tecnológicas [...] exige que o professor faça cursos de atualização e de aperfeiçoamento, que aprenda novas tecnologias, como o uso do computador, do videocassete, do DVD e demais equipamentos didáticos”. 

A escola é um dos elos entre família, lugar primeiro de formação do homem, e o mundo exterior onde, unindo a formação familiar e a institucional, o indivíduo vai se estruturar para exercer seu papel na comunidade. Os indivíduos em processo educacional formal, ou seja, alunos, nas salas de aula, deveriam usufruir de ferramentas tecnológicas na instituição de ensino e até mesmo em seus lares, com incentivo governamental para isso, e antes dos demais setores da vida em sociedade, onde mais tarde manterão contato com algum aparato tecnológico, no mínimo com um computador, equipamento transformado em objeto de sedução para muitos jovens, principalmente com a Internet e jogos eletrônicos. Como prefaciou Bernadete A. Gatti no livro “Educação e Informática: os computadores na escola”, trata-se aqui não de “pensar o ensino da informática, mas, sim, o uso da informática no e para o ensino e, de modo geral, para a educação” [grifos originais] (Almeida, 1987, p. 5).

Como elementos concorrentes às técnicas tradicionais de ensino, caracterizadas principalmente por aulas expositivas, acrescente-se a disputa entre escola e os meios eletrônicos de divertimento. Os estabelecimentos de ensino estacionaram no esquema “lousa-e-giz”, enquanto nas residências os alunos avançaram se transformando em telespectadores de atrações televisivas ou viciados em jogos eletrônicos. Surgiram as lan-houses, salas escuras equipadas para disputas através de terminais de computadores, num ambiente sombrio, frequentadas por adolescentes mais entusiasmados por estarem ali do que se estivessem assentados em uma sala de aula. Dada esta situação, é pertinente a pergunta: e o ambiente cognitivo da educação formal?

Uma resposta poderia vir na reportagem do jornalista Manoel Fernandes intitulada “Lição ou lazer?”, publicada em abril de 2000 no suplemento Veja Vida Digital, da revista Veja. A reportagem afirma que a Internet estaria entrando na vida escolar no Brasil com rapidez inimaginável. Talvez tenha sido um fato considerável para o ano 2000, quando o uso da web nos colégios era novidade. Mas a rapidez se atenuou. Cinco anos depois, poucas escolas se viram beneficiadas. Além disso, a matéria cita como exemplos apenas sete estabelecimentos de ensino em todo o Brasil, um país de dimensões continentais. São mencionadas a Associação Escolar Graduada e a Escola Estadual Ennio Voss, em São Paulo, os Colégios Geo Guararapes (Recife-PE), Santo Inácio (Rio de Janeiro-RJ), Pitágoras (Belo Horizonte-MG), Objetivo (São Paulo-SP), Gentil Bittencourt (Belém-PA). Não há na reportagem dado estatístico que fundamente afirmar a rapidez da inclusão da Internet nas escolas. A reportagem mostra ainda que os alunos estavam consultando sites apenas para responder tarefas de casa ou para a realização de trabalho em sala de aula. Dois únicos alunos foram entrevistados, um menino de 11 anos e uma menina de 10. A aluna, destacada como exemplo de que compreendeu bem o objetivo do uso da rede no seu colégio, afirma que os livros “são complementos do que encontro na Internet”. Ou seja, ou os livros, geralmente com conteúdo mais vasto, foram relegados à condição de coadjuvantes dos resumos publicados na rede, ou ela quis dizer o contrário. Nada mais.

Outra atitude importante, em meio à celeuma de todo este cenário cibercultural mal utilizado, é a de não se considerar uma escola bem equipada como tendo seus problemas de ensino-aprendizagem resolvidos. Equipar o laboratório sem mudar o estilo das aulas não basta. O consultor em novas tecnologias da educação, Fernando Almeida, na matéria da revista Época de 8/11/2004, pondera que 

“escolas que têm projetos pedagógicos ruins usarão a tecnologia ruim. O uso da tecnologia potencializará esse projeto fraco e desconexo, que só terá aparência de modernidade”. 

