FACULDADES RIO-GRANDENSES

CURSO DE DIREITO

INSTITUTO DA TRANSAÇÃO PENAL

THEODORO DOMINGOS MARTINS GARCIA FILHO

PORTO ALEGRE

2012

THEODORO DOMINGOS MARTINS GARCIA FILHO

INSTITUTO DA TRANSAÇÃO PENAL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito, pelo Curso de Direito das Faculdades Rio-Grandenses (FARGS).

Orientadora: Prof. Me. Dinéia Largo Anziliero

Porto Alegre

2012

THEODORO DOMINGOS MARTINS GARCIA FILHO

INSTITUTO DA TRANSAÇÃO PENAL

Monografia defendida e aprovada como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito, banca examinadora constituída por:

________________________________________

Prof. Me. Dinéia Largo Anziliero

________________________________________

Prof. Me. Mateus Marques

________________________________________

Prof. Me. Natalia Gimenes Pinzon

Porto Alegre

2012

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu pai, Theodoro Domingos Marins Garcia

(in memoriam), pela garra e determinação na minha criação, impulsionando a minha vida eternamente e em todos os momentos.

À minha amada mãe, ser fundamental na minha vida, sempre dedicada e zelosa na minha educação.

À minha esposa Tatiane e às minhas filhas, amores e luzes da minha vida, sobretudo pela paciência e dedicação durante os momentos mais difíceis;

À raça, um grupo de amigos que sempre se manteve unido ao longo desta longa jornada de estudos, em todos os momentos, com um agradecimento especial ao Eduardo Zottis e ao Rogério Tegler Junior, irmãos que sempre me incentivaram e apoiaram em todos os sentidos.

Por fim, agradeço à minha professora orientadora e mestra Dinéia Largo Anziliero, sendo a pessoa que me motivou e elucidou em todas as dúvidas ao longo desta monografia, ensinando-me o caminho a ser seguido no presente estudo.

Eles têm mais armas e mais pessoas. Mas quer saber? Vamos ganhar. Sabe por quê? Atitude superior. Estado mental superior.

Steven Seagal

Podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro; a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz.

Platão

RESUMO

Nos dias atuais, o Direito Penal pode ser caracterizado como um último viés interventor do Estado dentro do meio social, sendo a sua utilização adstrita a casos específicos, sobretudo quando não há a possibilidade do uso material de outros ramos do direito na resolução e contenção de conflitos. Contudo, ao adentrarmos no ramo penal de modo exclusivo, logo surge à figura da norma punitiva, ou seja, da sanção penal. Neste diapasão, percebe-se que a disciplina penal busca atingir um patamar onde a pena restritiva de liberdade torne-se tão excepcional dentro do seu contexto quanto é o uso da própria norma penal frente aos demais ramos materiais do Direito.

Este estudo irá analisar a Transação penal, instituto caracterizado essencialmente como um mecanismo inovador surgido a partir da assunção de uma nova política criminal que visa à erradicação da banalização do uso de penas restritivas de liberdade, medidas de grande e perverso impacto social, sobretudo nos delitos de menor potencial ofensivo.

Desta forma, será desmistificado este instituto originado a partir da Lei n° 9.099/95, conhecida como Lei dos Juizados Especiais, realizando-se uma ampla abordagem fática, legal, doutrinária, jurisprudencial e constitucional sobre a Transação penal, cuja abrangência limita-se a circunscrição e competência de delitos de menor potencial ofensivo, cuja pena máxima não exceda 2 (dois) anos de detenção.

Palavras-chave:

Transação penal. Lei 9.099/95. Ministério Público. Princípios Constitucionais. Transacionar. Política Criminal. Crime de Menor Potencial Ofensivo. Pena Restritiva de Liberdade ou Multa. Imputação. Suposto Autor do Fato. Homologação.

RESUMÉN

En la actualidad, el Derecho Penal se puede caracterizar como un último nivel de intervención del Estado dentro del entorno social, y su uso se circunscribe a casos concretos, sobre todo cuando no es posible la utilización de otras ramas del derecho en la resolución y contención de conflictos. Sin embargo, cuando entramos en el ámbito específico del derecho penal, luego aparece la imagen de la norma punitiva, es decir, de la sanción penal. En este sentido se percibe que la disciplina penal intenta alcanzar un nivel donde la pena restrictiva de libertad se torne tan excepcional dentro de su contexto cuanto es el empleo de la norma penal delante de las otras ramas del Derecho.

Este estudio analizará la Transacción Penal, cuya la principal característica es el dispositivo innovador emergido desde la asunción de una nueva política criminal dirigida a la erradicación del uso vulgar de las penas restrictivas de libertad, acciones de gran y perverso impacto social, sobre todo en los pequeños delitos.

Por lo tanto, de dará a conocer ese instituto nacido a partir de la ley Nº 9.099/95, conocida como Lei dos Juizados Especiais (Ley de los Tribunales Especiales de Derecho), con un amplio y coyuntural enfoque fáctico, legal, doctrinal, jurisprudencial y constitucional sobre la Transacción Penal, cuyo ámbito de aplicación se limita a la circunscripción y competencia de pequeños delitos, dónde la pena máxima no exceda de 2 (dos) anos de prisión.

Palabras clave:

Transacción Penal. Ley 9.099/95. Ministério Público. Princípios Constitucionales. Política Criminal. Delitos Pequeños. Penas restrictivas de libertad o multa. Imputación. Sospechoso. Homologación.

LISTA DE SIGLAS

CF

– Constituição Federal

CP

– Código Penal

CPP

– Código de Processo Penal

JEC

– Juizado Especial Cível

JECRIM

– Juizado Especial Criminal

LEP

– Lei de Execuções Penais

MP

– Ministério Público

STF

– Supremo Tribunal Federal

STJ

– Superior Tribunal de Justiça

TJ

– Tribunal de Justiça

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10

CAPITULO I – ASPECTOS GERAIS DOUTRINÁRIOS

I. Conceitos do instituto da transação penal .................................................... 12

II. Surgimento da transação penal ................................................................... 14

III

. Características da transação penal .............................................................. 16

III.I Requisitos essenciais da Transação Penal .................................................. 17

III.II Momentos para o oferecimento da proposta ................................................ 18

III.III Classificação doutrinária .............................................................................. 19

IV Questões pertinentes sobre a transação penal ............................................ 20

IV.I Transação penal ex-officio ........................................................................... 21

IV.II Descumprimento da transação penal ........................................................... 23

IV.III Análise da natureza jurídica ......................................................................... 28

CAPITULO II – PRINCÍPIOS DA TRANSAÇÃO PENAL

I. A transação penal e os direitos constitucionais ............................................ 32

II. Princípios norteadores ................................................................................. 36

II.I. Princípio do devido processo legal ............................................................... 36

II.II Princípio da ampla defesa ............................................................................ 37

II.III Princípio do contraditório .............................................................................. 38

II.IV Princípio da inocência .................................................................................. 39

CONCLUSÃO ........................................................................................................... 40

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 43

10

INTRODUÇÃO

O Direito Penal emerge no Brasil como um complexo meio de imposição de normas legais criadas a partir da atuação do poder legislativo, de modo que tais regramentos suprem as lacunas da ilegalidade, criando um pacto social entre sociedade e Estado.

Na atualidade, pairam diversas críticas sobre as mais variadas questões sobre segurança pública, havendo um esgotamento de meios preventivos e repreensivos de crimes. Do mesmo modo, a ineficiência dos meios legais cria um ambiente onde a criminalidade afronta a sociedade, e o Poder Judiciário busca meios efetivos de controle social, como instrumento de ordem e justiça.

Contudo, ao contrário do que ocorre sob os holofotes da mídia, a grande maioria das ocorrências penais trata de pequenos ilícitos, e a legislação brasileira já pensava em soluções para estes conflitos desde meados do século XX, quando da criação da Lei das Contravenções Penais, atualmente em franco desuso.

Partindo do princípio de que seria ilógica a criminalização em massa, a norma penal buscou uma resposta justa e eficiente a sociedade, apresentando uma adequação proporcional em razão da gravidade e das condições pessoais do agente no crime ou contravenção praticada, tais como reincidência, vida pregressa, entre outras circunstâncias singulares.

Neste sentido, a Lei 9.099 de 26 de setembro de 1995 foi criada a partir da previsão legal do artigo 98, inciso I da Constituição Federal, instituindo na sua integra a Lei dos Juizados Especiais Criminais, abrangendo delitos cuja pena máxima não ultrapasse dois anos de detenção, nos moldes do rito processual penal sumaríssimo.

O instituto da transação penal surgiu como uma das novidades desta lei, caracterizando-se como uma medida despenalizadora originada a partir de sensíveis mudanças na política criminal, primando por uma maior celeridade processual aos delitos de menor potencial ofensivo.

A escolha deste tema surgiu a partir de observações práticas sobre este instituto em audiências do Juizado Especial Criminal, onde a dinâmica exercida por esta modalidade de acordo acaba resolvendo uma série de entraves, desafogando o 11

abarrotado poder judiciário, o que inova o tratamento dado por este poder há uma série de conflitos.

No primeiro capítulo serão expostos os primeiros conceitos doutrinários sobre a transação penal, abordando temas como a criação da Lei nº. 9.099/95 e seus elementos históricos originários, assim como uma abordagem sobre a motivação desta nova política.

Não obstante, ainda no mesmo capítulo serão abordados os impactos sociais causados por esta inovação legal, com enfoques na aplicabilidade da transação penal, suas consequências, competências e demais elementos, de modo que se possibilite um maior aprofundamento.

No segundo e último capítulo serão estudados os princípios norteadores deste sistema, abrangendo temas como o devido processo legal, a ampla defesa, o direito ao contraditório e a presunção de inocência, com a extenuada visão de grandes doutrinadores da área.

Por fim, cumpre mencionar que a presente monografia tem como objetivo a ampliação do campo de visões sobre este tema de extrema relevância dentro da prática processual penal, mostrando as dificuldades e os desafios de uma nova política lastreada preponderantemente na eficácia e na celeridade da norma penal na resolução dos mais variados conflitos, eliminando processos e priorizando a punição de delitos de maior gravidade. 12

CAPITULO I

TRANSAÇÃO PENAL

I. Conceitos do instituto da transação penal

O instituto da transação penal encontra-se disciplinado pela lei nº. 9099/95 (Lei dos Juizados Especiais), cuja criação emana do artigo 98, inciso I da Constituição Federal. Esta norma visa corresponder à grande demanda de processos cujas causas denotam menor complexidade fática ou jurídica, apresentando uma maior agilidade e celeridade processual, evitando assim, um inchaço burocrático.

1Nestes termos: 2

1

FILHO, Nylson Paim de Abreu (organizador), Vade Mecum; Verbo Jurídico, 2011, 7ª edição, Porto Alegre, p.52, e p.1437.

2

BRASIL. Presidência da República. Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> Acesso em: 25 out. 2012.

3

FILHO, Nylson Paim de Abreu (organizador), Vade Mecum; Verbo Jurídico, 2011,7ª edição, Porto Alegre, p. 1562.

4

GRINOVER, Ada Pellegrini; FILHO, Antonio Magalhães Gomes; FERNANDES, Antônio Scarange; GOMES, Luiz Flávio. Juizados Especiais Criminais-Comentários à Lei 9099, de 26.09.1995.São

Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;

No condizente aos Juizados Especiais Criminais, os mesmos possuem a competência para conciliar e julgar infrações penais de baixo potencial ofensivo e crimes cuja pena máxima cominada não exceda 2 (dois) anos, sujeitos ao rito sumaríssimo do Processo Penal. 3

A resolução de conflitos promovida pela atuação dos Juizados Especiais Criminais (popularmente conhecidos como JECRIM) possibilitou uma mudança no tratamento dado á uma série de questões de ordem pública, transformando um quadro de condenações desnecessárias através do uso de alternativas diversas à aplicação de penas restritivas de direitos. 4 13

Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.41.

5

MACHADO, Antônio Alberto; Curso de Processo Penal; 2ª edição; São Paulo; Atlas, 2009, p, 238.

6

GRINOVER, Ada Pellegrini; FILHO, Antonio Magalhães Gomes; FERNANDES, Antônio Scarange; GOMES, Luiz Flávio. Juizados Especiais Criminais-Comentários à Lei 9099, de 26.09.1995. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.41.

7

MACHADO, Antônio Alberto; Curso de Processo Penal;2ª edição; São Paulo; Atlas, 2009, p, 238.

8

CRUZ, Márcia da Rocha; FONSECA, Flávio Fernando da; RAPOSO, Gisele da Rocha. Encontro sobre descumprimento da Transação penalsoluções viáveis.Revista dos Juizados Especiais-Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Ano I,n.V, p.47-51, set/dez 1998.

A utilização da transação penal possibilita um rápido acordo entre o Ministério Público e as partes antes mesmo do oferecimento da denúncia, o que de certa forma dilacera o Código de Processo Penal, pois possibilita uma aplicação de pena (ou seja, o cumprimento de determinado acordo, como no caso da transação) sem uma prévia avaliação da culpabilidade e com a ausência da verdade jurídica dos fatos. 5

Nesta esfera, ainda há a possibilidade da extinção de punibilidade sem o ingresso na seara probatória, quedando registrado tão somente o uso do instituto da transação penal pelo réu dentro dos controles do poder judiciário, pois para todos os efeitos, nada constará na sua ficha criminal. No que tange ao mencionado controle, o mesmo servirá para atestar que o réu não venha a ser beneficiado novamente pela mesma norma benéfica dentro de um período de cinco anos a partir da homologação da sentença transacionada. 6

A criação da lei nº. 9.099/95 buscou a consolidação de um mecanismo de contenção judicial que evitasse o litígio entre as partes, evitando uma demanda mediante o uso de acordos e conciliações. A transação penal surgiu neste compasso como uma medida de economia processual, afastando a aplicação de penas restritivas de liberdade para certos tipos de delitos, mudando um antigo panorama erroneamente até então mantido pela política criminal brasileira. 7

Neste sentido, parte da doutrina

8 pondera que a intenção do Poder Legislativo no que concerne a criação do instituto da transação penal é a simples aproximação das partes para uma rápida resolução de lides, através de vantajosos acordos, tornando o Poder Judiciário mais ágil e célere, o que colabora para uma melhor apreciação de questões penais socialmente mais relevantes, reduzindo um inócuo encarceramento até então produzido em regimes como o aberto.

Finalmente, há uma perceptível redução de custos da máquina pública em decorrência da aplicação da transação penal, pois há o descarte de um eventual novo processo, razão pela qual, este instituto é tratado como um meio de política 14

penal. Esta elogiável evolução igualmente evita o "perecimento" da integridade física e emocional do réu, não sendo ele submetido aos percalços da responsabilização penal, que indubitavelmente afetam o seu seio familiar e laboral, auxiliando na marginalidade e reprimindo qualquer chance de ressocialização do indivíduo, fatos que evidentemente afetam um bem-estar coletivo.

9

9

BITENCOURT, Cezar Roberto; tratado de Direito Penal Parte GeralI;14ª edição, 2009; Editora Saraiva, p.654.

10

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli; Curso De Processo Penal,11ª edição; Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2009, p. 615, p. 616.

11

GIACOMOLLI , Nereu José. Juizados Especiais criminais; 3ª edição, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009,p.115.

Segundo EUGÊNIO PACELLI OLIVEIRA

10, a transação penal é uma alternativa ao cidadão que cometeu uma infração de menor potencial ofensivo, não tendo a sua conduta causado um dano maior a outrem ou à sociedade como um todo. Neste instituto, há uma clara predileção à substituição da pena em detrimento da possibilidade de ressarcimento à vítima ou ao Estado, evitando um modelo fracassado de punição que não preenche os requisitos dos objetivos da pena, como igualmente acarreta ao sujeito um amargo, rancoroso e vingativo sentimento a despeito da sociedade. Resumidamente, a transação penal almeja uma forma de política que prestigia a remissão da pena ao agente que errou, mas que conscientemente buscou de algum modo uma reparação. Não obstante, tal disciplina visa um entendimento consensual entre as partes, ampliando a satisfação social em relação à atuação do Poder Judiciário.

II. Surgimento da transação penal

O modelo de transação penal como conhecemos no Brasil foi importado do sistema jurídico italiano, que por sua vez extraiu tal idéia das cortes norte-americanas, partindo de preceitos forjados por acordos mútuos entre partes, sobretudo do uso dos verbos

conciliar e transacionar, como uma forma de eficiência substitutiva de pena.11

No caso específico da Itália, o sistema originário da transação penal brasileira foi positivado através da Lei italiana n° 689/81, sendo

a posteriori introduzida pelo artigo 444 do Código Penal italiano, de modo que, durante a vigência desta lei, foi instituída uma maior aproximação das partes, com a anuência de acordos extrapenais. Nos moldes do que ocorre no Brasil, o acordo era homologado por um 15

magistrado, mediante a prévia manifestação do órgão inquisidor (similar ao Ministério Público), cujos efeitos se davam de maneira subsequente, inclusive com os mesmos mecanismos de extinção de punibilidade ao réu e registros do uso da transação como maneira de se evitar um novo benefício. 12

12

GIACOMOLLI , Nereu José. Juizados Especiais criminais;3ª edição, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009,p.115 P.116.

13

GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais criminais;3ª edição, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 116, p. 117, p.118.

14

GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais criminais; 3ª edição, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 115 p. 116, p. 117, p.118.

15

AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de. Informalização da Justiça e controle social.São Paulo: IBCCRIM, 2000, p. 12.

16

BRASIL. Presidência da República. Lei dos Juizados Especiais. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm> Acesso em: 21out. 2012.

Nos Estados Unidos da América a situação é um pouco distinta, pois as emendas V e VI da constituição do país asseguram ao individuo o direito de ser julgado e declarado culpado ou inocente pela justiça. Contudo, naquele sistema penal as pessoas tendem a admitir a culpa, evitando o enfrentamento do júri, cuja probabilidade de condenação é muito maior. 13

No sistema norte-americano os acordos firmados entre as partes diretamente interessadas não possuem limites pré-estabelecidos em lei, tudo em prol de uma política criminal específica do país, que invariavelmente busca normas despenalizadoras, inclusive com a possibilidade de mudança na tipificação penal, angariando uma forma de culpabilidade menos gravosa ao réu. Nesta mesma esteira, ainda que haja naquele país uma evidente maior celeridade processual, não podemos olvidar o fato de que os juízes nos Estados Unidos são eleitos por comunidades, e que, portanto, há uma necessidade de satisfação ao público eleitor, surgindo frequentes dúvidas acerca da imparcialidade destes magistrados. 14

Já no Brasil

, a Constituição Federal de 1988 recepcionou no seu artigo 98, inciso I a criação dos Juizados Especiais para ações de pequenas causas, originando no posterior ano de 1995 a Lei nº. 9.099, que passou a dispor nos seus artigos 72 e 76 as regras sobre a transação penal, cujo objetivo inicial foi desafogar o sistema judiciário em virtude da gritante demora processual, pois milhares de processos (inclusive de crimes juridicamente irrelevantes) padeciam esquecidos sem qualquer resposta do poder judiciário.15 Nestes termos: 16

Art. 72. Na audiência preliminar, presente o representante do Ministério Público, o autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil, 16

acompanhados por seus advogados, o Juiz esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade.

Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.

§ 1º Nas hipóteses de ser a pena de multa a única aplicável, o Juiz poderá reduzi-la até a metade.

§ 2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:

I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;

II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;

III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida.

§ 3º Aceita a proposta pelo autor da infração e seu defensor, será submetida à apreciação do Juiz.

§ 4º Acolhendo a proposta do Ministério Público aceita pelo autor da infração, o Juiz aplicará a pena restritiva de direitos ou multa, que não importará em reincidência, sendo registrada apenas para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de cinco anos.

§ 5º Da sentença prevista no parágrafo anterior caberá a apelação referida no art. 82 desta Lei.