A mesma reportagem adverte: “Quem se limita a ensinar o que é e-mail ou o manuseio de programas de texto e planilhas está sendo tão ineficiente e enfadonho quanto aqueles professores que rabiscam tabuada na lousa. A chave está em ensinar os alunos a crescer na era da informação”.

Das cavernas ao ciberespaço: dois marcos na escrita

A escrita transcendeu em fama e autonomia aos seus inventores e aos que a têm aperfeiçoado no curso da história, adquirindo independência e tornando-se sujeito e objeto de domínio universal. Não se sabe se seus idealizadores e criadores deixaram registrados seus nomes em algum objeto, utilizando seu próprio invento. Apenas se conhecem épocas, povos e locais de onde se têm seus primeiros registros, em regiões do Oriente Próximo, na Mesopotâmia e no Egito, por volta de 4.000 a.C. Seu surgimento foi tão importante para o homem, que os historiadores estabeleceram o encerramento da Pré-História e o nascimento da História no período em que o homem começou a escrever. Sua existência distingue-se como um marco das formas de expressão, não apenas por sua capacidade de registrar a História, mas também por ultrapassar limites geográficos, sobreviver épocas, construir, desconstruir, universalizar culturas, religiões, idéias, pensamentos, sofrer mutações pelas mais diversas causas, entre elas as transliterações e as traduções, e, ainda assim, ter a possibilidade de permanecer como originalmente foi redigida.

O fim da Pré-História ocorreu primeiramente no Oriente Próximo, com a invenção da escrita ligada à evolução das primeiras civilizações urbanas, na região entre os rios Tigres e Eufrates, na Mesopotâmia, cerca de 40 séculos a.C. Somente muitos milênios depois a Pré-História findou na América, na África Central e na Austrália, com a conquista dessas regiões pelos europeus, a partir do século XV. Isso significa que, durante mais de cinco mil anos, a escrita manteve-se na vanguarda como um marco inicial da História.

Lévy (2000, p. 114) compara os efeitos do surgimento ciberespaço para as comunicações da época atual aos efeitos revolucionários contemporâneos do surgimento da escrita. Atribui importância igual, respectiva aos avanços de suas épocas, a dois acontecimentos históricos nas comunicações separados por milênios. Também evidencia as características espaciais, culturais, temporais da escrita, sua condição não necessária de se apresentar diretamente interativa e sua condição indispensável no estabelecimento de idéias, filosofias, ciências e religiões, atribuindo à escrita a característica de valor universal: A filosofia e a ciência clássicas, cada uma à sua própria maneira, visam a universalidade. Minha hipótese é que isso se deve ao fato de não poderem ser separadas do dispositivo de comunicação instaurado pela escrita. Todas as religiões “universais” [...] são fundadas em textos [...] Por outro lado, as religiões particularistas também têm seus textos: a escrita não determina automaticamente o universal, ela o condiciona (não há universalidade sem escrita). A escrita, portanto, sobrevive a um período de tempo consideravelmente longo, até a emergência da cibercultura, como a descoberta mais pujante para a comunicação e para a firmação universal de pensamentos. Mesmo a informática, com todos os seus recursos, necessita da escrita para se tornar utilizável. Não há como aprender o manuseio de qualquer equipamento sofisticado sem a leitura de algum manual, seja em papel, seja já na tela do computador, da TV ou do tablet. No entanto, milênios após sua invenção, para a maioria das pessoas escrever revela-se um difícil ato. Não se está evidenciando aqui a falta de conhecimento de gramática, de uma sintaxe perfeita, de estudos de semântica.