§ 6º A imposição da sanção de que trata o § 4º deste artigo não constará de certidão de antecedentes criminais, salvo para os fins previstos no mesmo dispositivo, e não terá efeitos civis, cabendo aos interessados propor ação cabível no juízo cível.

Posteriormente, a própria evolução desta modalidade sumaríssima de julgamento acarretou na perfeita compreensão de que a transação não fomenta em hipótese alguma a impunidade, pois ela é exclusivamente benéfica ao sujeito primário que pratica um crime "anão", sendo fortificado o entendimento de que após esta medida o mesmo não voltará a transgredir regras, pois a reincidência nestes casos seria uma exceção.

17

17

AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de. Informalização da Justiça e controle social. São Paulo: IBCCRIM,2000, p. 12.

III. Características da transação penal

Estando o agente dentro dos seus pré-requisitos legais, a Transação penal pode ser caracterizada como um dever legal do órgão ministerial no que tange ao seu oferecimento, com a devida utilização de uma pena restritiva de direitos ou a aplicação de uma multa pecuniária. Contudo, não caberá qualquer possibilidade de 17

transação nas hipóteses de uma ação penal pública incondicionada a representação ou no caso do arquivamento da denúncia ou do inquérito, assim como igualmente não se fará possível a homologação de qualquer acordo transacional na situação onde há carência de representação, tanto do réu, quanto da vítima.18

18

BONFIM,Edilson Mougenot; Curso de Processo Penal, 7ª edição, 2012; Editora Saraiva, p. 689.

19

BONFIM,Edilson Mougenot; Curso de Processo Penal.7ª edição, 2012; Editora Saraiva, p. 689, p. 690, p. 691.

20

BONFIM,Edilson Mougenot; Curso de Processo Penal.7ª edição, 2012; Editora Saraiva, p. 689, p. 690, p. 691.

21

BONFIM,Edilson Mougenot; Curso de Processo Penal.7ª edição, 2012; Editora Saraiva, p. 689, p. 690, p. 691.

III. I - Requisitos essenciais da transação penal

No que concerne a possibilidade da proposta do acordo, parte da doutrina entende que a Transação penal é uma competência exclusiva do Órgão Ministerial, ao passo que outra corrente defende uma extensão por analogia deste princípio, podendo o querelante (ofendido) igualmente propor tal acordo (legitimidade). 19

Como este instituto é acima de tudo uma norma benéfica ao réu, ela precede por uma gama de requisitos, a contar: 20

1. Os crimes não podem exceder a uma pena máxima de 2 (dois) anos;

2. O réu deve ser primário, ou seja, deve haver atenção a reincidência;

3. O réu não poderá ter usufruído deste acordo nos últimos 5 (cinco) anos consecutivos a contar da homologação da última transação;

4. O réu deverá ter conduta ilibada perante a sociedade para a recomendação destes benefícios;

5. A aplicação da medida deverá ser necessária e suficiente;

6. O réu deve aceitar a proposta de transação;

Por fim, convém suscitar que a sentença homologatória da transação penal será apenas registrada para efeitos de controle judicial, evitando a hipótese de um uso indevido de uma nova Transação por uma quebra de lapso temporal. 21

Para a obtenção do benefício da Transação penal, o autor do fato não pode ser reincidente específico ou genérico, devendo ser atentado o prazo de 5 (cinco) anos da extinção ou término da pena para tanto, pois a primariedade retorna após 18

este prazo. Do mesmo modo, o autor da infração não poderá ter usufruído de outra transação penal nos últimos 5 (cinco) anos, lapso contado a partir da data da homologação judicial do acordo.22

22

NICOLITT, André Luiz. Juizados Especiais Criminais, Temas Controversos.Riode Janeiro; Lumem Juris, 2004, p. 1, p. 2.

23

BITENCOURT, Cezar Roberto; Tratado de Direito Penal, Parte Geral, I,14ª edição, 2009; Editora Saraiva, p. 657, p. 658.

24

BITENCOURT, Cezar Roberto; Tratado de Direito Penal, Parte Geral, I,14ª edição, 2009; Editora Saraiva, p. 658, p. 659.

25

BRASIL. Presidência da República. Lei dos Juizados Especiais. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm> Acesso em: 20out. 2012.

26

BITENCOURT, Cezar Roberto; Tratado de Direito Penal, Parte Geral, I, 14ª edição, 2009; Editora Saraiva, p. 657, p. 658, p. 659, p. 660, p. 661.

Não poderá fazer uso da Transação o agente que tenha maus antecedentes criminais, assim como é levada em conta para efeitos de concessão do instituto a vida pregressa do réu, com a antecedente análise da conduta social e da personalidade do mesmo, bem como motivos e circunstâncias que ensejaram o cometimento do delito. 23

Não havendo qualquer impedimento , o acordo será oferecido pelo Ministério Publico, podendo o

parquet decidir entre a aplicação de uma medida restritiva de direitos ou por uma multa, sem qualquer medida sobre a culpabilidade neste momento. Ocorrendo o aceite por parte do sujeito, a situação fática será apreciada pelo juiz, podendo a sua sentença homologatória sofrer apelação. 24

III. II - Momentos para o oferecimento da proposta

A transação penal deverá se oferecida na audiência preliminar, consoante dispositivo do artigo 76 da Lei nº. 9.099/95, ou na abertura da audiência de instrução e julgamento, conforme preconiza o artigo 79 da referida lei. Dispõe o artigo 79 o que segue: 25

Art. 79. No dia e hora designados para a audiência de instrução e julgamento, se na fase preliminar não tiver havido possibilidade de tentativa de conciliação e de oferecimento de proposta pelo Ministério Público, proceder-se-á nos termos dos arts. 72 , 73 , 74 e 75 desta Lei.

Assim, evidencia-se a natureza conciliatória da transação penal, havendo uma clara referência ao princípio da discricionariedade para as infrações de menor potencial ofensivo. 26 19

III. III - Classificação doutrinária

Para BONFIM

27 instituto da transação penal pode ser classificado como um ato jurídico bilateral, personalíssimo, formal, voluntário e tecnicamente assistido. Em que pese o fato da lei não dispor nada sobre a hipótese da discordância da Transação penal, na prática sabe-se que in casu prevalecerá à vontade do agente causador do ilícito. Por ser um ato personalíssimo, o autor do fato deve necessariamente estar presente no momento da proposta, não podendo aceitar mediante o uso de instrumentos de procuração.

27

BONFIM,Edilson Mougenot; Curso de Processo Penal.7ª edição, 2012; Editora Saraiva, p. 689, p. 690, p. 691.

28

BITENCOURT, Cezar Roberto;Tratado de Direito Penal, Parte Geral, I, 14ª edição, 2009; Editora Saraiva, p. 657, p. 658, p. 659.

29

BONFIM,Edilson Mougenot; Curso de Processo Penal.7ª edição, 2012; Editora Saraiva, p. 689, p. 690, p. 691.

30

BITENCOURT, Cezar Roberto; Tratado de Direito Penal, Parte Geral, I, 14ª edição, 2009; Editora

Segundo BITENCOURT

28, a Transação penal é um ato personalíssimo, exclusivo do acusado, não podendo ser feito por pessoa substituta. Assim, o revel não terá a possibilidade de aceitar, devendo estar presente no momento do oferecimento da transação penal. Outro fator importante remete a voluntariedade e a livre escolha, pois o réu deve necessariamente assumir os riscos no que se refere à obrigação transacionada. Neste sentido, deve o agente ter a consciência que esta abrindo mão dos seus direitos processuais legais, como por exemplo, a presunção da inocência, o duplo grau de jurisdição, a expectativa de prescrição, ou a comprovação de inocência, ou seja, estará substituindo a verdade material pela verdade consensual.

A própria formalidade exigida para este tipo de proposta cria elementos que vedam qualquer forma de Transação penal extrajudicial, devendo o magistrado estar presente da audiência. Importante suscitar que a iniciativa de acordo deverá sempre partir do Ministério Público, não devendo o juiz fazer qualquer oferta ou mesmo indeferir a proposta

ex-officio, pois havendo discordância dele com relação ao parquet, os autos deverão ser remetidos ao procurador geral, na forma do artigo 28 do Código de Processo Penal. Importante salientar que uma parcela da doutrina entende que a transação é um direito subjetivo do réu29.

Do que tange a formalidade, BITENCOURT

30 ensina que o agente não poderá ser induzido, obrigado ou constrangido a aceitar a proposta de Transação penal, 20

Saraiva, p. 657, p. 658, p. 659.

31

NICOLITT, André Luiz. Juizados Especiais Criminais, Temas Controversos.Rio de Janeiro; Lumem Juris, 2004, p. 1, p. 2.

32

GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; FERNANDES, Antônio Scarance; GOMES, Luiz Flávio. Juizados Especiais Criminais-Comentários à lei 9099, de 26.09.1995.São Paulo; Revistas dos Tribunais, 2005, p. 41, a p. 48.

33

GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; FERNANDES, Antônio Scarance; GOMES, Luiz Flávio. Juizados Especiais Criminais-Comentários à lei 9099, de 26.09.1995. São Paulo; Revistas dos Tribunais, 2005, p. 41, a p. 43.

sendo necessário que a proposta seja devidamente presenciada pelo juiz responsável, que neste aspecto, fará a fiscalização como meio de garantir o cumprimento da lei. Ainda que haja a proibição da transação extrajudicial, nada impede que haja uma conversa informal sobre o ato fora da audiência. De qualquer forma, é obrigatório que o sujeito seja tecnicamente assistido, evitando qualquer violação ao principio da ampla defesa.

IV. Questões pertinentes sobre a transação penal

Preceitua NICOLITT

31 que o nascimento da Lei nº. Lei 9.099/95 surge a partir da estruturação de normas constitucionais, as mesmas que deram origem ao instituto da transação penal, hoje consagrado nos moldes do artigo 76 da referida lei como uma grande inovação no julgamento de delitos de menor gravidade.

No centro das discussões legais sobre a transação penal, encontra-se a figura do Poder Legislativo, pois a criação deste instituto emanou da necessidade de uma pronta resposta à sociedade, onde o poder judiciário padecia de uma histórica letargia, consequência direta de uma lei penal em descompasso com a velocidade dos tempos atuais.32

Segundo GRINOVER

33, a precariedade da norma penal em um plano geral punitivo detém em seu viés formador a ausência de elementos ressocializadores específicos, partindo-se do pressuposto de que o delito unicamente se combate com penas, sendo justamente nesta seara, que a transação penal ganha ares modernos e eficientes, substituindo a sanção penal pela reparação do dano pelo autor do delito ou da contravenção, sem a anuência da responsabilização penal e o consequente processo legal, e suas prejudiciais consequências sociais.

Ainda, outro ponto importante a ser frisado de frisar diz respeito ao incremento da lei nº. 10.259/01, cuja principal mudança foi a ampliação da possibilidade do uso da transação penal para delitos com pena máxima de 2 (dois) 21

anos, pois até então, a aplicação do instituto restringia-se à crimes com pena máxima não superior a 1 (um) ano de detenção.

34 Hoje, disciplina a lei 11.313/06 em seu artigo 1º, as alterações nos artigos 60 e 61 da Lei dos Juizados Especiais, dispondo o que segue: 35

34

GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; FERNANDES, Antônio Scarance; GOMES, Luiz Flávio. Juizados Especiais Criminais-Comentários à lei 9099, de 26.09.1995. São Paulo; Revistas dos Tribunais, 2005, p. 45, a p. 48.

35

BRASIL. Presidência da República. Lei 11.343 de 28 de Junho de 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11313.htm#art2> Acesso em: 23out. 2012.

36

GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; FERNANDES, Antônio Scarance; GOMES, Luiz Flávio. Juizados Especiais Criminais-Comentários à lei 9099, de 26.09.1995. São Paulo; Revistas dos Tribunais, 2005, p. 43, a p. 45.

37

NICOLITT, André Luiz. Juizados Especiais Criminais, Tema Controversos. Rio de Janeiro; Lumem Juris, 2004, p. 22.

Art. 1

o Os arts. 60 e 61 da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, passam a vigorar com as seguintes alterações:

"Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência.

Parágrafo único. Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrentes da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis."

"Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa."

Por fim, importante referir que a norma da Lei 9.099/95 não afasta a ilicitude das infrações penais, pois o objetivo da lei se dá no sentido da aplicação de medidas alternativas a imposição penal, primando pela celeridade e a economia processual.36

IV. I - A transação penal ex-officio

A proposta de transação penal aplicada pelo juiz de maneira

ex-offício é um tema de grande relevância dentro do estudo deste instituto, sendo de suma importância a exposição do posicionamento doutrinário pertinente, senão, vejamos:

Para NICOLITT

37, no regramento geral da transação penal, o juiz não pode interferir de modo ex-officio no condizente a proposta de acordo entre as partes. Contudo, havendo a omissão ou o silencio do Ministério Público no tocante ao oferecimento do acordo nas hipóteses onde o mesmo é viável (direito subjetivo do 22

réu), poderá o magistrado aplicar o dispositivo do artigo 28 do Código de Processo Penal, efetuando a remessa dos autos ao Procurador Geral de Justiça para o devido encaminhamento ou não da proposta de transação, onde a partir de então, o juiz deverá acatar a decisão do mesmo.

Já OLIVEIRA

38, sustenta a tese de que o juiz jamais poderá agir em nome do órgão ministerial, mesmo em caso de omissão do parquet em virtude de um direito subjetivo do réu. Isto, pois, o único meio plausível para a resolução deste caso é a exclusiva insurgência da defesa do réu, havendo a partir da sua arguição em juízo, a possibilidade da aplicação por analogia do artigo 581, inciso I do Código de Processo Penal, cujo remédio para a rejeição se dá a partir da impetração de hábeas corpus ou do mandado de segurança, pois na vigência in casu há o desrespeito do órgão inquisidor em detrimento de um direito líquido e certo do réu.

38

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli; Curso de Processo Penal, 11ª edição; Rio de Janeiro; Lumem Juris, 2009, p. 632.

39

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Criminais. Porto Alegre; Saraiva, 2000, p. 92.

40

BITENCOURT, Cezar Roberto; Tratado de Direito Penal Parte Geral I;14ª edição, 2009, Editora Saraiva, p. 662, p. 663.

Por sua vez, TOURINHO FILHO

39 defende a idéia de que não há mais espaços no universo jurídico para um juiz acusador, devendo o mesmo conservar antes de tudo, a imparcialidade, cuja característica preponderante é o seu papel neutro dentro da contextualização jurídico-social exigida. Neste diapasão, o oferecimento da transação é um dever, uma obrigação de fazer por parte do órgão ministerial, sendo a supressão ou omissão da aplicação desta norma, uma violação ao direito subjetivo do réu.

Para BITTENCOURT

40, o sistema falha em deixar nas mãos do órgão inquisidor a livre disponibilidade do uso ou não da transação penal em favor do réu, devendo haver uma modificação de tal diploma. Como meio de resolução deste impasse, a alternativa mais viável no caso de negativa ou silêncio do Ministério Público é o uso por analogia do teor do artigo 28 do Código de Processo Penal, devendo ocorrer o envio dos autos ao Procurador Geral de Justiça para uma decisão final. Outro meio correcional é a impetração do Hábeas Corpus, pois a Carta Magna determina expressamente que nenhuma lesão de direito individual poderá ser privada do poder jurisdicional. 23

De modo diferenciado, TOURINHO NETO

41 alega que na hipótese do não oferecimento da transação penal pelo Ministério Público, o juiz deverá fazê-la de ofício. Nesta situação hipotética, o magistrado só estaria garantindo um direito subjetivo do réu, haja vista a violação sofrida na constância da omissão ou da negativa ministerial.

41

TOURINHO NETO, Fernando da Costa.FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais Federais Cíveis e Criminais.3ª edição, 2011; Editora Revista dos Tribunais, p. 553.

42

GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais criminais; 3ª edição, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 129, p. 130.

43

BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Recurso Crime nº 71002693653. Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Cristina Pereira Gonzáles, Julgado em 18/10/2010.

Por fim, aduz GIACOMOLLI

42 que sucedendo a omissão ou negativa do Ministério Público, o juiz tem a obrigação de oferecer o instituto da transação penal, pois caso não o faça, estaria permitindo que um direito do acusado não fosse devidamente respeitado. Outro ponto interessante relata a inexistência de qualquer movimentação ex-officio do magistrado nesta situação, pois não há uma discussão sobre a culpabilidade do agente neste primeiro momento, não estando iniciada de fato a ação penal, motivo pelo qual, não há meios de discussão sobre uma eventual imparcialidade do juiz. Neste sentido 43:

CRIME CONTRA A HONRA. INJÚRIA. ARTIGO 140 DO CP. BENEFÍCIOS DESPENALIZADORES NÃO OFERECIDOS. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. NULIDADE RECONHECIDA. O não oferecimento dos benefícios da transação penal e da suspensão condicional do processo ao querelado acarreta a nulidade do feito, mormente em sendo ele primário e preenchendo todos os requisitos objetivos e subjetivos previstos nos artigos 76 e 89 da Lei 9.099/95. Prejuízo caracterizado pela condenação imposta ao réu. PROCESSO ANULADO A CONTAR DA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO.

Portanto, fica evidenciada através da jurisprudência a obrigatoriedade do oferecimento da transação penal, consolidando grande parte do entendimento doutrinário.

IV. II - Descumprimento da transação penal

Ocorrendo o descumprimento da transação penal por parte do réu, há uma acirrada discussão entre juristas e doutrinadores. Um dos caminhos recorridos consiste em transformar a pena restritiva de direitos ou a multa instituída em uma 24

pena restritiva de liberdade, ao passo que outra defende a transformação do acordo não cumprido em uma dívida de valor monetário, de modo que não caiba a execução do título judicial homologado pelo magistrado com a imposição de uma privação de liberdade, pois este sequer é o objeto central da transação para esta corrente doutrinária.44

44

NICOLITT, André Luiz. Juizados Especiais Criminais, Tema Controversos. Rio de Janeiro; Lumem Juris, 2004, p. 22.

45

NICOLITT, André Luiz. Juizados Especiais Criminais, Tema Controversos.Rio de Janeiro; Lumem Juris, 2004, p.23.

46

BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. RHC 11398 SP 2001/0056971-3. Quinta Turma, Relator: Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, Julgado em 02/10/2001.

47

GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais criminais; 3ª edição, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 143.

Segundo NICOLITT

45, havendo o descumprimento do acordo, deve o Ministério Público provocar a denúncia, pois o Superior Tribunal de Justiça tem firmado o entendimento de que inexistindo o cumprimento do acordo, igualmente não haverá a perfeita homologação do mesmo, o que não gera qualquer titulo executivo, oportunizando o regresso do feito ao juízo a quo para a imposição das medidas penais cabíveis, como o reinício do processo, mediante nova denúncia formalizada pelo parquet.

Sendo assim, tal pensamento estaria possibilitando uma imposição de pena nos seguintes termos: 46

RHC. LEI 9.099/95. DESCUMPRIMENTO DE ACORDO FIRMADO EM TRANSAÇÃO PENAL. HOMOLOGAÇÃO CONDICIONADA AO EFETIVO PAGAMENTO DA MULTA AVENÇADA. INEXISTÊNCIA DE SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA. POSSIBILIDADE DE OFERECIMENTO DA DENÚNCIA ANTE A INEXISTÊNCIA DE TÍTULO JUDICIAL PARA EVENTUAL EXECUÇÃO. É possível o oferecimento da denúncia por parte do órgão Ministerial, quando descumprido acordo de transação penal, cuja homologação estava condicionada ao efetivo pagamento do avençado. O simples acordo entre o Ministério Público e o réu não constitui sentença homologatória, sendo cabível ao Magistrado efetivar a homologação da transação somente quando cumpridas as determinações do acordo. Recurso desprovido.