A questão é mais simples, mas, por isso mesmo, mais inquietante. Questiona-se o bloqueio, as dificuldades em se encadear palavra após palavra, frase após frase, período após período, havendo ou não o conhecimento do porquê de vírgulas ou pontos entre elas. O processo de aprendizagem da escrita na educação formal é longo e acompanha o crescimento físico e mental do indivíduo, iniciando geralmente nas classes de alfabetização. Mas, tudo que envolve este processo, dos métodos às técnicas, não são o suficiente para que muitos indivíduos já em idade mais desenvolvida consigam se expressar por escrito. Um melhor rendimento escolar implica não apenas em avaliar a utilização da informática, mas também em reavaliar o processo ensino-aprendizagem executado durante toda a vida profissional do educador e na vida escolar do aluno.

Os resultados desse processo são refletidos quando esse aluno percorreu todo seu trajeto até chegar às portas da universidade. Muitas redações feitas por candidatos de vestibular sugerem que esses candidatos, neste caso os provenientes de escolas públicas, apresentam uma situação crítica quanto a própria aprendizagem da escrita ao longo de sua vida estudantil. Enquanto o sistema educacional se manifesta lentamente sobre essa situação, alunos e professores carecem de estímulos, recursos, métodos, técnicas e equipamentos que facilitem o ensino/aprendizagem, não apenas nas disciplinas de língua portuguesa, mas, geralmente em todas as disciplinas. Além disso, o esforço desprendido no ato de redigir busca apenas uma nota mínima para aprovação, sem qualquer mérito. Pouquíssimos se sobressaem como pensadores das problemáticas sociais.

Cavernas do ciberespaço e as novas significações da escrita

No tão esperado século XXI, o qual as sociedades alternativas acreditavam ser o da união dos povos, e muitos religiosos pensavam ser o fim dos tempos, as culturas, as diversas linguagens em uma única sociedade, as maneiras de se expressar, os imperialismos, os terrorismos, tudo isso e muito mais se multiplicaram de tal forma que o ato de se comunicar ou de se pretender comunicar suscitou inúmeras variáveis de si próprio. Exemplo disso são os out-doors, painéis eletrônicos, jornalismo eletrônico, telefonia celular, fibra ótica, revistas eletrônicas, revistas impressas, mensagens terroristas e coisas semelhantes a essas surgem numa sociedade que é um verdadeiro quebra-cabeça de “tribos” trash, heavy, ultra-jovens, de modismos induzidos por novelas e filmes, de mundos virtuais, high tech.

Cada “mundo” nesse mundo tem sua linguagem própria, numa infinidade de signos, significantes e significados que parece impossível relacionar. O fato é que, do tempo das cavernas até hoje, o homem sente a necessidade de se expressar, e bem, para se fazer entendido. Ilustrações à parte, não são os signos, nem significantes, nem significados a problemática aqui apresentada. Também não se está evidenciando a necessidade de conhecimento profundo de gramática, uma sintaxe perfeita. Isso requer um estudo mais aprofundado que não cabe nesta curta reflexão. Questiona-se o bloqueio mental no momento de se expressar através de caneta e papel, ou teclado e monitor, ou voz e microfone . Entre tantas possibilidades de se expressar e se fazer entendido, o ser humano ainda não superou um dos maiores obstáculos em sua forma de comunicar: a construção da própria escrita. Algo que deveria ser uma forma facilitadora de expressão, para a maioria das pessoas constitui um difícil ato de escrever. As pessoas sentem dificuldades em expressar suas idéias por escrito. Dentro desse universo humano, a adolescência possui uma característica peculiar de dinamismo na comunicação, seja na fala, nos gestos, no visual, na aparência, no companheirismo, na rebeldia ou outros elementos que, na concepção do adolescente, devem comunicar ao mundo quem ele é, seja no individual, seja no coletivo. Esse dinamismo não pode ser concebido sem a convivência em grupo e, lógico, sem linguagem própria entre seus iguais.