De acordo com a corrente doutrinária defendida por GIACOMOLLI

47, o procedimento sugerido pela corrente adversa se trata de uma execução sentencial sem um devido processo legal, e, portanto, não possui qualquer amparo. Nestes termos, o referido doutrinador sustenta que na hipótese do descumprimento de um acordo homologado pelas partes em juízo, deve o magistrado ficar atendo ao dispositivo do artigo 51 do Código Penal e ao artigo 182 da Lei de Execuções Penais 25

(LEP), pois há a expressa vedação legal da transformação da pena de multa (pecúnia) em uma pena privativa de liberdade, sendo cabível neste caso, a conversão do valor não cumprido em uma dívida monetária, havendo a estipulação da cobrança na forma da legislação de dívidas ativas da Fazenda Pública.

Ainda, vale mensurar que o descumprimento de um acordo homologado em juízo acarreta em um imenso problema, pois em razão de desrespeito ou desconhecimento de leis, o Poder Legislativo acabou deixar esta norma penal em branco, sem qualquer solução concreta.48

48

GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais criminais; 3ª edição, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 143.

49

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC nº 79.472, Ministro Ilmar Galvão.Julgado em 21/10/1999.

O entendimento do STF não se dissocia: 49

Vistos, etc. Reir Assis Sousa (ou Reir Assis Souza), sob os auspícios da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, impetra habeas corpus em seu próprio benefício, com pedido de medida liminar,alegando constrangimento ilegal por parte da Turma Recursal do Juizado Especial Criminal de Belo Horizonte.Esclarece a impetração que, em audiência preliminar perante o Juizado Criminal, o Ministério Público, nos termos do art. 76 da Lei nº 9.099/95, propôs transação penal, na forma de pagamento de multa, que foi aceita e homologada.Quando os autos encontravam-se em fase da efetivação da medida transacionada, o MM. Juiz entendeu, com a entrada em vigor,em 23.01.98, do novo Código Nacional do Trânsito, de julgar extinta a punibilidade do paciente, por atipicidade, porque não vislumbrara na conduta do agente que dirigia sem habilitação, sem gerar perigo de dano, a elr prevista no art. 309 do referido estatuto.Houve recurso por parte do Ministério Público Estadual, que resultou provido para determinar o prosseguimento do feito.Insiste na alegação de que o Código de Trânsito não pune como crime a condução de veículo sem habilitação, que considera apenas como infração administrativa, tanto que, no inciso I do artigo 162, aplica multa e apreensão do veículo.Assevera que o legislador só tipificou criminalmente a conduta (conduzir veículo automotor sem a devida habilitação) quando possa gerar perigo concreto de dano.Pede a concessão da ordem para determinar o trancamento da ação penal.A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, em sessão do dia 19 de outubro passado, julgando o Habeas Corpus nº 79.472, que versa hipótese rigorosamente idêntica à presente, não conheceu da ordem, acolhendo preliminar levantada no parecer da douta Procuradoria-Geral da República, porque se tratava de condenação à pena de multa, circunstância que, na conformidade da jurisprudência da Corte, não enseja impugnação por meio de habeas corpus, uma vez que a Lei nº 9.268/96 afastou a sua conversão em prisão, ao preconizar a exigência em espécie, por meio de instauração de processo de execução forçada.À vista disso, nego seguimento ao writ, ficando, em consequência, prejudicado o exame da medida liminar.Arquivem-se os autos.Publique-se.Brasília, 21 de outubro de 1999.Ministro ILMAR GALVÃO Relator769.099(79603 MG , Relator: Min. ILMAR GALVÃO, 26

Data de Julgamento: 21/10/1999, Data de Publicação: DJ DATA-03-11-99 P-00042)

Neste viés, interessante relacionar o entendimento do STJ sobre o tema: 50

50

BRASIL. Superior Tribunal de justiça. Rec. Esp. Nº 175.909.Julgado em 15/07/2010.

51

GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais criminais; 3ª edição, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 143.

HABEAS CORPUS Nº 175.909 - MT (2010/0106527-0) RELATOR : MINISTRO FELIX FISCHER IMPETRANTE : TÓGO MENEZES E OUTROS ADVOGADO : TOGO MENEZES E OUTRO (S) IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO PACIENTE : DIOGO SALES DE ANDRADE (PRESO) DECISÃO Habeas corpus contra a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso que denegou writ impetrado em favor de Diogo Sales de Andrade, preservando-lhe a prisão preventiva decretada no processo da ação penal a que responde pela prática do delito tipificado no artigo333, combinado com o artigo400, inciso V,caput, da Lei nº11.3433/2006. O excesso de prazo para o encerramento da instrução criminal e a falta de requisitos para a prisão cautelar fundam a impetração. Alegam os impetrantes que, em audiência de instrução, os autos foram remetidos à Comarca de Paranatinaga, em razão da declaração de incompetência do Juízo de Barra dos Garças e que, distribuído o processo à 2ª Vara daquela comarca, foi determinada a expedição de carta precatória para o Juízo de Barra dos Graças para oitiva de testemunhas. Sustentam que "até o momento a instrução processual não foi encerrada, enquanto que o Paciente está preso há mais de 305 dias". Pugnam, liminarmente e no mérito, pela expedição de alvará de soltura. Tudo visto e examinado, decido. Desprov (fl. 2) ida de previsão legal específica , a liminar em sede de habeas corpus, admitida pela doutrina e jurisprudência pátrias, reclama, por certo, a demonstração inequívoca d (artigos 647 a 667 do Código de Processo Penal) os requisitos cumulativos das medidas cautelares, quais sejam, o periculum in mora e o fumus boni iuris.In casu, afora submeter-se o tempo legal do processo ao princípio da razoabilidade, incompatível com o seu exame à luz de só consideração aritmética, sobretudo, por acolhida, no sistema de direito positivo, a força maior, como fato produtor da suspensão do curso dos prazos processuais, trata-se o pleito cautelar, em natureza, de pedido de antecipação de tutela, induvidosamente satisfativo, implicando o seu acolhimento em usurpação da competência do órgão coletivo, proibida ao Relator. Solicitem-se informações ao egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso e ao Juízo da 2ª Vara da Comarca de Paranatinga/MT, a serem prestadas com a maior brevidade possível. Com as respostas, ao MPF. Publique-se. Brasília, 15 de julho de 2010. MINISTRO HAMILTON CARVALHIDO No exercício da Presidência40V11.343 (175909 , Relator: Ministro HAMILTON CARVALHIDO, Data de Publicação: DJe 05/08/2010)

Reiterando o seu posicionamento, GIACOMOLLI

51 alega que, caso inexistisse a alteração proibitiva do artigo 51 do Código Penal no sentido de vedar a transformação da pena de multa em restritiva de liberdade, ainda sim, em hipótese 27

alguma um acordo descumprido nos moldes da transação penal poderia culminar em uma pena restritiva de liberdade ao réu, pois a multa aceita não advém do juízo da culpabilidade ou da ilicitude da sua conduta. Outro fator que impossibilitaria tal conversão é a própria natureza da Lei nº. 9.099/95, cujo fundamento encontra-se lastreado em uma nova política criminal que busca celeridade e alternativas às clássicas sanções penais punitivas.

Sobrepondo-se a abordagem da própria norma penal vigente, a conversão do acordo não cumprido em restrição de liberdade acaba se caracterizando como uma perversidade, criando um maior distanciamento consensual entre a sociedade e uma nova política penal para contravenções e pequenos delitos, o que evidentemente fere o bom senso e a praticidade almejada pelo Poder Judiciário nestes casos. Assim, a hipótese disciplinada pelo artigo 45 do CP não encontra amparo no Juizado Especial Criminal, pois o referido artigo preconiza que na anuência do não cumprimento pelo réu de acordo homologado em juízo, pode haver o regresso à situação anterior com a aplicação da pena privativa de liberdade ao mesmo nos moldes do seu artigo 55 do CP, sendo conveniente destacar a autonomia da Lei 9.099/95, onde não haverá a estrita analogia ao Código Penal na sua aplicação. 52

52

GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais criminais; 3ª edição, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p 144.

53

GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais criminais; 3ª edição, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 145 e p. 146.

In verbis

, NEREU JOSÉ GIACOMOLLI menciona uma solução: 53

(...) Resta unicamente, pela sistemática atual, sua execução no âmbito dos JECrim. A sentença homologatória, como toda sentença criminal, produz a eficácia de Coisa julgada. Portanto não se pode mais discutir, na esfera criminal, a incidência Do

ius puniendi, pelos mesmos fatos. Todavia, também não há mecanismos legais para executar a pena restritiva de direitos, cabendo aos juízes a convocação das partes para uma audiência pública, na busca de uma alternativa consensual, sob pena de descrédito do sistema da justiça Consensual. Na lei 11343/06, o descumprimento da transação penal (advertência, prestação de serviços à comunidade, medidas educativas) nas hipóteses do artigo 28 (usuário), o magistrado submeterá o autor do fato à admoestação verbal 28

e à multa (art.28,§6º), vedando-se, portanto, o oferecimento de denuncia.

Neste diapasão, julga o Superior tribunal de Justiça do seguinte modo: 54

54

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Precedentes citados: HC 91.054-RJ, DJe, 19/4/2010; AgRg no Ag 1.131.076-MT, djE 8/6/2009; HC 33.487-SP, DJ 1º/7/2004, e Resp 226.570-SP, DJ 22/11/2004. HC 90.126-MS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 10/06/2010.

55

BRASIL. Tribunal de justiça do Rio Grande do Sul. (Habeas Corpus Nº 71002818573. Turma Recursal Criminal. Turmas Recursais. Relator: Edson Jorge Cechet, julgado em 18/10/2010).

56

GRINOVER,Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; FERNANDES, Antônio Scarange; GOMES, Luiz Flávio. Juizados Especiais Criminais-Comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. São Paulo:: Revista dos Tribunais, 2005, p. 106.

TRANSAÇÃO PENAL. DESCUMPRIMENTO. Faz coisa julgada formal e material a sentença que homologa a aplicação, De pena restritiva de direitos decorrente de transação penal (art. 76 da lei n. 9.099/1995). Assim transcorrido

in albis o prazo recursal e sobrevindo descumprimento do acordo, mostra-se inviável restabelecer a persecução penal.