A reportagem “Lição ou lazer?”, da veja vida digital, menciona: Os educadores sabem que o raciocínio da garotada é fragmentado, ou seja, muda de foco com uma rapidez impressionante. Por essa razão, nunca uma ferramenta de apoio pedagógico se mostrou tão adequada ao ritmo dos jovens quanto a Internet. “As informações existentes na rede são fragmentadas e auto-organizadas”, afirma o professor Nelson Pretto, diretor da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia. “É justamente assim que funciona o raciocínio de um adolescente. É justamente por combinar tanto com a forma de pensar da rapaziada que a Internet, segundo os especialistas, deve ter seu uso orientado pelos professores. Dentre os vários fatores que aproximam adolescente e escrita na era da Internet, estão a dinâmica e a possibilidade da liberdade de expressão proporcionadas pelos chats e outros recursos de conversação, como o MSN Messenger e IRC. Estes recursos permitem uma escrita extremamente informal nestes ambientes. Há um imediatismo exigido que traduz um dinamismo e uma despreocupação com a forma, mas nem tanto com o conteúdo, e há possibilidades de conteúdos variados em uma só conversação.

Assim, com o surgimento da Internet, as possibilidades de intimidade entre o indivíduo e o ato de escrever aumentaram. Como conseqüência da mudança dos instrumentos e do aparecimento do ambiente virtual, em menos de duas décadas a liberdade de forma propiciou alterações que a linguagem escrita levou muito mais tempo para estabelecer, e trouxe pelo menos uma aproximação entre as pinturas da pré-história e as salas de conversação. Grosso modo, essas salas são as “cavernas binárias” de uma “pré-história” da escrita na era da informática, pois se os desenhos pré-históricos não podem ser considerados um tipo de escrita, as formas de digitação nesses ambientes do ciberespaço não podem ser vistas de forma diferente, pois ainda não há reconhecimento das autoridades em lingüística validando os modos de se escrever - ou conversar – na Internet.

A liberdade em escrever palavras de forma abreviada ou não necessariamente correta, como “tb” (também) ou “naum” (não) são complementares para a funcionalidade do dinamismo. Porém, a abreviação de palavras não é um fato novo, haja vista muitos termos da língua portuguesa terem recebido contração ao longo da história, como explica a etimologia no caso do termo “em boa hora”, que hoje se diz “embora”. O cumprimento “Vossa Mercê”, que hoje é “você”, foi um dos termos que rapidamente ganhou nova forma na Internet, se tornando “vc”. No Chat, os sinais VC não são duas letras, e também ainda não são, gramaticamente falando, um pronome de tratamento: são a outra pessoa. Curiosamente, o pronome pessoal “tu”, que já possuía apenas duas letras, não ganhou espaço nem mesmo nos chats de Manaus, onde é culturalmente usado na linguagem coloquial. Com os chats também os neologismos transformaram em sinônimos vocábulos completamente distintos, como teclar e conversar, por exemplo. O dicionário Michaelis UOL define “teclar” como “bater nas teclas de”. Conversar significa “discorrer, falar com alguém”. Mas, nos diálogos em chats, a frase “com quem vc está teclando?” equivale a “com quem você está conversando?”.

Quanto aos novos significados para os símbolos gráficos, a dinâmica da escrita/conversação on-line trouxe acréscimos de representações, reduzindo e transformando conjuntos desses símbolos não em abreviaturas, nem em palavras construídas com algum sentido, mas em ideogramas. Na redação das salas de conversação, letras e sinais de pontuação, reunidos sem ordenação gráfica e aparentemente sem nenhuma significação, exprimem diretamente uma idéia, uma situação, um sentimento. Por exemplo, a frase “estou sorrindo” expressa-se e entende-se com a combinação “RS”, e um sorriso mais empolgado com “RSRSRSRS”. Para se demonstrar um acesso de riso repetem-se quantas vezes quiser a letra K.