Julga o Tribunal de Justiça do Rio Grande Do Sul: 55

HABEAS CORPUS DESCRUMPRIMENTO DA TRANSAÇÃO PENAL E DA SUSPENÇÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. REVOGAÇÃO DOS BENEFICIOS. AUSENCIA DE INTIMAÇÃO. NULIDADE. Descumprida a transação penal, deve o processo retornar ao status quo ante, possibilitando-se. Ao órgão acusador prosseguir na persecução penal. Em relação à revogação do "sursis", nem a defesa nem o acusado foram intimados, devendo ser declarada a nulidade do feito a contar da revogação da mesma, oportunizando-se ao acusado pronunciar-se quanto ao não cumprimento das condições. HABEAS PARCIALMENTE CONCEDIDO.

Nesta esteira, torna-se cristalino o singular viés jurisprudencial acerca do descumprimento do instituto da transação penal, nos distintos âmbitos do poder judiciário.

IV. III - Análise da natureza jurídica

Dentro dos Juizados Especiais Criminais, a conciliação e a transação penal ocorreram na audiência inicial, ou seja, antes da formalização de uma eventual acusação por parte do Ministério Público, o que mostra uma primeira natureza extrajudicial deste instituto. 56 29

Conseguintemente, após a homologação do acordo pelo juiz, a transação penal assume a forma de título judicial, possibilitando a execução forçada no caso de descumprimento.

57 Outro fato importante são os entendimentos acerca da natureza jurídica exteriorizada pela transação penal no mundo jurídico, havendo varias posições neste sentido, pois parte da doutrina defende que a transação penal é um direito subjetivo do réu, ao passo que outra corrente sustenta que ela é uma faculdade do órgão inquisidor. 58

57

GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; FERNANDES, Antônio Scarange; GOMES, Luiz Flávio. Juizados Especiais Criminais-Comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 106.

58

NICOLITT, André Luiz. Juizados Especiais Criminais, Tema Controversos.Rio de Janeiro; Lumem Juris, 2004, p 3.

59

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Criminais. São Paulo; Saraiva, 2000, p. 199.

60

DIAS, João Luiz Fischer. Devido Processo Legal Consensual nos Juizados Especiais Criminais. Revista dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Ano I, n. 6, p.44-50, jan/jun 1999, p.47.

61

DIAS, João Luiz Fischer. Devido Processo Legal Consensual nos Juizados Especiais

A Carta Magna prevê o devido processo legal mediante a observância de mecanismos que garantem uma gama de direitos constitucionais, como presunção de inocência, o duplo grau de jurisdição, o direito de ser citado e intimado de todas as decisões do processo, o direito ao contraditório, a ampla defesa, a identidade do juiz natural, a imparcialidade dos decisórios, a disponibilidade recursal, a vedação do

reformatio in pejus, o respeito à coisa julgada, a proibição de provas ilícitas no processo, a devida motivação das sentenças, a celeridade processual, a retroatividade da lei mais benéfica ao réu, assim como preceitos básicos, como a dignidade da pessoa humana, a integridade física, a igualdade e a liberdade. 59

Outro ponto de vista defende a idéia de que o alcance dos requisitos do processo legal e da ampla defesa passa pela assistência do réu por advogado ou defensor público, devendo o acusado ser cientificado da sua presunção de inocência até o transito em julgado do processo que lhe é imputado. Outrossim, urge colacionar que a garantia constitucional prevista na forma do artigo 5º, inciso LVII garante subjetivamente o direito do réu em ser formalmente imputado e informado sobre o delito e a pena aos quais está sendo acusado.60

Nesta esteira, o réu tem o direito ao aceite ou não da proposta de transação penal, assim como o prévio conhecimento das consequências desta escolha, com o preenchimento de todas as formalidades legais próprias na própria ata de audiência, como local, horário, data, prazo para o cumprimento e forma de fiscalização. 61 30

Criminais

. Revista dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Ano I, n. 6, p.44-50, jan/jun 1999, p.47.

62

NICOLITT, André Luiz. Juizados Especiais Criminais, Tema Controversos. Rio de Janeiro; Lumem Juris, 2004, p 22.

63

MIRABETE, Júlio Fabrini. JuizadosEspeciais Criminais.São Paulo: atlas, 2002, p.152.

64

MIRABETE, Júlio Fabrini. Juizados Especiais Criminais.São Paulo: atlas, 2002, p. 110.

65

GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais criminais; 3ª edição, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 30.

66

MORAES JÚNIOR, Volney C. L. de. A Lei 9.099 e o Direito Penal Mágico. Crime e Castigo, reflexões politicamente incorretas. 2ª edição. Campinas: Millenium, p.224.

Outro fato de suma importância no que tange a aplicação da transação penal é a necessidade do antecedente conhecimento do réu acerca das consequências do aceite da proposta, como por exemplo, o fato dele estar abrindo mão o contraditório e da ampla defesa, o direito de efetivamente provar a sua inocência. Neste mesmo sentido, vale referir que igualmente no concernente ao aceite da transação o

parquet estará tornando disponível o seu direito em acusar e produzir toda uma série de provas em detrimento do acusado. 62

Segundo MIRABETE

63, a homologação do instituto da transação penal traz consigo a própria condenação, pois na realidade a proposta tem um caráter definitivo de sanção penal, todavia sem o reconhecimento da culpabilidade do réu, impondo uma sentença condenatória imprópria, pois transforma uma imputação penal não discutida no viés probatório em um fato concreto, criando uma situação jurídica fática, sendo uma espécie de pena atribuída mesmo sem a execução do devido processo legal e a sua principiologia natural.

Ainda, pondera o doutrinador

64 que a finalidade do processo penal é a sua incansável busca pela verdade, obrigando o juiz a investigar a realidade dos fatos, devendo o processo reproduzir com legitimidade a esfera de acontecimentos pertinentes. Neste compasso, a disciplina do processo penal no rito sumaríssimo respeita a ordem de uma nova política criminal, buscando a ressocialização do acusado com a redução da formalidade, ainda que isto resulte na desatenção ao princípio da busca da verdade real. Deste modo, embora haja de fato esta "quebra", a incidência deste instituto proporciona uma melhor perspectiva ao agente, onde o peso da sanção penal é substituído por medidas de educação correcional.

Noutro campo, ensina MORAES JÚNIOR: 65

(...) não há pena sem condenação judicial, nem título com execução definitiva e Exigível sem coisa julgada material considerando uma patente frustração a imposição do instituto da pena antecipada, sugerindo uma modificação Legislativa realista prudente.

66 A Carta 31

Magna, no artigo 98, I não elucidou o que é infração penal de menor potencial ofensivo e designa a ser dos Juizados Especiais Criminais a competência para analisar as infrações de menor potencial lesivo, mas qualificar o que é infração de menor potencial ofensivo deveria ser visto com analise do bem jurídico atingido e não a quantidade de pena cominada no tipo legal.

Finalmente, AURY LOPES JÚNIOR

67 exterioriza a tese de que a vítima é a parte mais fraca da relação penal, mas no que tange a prática processual criminal, o mesmo não ocorre, pois há uma inversão sistemática da norma protetora judicial, onde a vítima recebe menos tutela estatal que o acusado, justificando-se para tanto o condão do poder inquisitivo do Estado pôr sobre o réu.

67

LOPES JÚNIOR, Aury: Sistema de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2003, p.12.32

CAPITULO II

PRINCÍPIOS DA TRANSAÇÃO PENAL

I. A transação penal e os direitos constitucionais

É notória a visão futurista e o salto de modernidade dado pela lei 9.099/95, revolucionando o instituto jurídico penal, seguindo preceitos preconizados pelo inciso I do artigo 98 da Constituição Federal. Nesta esfera, a partir do incremento desta lei no ano de 1995, foi colocando em plano executório um sistema jurídico-penal causador de um estrondoso impacto social, ao menos em um primeiro momento. Esta inovação no tratamento de uma série de problemas criminais alterou o pensamento jurídico predominante, possibilitando a partir de então a aplicação de princípios conciliadores e ressocilizadores que primam pela reparação do dano e a consciência da ilicitude cometida através de meios educacionais distintos da clássica sanção penal, muito utilizada e até então, e geradora de uma letargia judiciária impressionante. Assim, tem se pacificado que a criação dos Juizados Especiais se deu igualmente no sentido de uma maior economia processual, diminuindo os gastos dos cofres públicos e agilizando a resolução de lides.68

68

GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; FERNANDES, Antônio Scarance; GOMES, Luiz Flávio. Juizados Especiais Criminais-Comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.50.

69

GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; FERNANDES, Antônio Scarance; GOMES, Luiz Flávio. Juizados Especiais Criminais-Comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.50.

Adentrando neste tema, GRINOVER

69 pontua que o clássico princípio da verdade material é atualmente uma nova realidade, devendo ser admitido o surgimento de uma verdade consensual sem o óbice do processo legal e toda sorte de princípios inerentes. Certamente a despenalização defendida pela Lei n°. 9.099/95 trás consigo um plano de novas idéias mais condizentes com a atual realidade penal, consolidando-se como um pensamento mundial no sentido da aplicação da pena privativa de liberdade como última medida punitiva, somente utilizada quando não restarem demais alternativas, pois a pena de prisão é uma medida dramática e impõe um severo desgaste social. 33

Nesta seara, doutrinadores e juristas afirmam que através desta lei emergiu uma visão diferenciada das óticas punitivas e resolutivas de temas criminais, eliminando velhos paradigmas da processualística penal, apresentando uma rápida resposta à sociedade. Ainda, fundamental auferir que a despenalização não significa descriminalização, pois as condutas julgadas na forma do rito sumaríssimo do processo penal seguem sendo delitos, ainda que de menor potencial ofensivo, como as contravenções. 70

70

GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; FERNANDES, Antônio Scarance; GOMES, Luiz Flávio. Juizados Especiais Criminais-Comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.56.

71

OLIVEIRA, Frederico Abrahão de. Manual de Criminologia. Porto Alegre: Sagra-DC Luzzatto, 1996, p. 36.

72

PRADO, Geraldo. Novos Diálogos sobre os Juizados Especiais Criminais-Transação penal: Alguns aspectos Controvertidos.Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2005, p.79, p. 80, p. 83.

73

PRADO, Geraldo. Novos Diálogos sobre os Juizados Especiais Criminais-Transação penal: Alguns aspectos Controvertidos.Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2005, p.79, p. 80, p. 83.

Acrescendo outros posicionamentos, OLIVEIRA

71 alega que a transação penal caracteriza-se como uma revolução da aplicação das penas, pois ela busca a integridade física e emocional do réu, afastando o mesmo do terrível universo do sistema prisional brasileiro, evitando à imersão do sujeito em um antro propício à formação de novos delinquentes aptos a prática de crimes muito mais graves, sendo a ausência de carceragem uma justiça autenticamente terapêutica ao infrator.

Contrariando a compreensão majoritária da doutrina, PRADO

72 defende que o instituto da transação penal fere o âmago da Constituição Federal, criando um espaço propicio para o desencadeamento de novos conflitos, pois não há uma verdadeira resposta aos múltiplos questionamentos cotidianos sobre diferentes condutas sociais. Isto decorre do fato de que o artigo 5º da Carta Magna prevê o processo legal ao acusado, ao passo que o artigo 98 em seu inciso I se dá de forma contrária, extraindo a responsabilidade da sociedade pelo ilícito, utilizando o maquinário do judiciário de modo superficial, pois não há a busca pela justiça, mas por uma conciliação forçosa.

Assim

73, o sistema de conciliação culmina penalizando o réu sem o devido processamento do feito e igualmente sem a consolidação probatória dos fatos imputados, o que gera injustiça. Em outras palavras, a justiça promovida pelo instituto da transação penal não se encontra em harmonia com o diploma constitucional, pois há uma grande supressão de direitos do réu, onde o ordenamento encontra uma maneira simples de penalizar, resolvendo 34

aparentemente o conflito mediante o uso de um sistema artificial e midiático, sem discussões de plano fático e concreto.

Seguindo nesta esteira de posicionamentos, AURY LOPES JÚNIOR

74 alega que o uso prático da transação penal pode ser comparado a um filme de terror, pois diante do acusado surge a figura de um juiz sem nenhuma vontade de levar o processo até o final, pois tem como missão a resolução de um determinado número de casos por mês, figurando ao lado de uma promotoria inteiramente desinteressada, desejando que aquela situação se finde com a máxima rapidez. Deste modo, percebe-se uma pauta superlotada de audiências, onde de modo displicente alguns magistrados agem em comunhão com promotores para uma resolução rápida de cada caso, com o único intuito de esvaziar o número de ocorrências, onde a prioridade é a quantidade, e não a qualidade, o que gera uma atrocidade legal no seio do judiciário, com a inobservância de uma série de direitos e deveres.

74

LOPES JÚNIOR, Aury: Sistema de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2003, p. 31.

75

CHERNECCHIARO, Luiz Vicente. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995: Algumas Observações. Informativo Jurídico da Biblioteca Ministro Oscar Saraiva, Brasília, v. 8, n. 2, p. 121-135, jul/dez. 1996.

76

LOPES JÚNIOR, Aury: Sistemade Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2003, p. 31.

77

BIZZOTTO, Alexandre: QUEIROZ, Felipe Vaz de. (Des) construindo o Juizado Especial: Enfoque Constitucional. In: AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de; CARVALHO, Salo de (org). A Crise do Processo Penal e as Novas Formas de Administração da Justiça Criminal. Porto Alegre: Notadez, 2006, p. 59-p.64.

No mesmo sentido, CHERNICCHIARO

75 entende que a Lei nº. 9.099/95 fulmina com os princípios fundamentais do direito processual penal, renunciando ao contraditório e ao direito da ampla defesa, havendo a desatenção ao estado natural de inocência do acusado, onde a condenação só teria lugar com o trânsito em julgado do processo, fato que não ocorre na esfera destes crimes anões.

Outro agravante é a condenação sem a busca da veracidade fática, onde o Ministério Público acaba invertendo o seu papel legal (inquisidor, acusador), passando a auxiliar o réu no reparo de um dano causado, buscando junto a atuação parcial do juiz uma melhor conveniência ao acusado para fins penais, pois frequentemente neste rito o juiz assume uma posição diversa da sua. 76

Ainda, acrescenta BIZZOTTO

77 que as leis que proporcionaram o surgimento dos Juizados Especiais Criminais são parcialmente inconstitucionais, pois não há uma explicação lógica para a segregação dos Juizados Especiais em 35

duas modalidades, o âmbito cível (JEC CÍVEL) e no penal (JECRIM), uma vez que a natureza dos mesmos é uma, primando pelo reparo do dano mediante a conversão de pecúnia.

Outro fator é que a ausência da expressão "criminal" no inciso I do artigo 98 da Constituição Federal, pois há neste dispositivo a pura e simples criação dos Juizados Especiais sem qualquer prévia definição de matéria.

78

78

BIZZOTTO, Alexandre: QUEIROZ, Felipe Vaz de. (Des)construindo o Juizado Especial: Enfoque Constitucional.In: AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de; CARVALHO, Salo de (org). A Crise do Processo Penal e as Novas Formas de Administração da Justiça Criminal.Porto Alegre: Notadez, 2006, p. 59-p.61.

79

BIZZOTTO, Alexandre: QUEIROZ, Felipe Vaz de. (Des) construindo o Juizado Especial: Enfoque Constitucional.In: AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de; CARVALHO, Salo de (org). A Crise do Processo Penal e as Novas Formas de Administração da Justiça Criminal. Porto Alegre: Notadez, 2006, p. 62-p.64.

80

ANZILIERO, Dineia Largo; BASSO, Maura. A (in) Eficiência da Informatização da Justiça no Brasil e a Busca por um Novo Paradigma do Controle Social.In: AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de;CARVALHO, Salo de (org). A Crise do Processo Penal e as Novas Formas de Administração da Justiça Criminal.Porto Alegre: Notadez, 2006. p. 74.

Por fim, sustenta BIZZOTTO

79 que a própria despenalização dos Juizados Especiais Criminais não atinge uma justiça social, pois há uma autêntica descriminalização de conduta.

ANZILIERO e BASSO

80 compreendem que a Lei nº. 9.099/95 criou problemas ao sistema legal, pois ocorreu uma redução probatória, limitando ao réu a apresentação de 3 (três) testemunhas na sua defesa, sem proporcionar o direito da inquirição de demais depoentes mediante o uso de carta precatória, mecanismo utilizado quando a testemunha reside em comarca diversa ao local do processo.

Igualmente, não há a anuência de análises periciais, sob o pretexto de que os Juizados Especiais, por serem competentes para o julgamento de crimes de menor potencial ofensivo, não denotam de uma maior complexidade elucidativa, permanecendo tal procedimento adstrito a justiça penal comum. No condizente a denúncia, a mesma pode ser oferecida sem elementos probatórios suficientes, pois frequentemente é realizada para tanto apenas a oitiva da vítima, sem a existência de qualquer depoimento do réu, o que fere o princípio da verdade real do processo penal. Finalmente, a supressão de uma série de garantias constitucionais acarreta numa aparente celeridade processual, onde o judiciário oferece uma falsa resposta ao clamor social. 36

II. Princípios norteadores

II. I - Princípio do devido processo legal

O princípio do devido processo legal decorre de previsão constitucional, consolidando-se como um marco para os demais princípios e garantias legais dentro da aplicação do direito. O devido processo legal visa à aplicação do direito, emergindo a partir dele uma série de princípios. 81

81

BONATO, Gilson. Devido Processo Legal e Garantias Processuais Penais.Rio de Jneiro: Lumen Juris, 2003, p. 18.

82

GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais criminais; 3ª edição, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 43, p. 44.

83

LOPES JÚNIOR, Aury: Sistema de Investigação Preliminar no Processo Penal.Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 3.

GIACOMOLLI

82 ensina que este princípio é fruto de uma série de experiências vividas pela processualística penal em um passado recente, trazendo a baila todo um ritual assegurador de direitos constitucionais as partes. Nesta esteira, tal princípio surge previsto nos moldes no artigo 5º, inciso LIV da Constituição Federal, garantindo a existência de uma série de preceitos, como a existência de uma defesa técnica ao réu, de uma decisão judicial lastreada e motivada por fatos jurídicos apresentados no curso processual, assim como à validade da citação, a apresentação do réu ao juízo, a assistência do réu por um advogado ou defensor no seu interrogatório e nos demais atos processuais, devendo ser o mesmo cientificado de que não será obrigado a produzir provas contra si mesmo, assim como o direito de ser acusado pelo órgão estatal competente dentro da sua respectiva unidade judiciária.

AURY LOPES JÚNIOR

83 esclarece que o direito punitivo do Estado inibe e reprime o direito de vingança, originando um direito de justiça onde há a existência de um caráter protetivo ao réu e a vítima, perdurando um caráter repreensivo somente ao acusado. Todo este aparato visa à manutenção do bem comum e a aplicabilidade de todas as garantias constitucionais, com o incisivo aviso do Estado à sociedade de que o descumprimento de regras acarreta na respectiva responsabilização penal, quando este for o caso, obviamente. 37

Já PRADO

84 apresenta severas críticas aos Juizados Especiais Criminais no que tange à desatenção dada ao princípio do devido processo legal, sobretudo dentro do instituto da transação penal, pois na redução de formalidades o Poder Judiciário acaba desapercebendo uma série de direitos das partes, sendo esta a consequência direta da busca por uma maior agilidade, onde há um atropelo do devido processo legal na pressa por resoluções imediatas.

84

PRADO, Geraldo.Transação penal: Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2006, p. 147.

85

NICOLITT, André Luiz. Juizados Especiais Criminais, Tema Controversos. Rio de Janeiro; Lumem Juris, 2004, p. 22, p. 95.

86 86

NICOLITT, André Luiz. Juizados Especiais Criminais, Tema Controversos. Rio de Janeiro; Lumem Juris, 2004, p. 22, p. 95.

87

GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais criminais; 3ª edição, Porto Alegre: Livraria do Advogado,2009, p. 43.