Outra combinação de símbolos gráficos resulta em significados inusitados, que traduzem sentimentos e expressões com símbolos antes utilizados para fins totalmente diferentes. São os agrupamentos de sinais de pontuação, ou destes com letras. Esses sinais se tornaram independentes das normas habituais de construção de palavras, criando-se uma nova forma escrita de se expressar sentimentos. Por exemplo, não é mais necessário escrever que se ficou feliz com um galanteio. Pode-se substituir essa informação ao digitar o sinal de dois pontos e um parêntese. O resultado é : ), onde os dois pontos representam os olhos e o parêntese o sorriso de uma pessoa. Se o galanteio causou uma felicidade maior, usa-se a letra “D” no lugar do parêntese, e aí, representa-se :D. Pode-se até mesmo representar uma piscada para alguém, utilizando-se o sinal gráfico, o hífen e o ponto e vírgula: ;-). Muitas salas de conversação têm recursos que automaticamente transformam as combinações gráficas em pictografias. Por exemplo, a digitação dos caracteres “:” (dois pontos) e “)” (parêntese de encerramento), automaticamente, com um comando interno do Chat ou do editor de texto Word, transforma-se em um signo da figura de um rosto sorrindo. A dinâmica nos chats também deu um significado pitoresco ao ato de escrever. Na escrita on-line a digitação não significa exatamente escrever, mas conversar diretamente, é falar sem usar a oralidade. Diferentemente de uma carta ou e-mail, que levam um tempo relativamente longo para serem respondidos, e exigem uma redação que se faça entender, ainda que apenas com uma noção de gramática, a escrita nas salas de bate-papo são rápidas e imediatamente respondidas, não se considerando aqui, é claro, os problemas de conexão, configuração do equipamento, provedor, etc.

Constata-se, portanto, com as possibilidades de diálogo sem oralidade suscitadas pela Internet, a revolução do ato de escrever nos chats, com suas possíveis consequências já amplamente discutidas por vários estudiosos, e ainda com muitos caminhos a serem desvendados. Segundo a pesquisa "Sites construídos por adolescentes: novos espaços de leitura, escrita e subjetivação", realizada durante dois anos pela professora Maria Teresa de Assunção Freitas, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora, MG, alunos internautas lêem e escrevem mais que a média e a linguagem abreviada não dificulta o aprendizado da língua (entrevista “Os jovens e a Internet”, de Maria Cristina Siqueira, da Folha Dirigida, 03/01/2006 - Rio de Janeiro RJ - www.clippingeducacional.com.br). Mas não existe ainda tempo nem trabalho suficiente de implantação da informática nas escolas para afirmar a constatação de Maria Teresa como uma generalização no país. O saber ler, escrever, comunicar e analisar o conteúdo do que se está escrito ainda são essenciais, pois, de outra forma, estará surgindo apenas uma geração que se submete a instrumentos tecnológicos, deixando de refletir que a evolução do lápis e caderno para o teclado e impressora e as transformações ocorridas para a facilidade da aquisição de conhecimento pela tecnologia remodelou também o processo de formação sócio-cultural do homem.

Rubem Alves (1999, p. 93) sugeriu que o alfabeto foi inventado por um analfabeto. Problematizando-se esta situação, esse paradoxo transforma-se em base para uma reflexão sobre a capacidade de ler e escrever. O inventor do alfabeto precisou aprender a escrever forçado pelas circunstâncias. Além de escrever, teve que ler o que escreveu. Visto por um ângulo do inventor, surge a pergunta: quem nasceu primeiro, a leitura, ou a escrita? Com certeza, a leitura. Na mente do primeiro escritor, algo foi imaginado para depois surgir em forma de ideografia (por escrito) e, claro, lido ou interpretado de acordo com o que foi pensado. Ele literalmente leu com a mente algo que ainda não havia sido escrito. Foi a primeira leitura silenciosa da história, e de algo que nem existia! Uma ironia, um paradoxo! O analfabeto que inventou o alfabeto já sabia ler antes que existisse alguma coisa para ser lida! Um feito que deveria ser equiparado à invenção da roda.