II. II - Princípio da ampla defesa

O princípio da ampla defesa está previsto no artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal, prevendo a disponibilidade de todos os meios legais de defesa para as partes do processo. Neste viés, importe referir que a utilização da auto defesa é uma vedação ao princípio da defesa técnica, e que, para todos os efeitos, é indispensável para a consolidação da ampla defesa.85

Para fins de plena efetivação da transação penal, far-se-á necessária a anuência de uma defesa técnica, sem a qual, haverá a nulidade dos atos processuais. Partido deste requisito, infelizmente a realidade dos Juizados Especiais Criminais é muito distinta do almejado, pois frequentemente não é observado o direito a ampla defesa nas propostas de transação penal, onde muitas audiências são de modo apressado, suprimindo direitos. 86

GIACOMOLLI

87 aduz que o aceite da transação penal é uma medida de cunho alternativo, de modo que neste viés há o exercício da ampla defesa por conta do próprio réu, inexistindo qualquer obrigatoriedade na aceitação, estando à livre manifestação do acusado em consonância com os dispostos constitucionais.

A doutrina apresenta uma grande divergência no que tange a contrariedade entre o autor do fato e o seu defensor no momento da aceitação ou não da proposta de transação penal. Parte da doutrina defende que como sendo prevalecente a vontade do réu, devendo o mesmo arcar com as consequências legais da sua escolha, como transacionar a sanção em troca da uma admissão subjetiva de culpa. 38

Noutra esteira, há uma corrente doutrinária defendida por NICOLITT

88 que se posiciona no sentido de que o princípio da ampla defesa pode inclusive se sobrepor a própria vontade do acusado, pois há uma correlação entre tal principiologia e o direito de liberdade e de defesa técnica, entendendo que o defensor detém o conhecimento acerca da melhor situação ao acusado, sendo este o real objetivo da norma constitucional.

88

NICOLITT, André Luiz. Juizados Especiais Criminais, Tema Controversos. Rio de Janeiro; Lumem Juris, 2004, p.94.

89

GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais criminais; 3ª edição, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 46.

90

SOUZA, Nelson Oscar de. Manual de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 253.

91

SOUZA, Nelson Oscar de. Manual de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 253.

II. III - Princípio do contraditório

Preconiza a Carta Magna no seu artigo 5º, inciso LV a garantia do contraditório as partes em todos os atos processuais, assegurando todos os recursos disponíveis para tanto. Tal princípio é uma clara decorrência do princípio da ampla defesa, pois caso o legislador viole alguma norma no que concerne a aplicação deste princípio, a mesma será inconstitucional. Contudo, havendo a violação de um ato jurídico dentro em um processo singular ou concreto, incidirá uma nulidade absoluta. 89

Segundo SOUZA

90, o direito ao contraditório é regulado pelo princípio do respeito à dignidade da pessoa humana, assegurando a não condenação do acusado antes de uma extensa produção de provas, além é claro, da sua oitiva. Desde modo, a própria presunção de inocência se encontra atrelada a este princípio, sendo um dos principais mecanismos norteadores de toda uma linha defensiva técnica, nada mais do que o próprio direito do réu sendo respeitado pela lei.

Conseguintemente, a observância do contraditório culmina igualmente na busca incessante pela verdade dos fatos (busca da verdade real), nascendo a partir da sua presença processual constante, acarretando em um livre e imparcial convencimento magistral. Em outros vocábulos, o contraditório garante a primazia da realidade, assegurando a igualdade processual entre as partes.91 39

KARAM

92 realiza uma interessante abordagem sobrepondo o instituto da transação penal e o princípio da ampla defesa, pois segundo ele, há uma clara violação ao principio do contraditório no momento da proposta da transação penal, uma vez que não é dada ao réu a oportunidade da palavra, ou seja, a sua própria oitiva, o que constitui um meio de defesa sumamente importante. Neste compasso, a vítima detém a verdade dos fatos à sua própria maneira, narrando os acontecimentos e impondo ao acusado toda uma subjetividade penal, de modo que há uma desatenção isonômica.

92

KARAM, Maria Lúcia. Juizados Especiais Criminais, a Concretização Antecipada do Poder de Punir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 32.

93

BITENCOURT, Cezar Roberto; Juizados Especiais Criminais. Porto Alegre: Livraria do advogado, 1995, p. 97.

94

GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais criminais; 3ª edição, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 47.

II. IV - Princípio da inocência

O princípio da inocência assevera ao acusado e suposto autor do fato, que o mesmo seja considerado inocente até o trânsito em julgado da sentença condenatória. No condizente a transação penal, este princípio decairá ante o aceite do autor dos fatos, pois o mesmo exteriorizará a culpa ao transacionar o delito que lhe é imputado, de modo que tal aceite decorra da sua livre e inequívoca vontade. Neste diapasão, impieroso mensurar que a Transação penal encontra-se em plena consonância aos preceitos e garantias constitucionalmente assegurados pela Carta Magna. 93

Finalmente, urge colacionar que o princípio da inocência é extensivo a todos os atos dentro de um processo, afetando despachos, decisões interlocutórias, sentenças ou recursos, incumbindo ao órgão inquisidor à integral formatação do conteúdo probatório incitado desde o princípio da denúncia. Nesta senda, o aceite da transação do processo por outra medida alternativa não acarreta na assunção da culpa pelo acusado, pois a sua defesa tem como objetivo a própria manutenção de um estado de inocência pré-existencial, vez que a pena alternativa imposta em sede magistral inibe a pretensão acusatória antecedente, assim como qualquer possibilidade de acusação. 94 40

CONCLUSÃO

O instituto da transação penal, criado pela lei nº. 9.099/95 surgiu com o intuito de promover uma maior celeridade e eficiência aos processos judiciais, mediante o uso de procedimentos menos formais e objetivos, criados a partir de uma política criminal voltada ao anseio popular por mudanças na ultrapassada processualística penal.

Neste esteio, importante referir o próprio modelo atuante de justiça restaurativa e conciliadora, primando pelo afastamento das penas restritivas de liberdade, evitando maiores danos emocionais e sociais ao réu. Assim, perdura neste sistema uma objetivação forjada a partir de um forte ideal de ressocilização nas propostas transacionais, evitando o ingresso do agente dentro da celeuma processual penal.

Todavia, observam-se diversas lacunas em branco neste sistema, decorrência clara da própria criação da lei pelo Poder Legislativo. Assim, podemos citar a omissão legal no que tange as consequências do não cumprimento da transação penal pelo autor do fato, tema de suma importância dentro deste contexto, e lamentavelmente esquecida, deixando para o viés jurisprudencial tal resolução, ainda que haja vedações expressas no próprio Código Penal sobre a transformação de multas pecuniárias em penas restritivas de direitos.

Outro ponto controverso diz respeito às alegações de parte da doutrina acerca da existência na transação penal de violações de diversos princípios processuais penais, como o devido processo legal, a ampla defesa, o contraditório e a inocência. Isto emerge fundamentalmente do fato de que no momento da proposta de acordo não há qualquer apreciação de cunho probatório, levando-se em conta o depoimento da vítima (nas ações com representação), sem a devida oitiva do réu. Neste aspecto, não compactuo com tais entendimentos, pois a transação penal não possui condão condenatório ou apreciativo, uma vez que se trata de um instituto de natureza extraprocessual, fruto de uma política criminal, havendo a opção do acusado pelo prosseguimento do processo, onde haverá a consequente produção de provas, se for o caso.

Não obstante, outro fator sustentado pela doutrina e facilmente percebido na prática é a pressa e a displicência do poder judiciário na aplicação do instituto da transação penal, pois sob o pretexto de uma maior celeridade processual ocorre o 41

atropelo se uma série de direitos constitucionais básicos, como a ausência do representante no Ministério Público ou de defesa técnica, ou ainda a troca de funções dentro do rito, com o magistrado oferecendo a proposta de transação no lugar do promotor, assim como a assinatura tardia da ata de audiências, entre outras nulidades.

Outrossim, há um grande debate sob o dever do

parquet no oferecimento da transação penal, havendo intensas divergências doutrinárias neste sentido, pois há correntes que alegam que o instituto se trata de um direito subjetivo do réu, ao passo que há outros posicionamentos que defendem a garantia do instituto pela figura do juiz, ou ainda, há quem alegue que o acordo é uma mera faculdade do Ministério Público, de modo que inexiste um consenso sobre este tema.

Nesta esfera, perduram entendimentos absurdos como, por exemplo, a remessa da proposta de acordo pelo juiz ao Procurador Geral de Justiça na hipótese do silêncio ou da inércia do Ministério Público no oferecimento do acordo em audiência, o que fulmina a própria natureza deste instituto, pois se trata de um direito eminentemente subjetivo do acusado, quando presentes todos os requisitos que autorizam a proposição desta medida extraprocessual.

De qualquer forma, a transação penal é um instituto seguramente benéfico à sociedade, possuindo um grande caráter transformador no viés judiciário, necessitando, para a sua perfeita consolidação, alguns simples ajustes, como o preenchimento de algumas omissões legais e uma maior correlação entre a Lei 9.099/95 e os demais diplomas penais, pois indubitavelmente há uma necessidade de integração entre as normas de Direito Penal, tamanha é a desorganização da legislação brasileira neste campo.

Ainda, importante referir a necessidade de uma maior formalidade e fiscalização no que tange a aplicação dos princípios básicos do processo penal dentro do rito sumaríssimo, em especial na audiência conciliadora da transação penal, pois nitidamente há uma preocupação quantitativa por parte do Poder Judiciário, e não qualitativa, ferindo o próprio âmbito penal e punitivo garantido pelo diploma constitucional.

Finalmente, em que pese à série de falhas ainda existentes, é possível identificar boas intenções por parte dos poderes legislativos e judiciários no que concerne a aplicação do instituto da transação penal, pois há uma tendência universal pela busca de medidas de caráter não penais, como uma própria evolução 42

da norma punitiva, evitando que o sujeito de acerque do meio criminoso, e neste viés, percebe-se que a alternativa da pena transacionada é ideal. 43

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