Exemplos como estes podem ajudar o professor de língua portuguesa a transformar alunos em inventores, capazes de criar redações com o mínimo de dificuldade, onde expressem suas opiniões, críticas, elogios, dúvidas, certezas, anseios, lançando mão de suas inclinações pessoais, criatividade, aptidões e disposição, explorando suas características individuais. Uma boa forma de se expressar é uma ferramenta que os tornarão participativos na sociedade, e os capacitarão em redações que tanto eliminam nos vestibulares, as portas de entrada para um mundo com mais possibilidades. E que esses alunos adquiram o gosto pela escrita, assim como o têm pelo futebol, pelo Chat e jogos eletrônicos, considerando que os temas de redações geralmente enfocam atualidades sociais em suas diversas facetas.

Esses alunos podem descobrir, como o inventor do alfabeto, que não são analfabetos. Felizmente há focos de luz que amenizam a situação, proporcionados pela Internet. A reportagem de Época registra que a parceria escrita-tecnologia com utilidades mais criativas e de resultados inovadores já não é novidade em alguns colégios no Brasil. Dependendo de como tem sido realizado o trabalho obtêm-se resultados gratificantes.

Em uma investida interessante, o cartunista Ziraldo divide a autoria de suas obras com crianças através do projeto “Oficina do Texto” desenvolvido pelo portal “educacional.com.br”, onde os alunos acessam desenhos e escrevem a história no computador. Um texto apresentado no portal, tendo como fonte a mencionada reportagem da revista época, afirma que “o projeto Oficina do Texto mobilizou autores nacionais para que, com as crianças, soltassem a imaginação”. São parcerias com co-autores mirins, com aumento significativo no número de produção de obras. Ziraldo, segundo o portal, tentará entrar para o Guinness Book como o maior co-autor do mundo, com mais de 200 mil livros escritos em parcerias com essas crianças.

Em março de 2004 o autor Luís Fernando Veríssimo também começou a atuar no mesmo projeto, conforme matérias publicadas no portal educacional, extraídas dos jornais “Diário do Nordeste” (Fortaleza, CE, 14/03/2004) e “A Tarde” (Salvador, BA, 11/02/2004). Este relacionamento autor-leitor é um aspecto novo na arte de escrever que, se não totalmente transformador de paradigmas, vem confirmando uma hipótese do que se propõe desde o início deste trabalho, a de que o ciberespaço pode se constituir em ferramenta facilitadora da escrita.

Referências

ALMEIDA, Fernando José de. Educação e informática: os computadores na escola. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1987.

ALVES, Rubem. Entre a ciência e a sapiência: o dilema da educação. São Paulo: Edições Loyola, 1999.

CARVAS, Camila e COTES, Paloma. Escolas da Era Digital. Revista Época nº 338, Ed. Globo, 8/11/2004.

FERNANDES, Manoel. “Lição ou lazer?”, reportagem publicada em abril de 2000 no suplemento Veja Vida Digital, da revista Veja.

LEMLE, Marina. Educação contra a exclusão digital. Especial para o Jornal do Brasil, 26/08/2002.

LÉVY, Pierre. As tecnologias da Inteligência - o futuro do pensamento na era da informática. Rio de Janeiro, Ed. 34, 1993.

____. Cibercultura. 2ª ed. São Paulo: Editora 34, segunda edição, 2000.

NOGUEIRA, Nilbo Ribeiro. O professor atuando no ciberespaço: reflexão sobre a utilização da Internet com fins pedagógicos. São Paulo: Érica, 2002 (Coleção Reflexões Práticas e Pedagógicas).

Projeto Oficina de Texto. www.educacional.com.br/Oficina_Livro/imprensa.asp

MONTEIRO, Claudia Guerra. O papel educativo dos meios de comunicação. www.ipv.pt/forumedia/3/3_fi3.htm.

SIQUEIRA, Maria Cristina. Os jovens e a Internet. www.clippingeducacional.com.br. Folha Dirigida, 03/01/2006 - Rio de Janeiro RJ

VANELLI, Marta. Professores, excluídos digitais. www.cnte.org.br/opiniao, 7/6/2004. www.acritica.com.br www.cnte.org.br/opiniao/opiniao269.htm