INFRAÇÃO DISCIPLINAR NO SERVIÇO PÚBLICO: FALTA RESIDUAL

O jurista Roberto Rosas,  sobre a Súmula n. 19, STF, ensina que o Ministro Victor Nunes, sintetizou na ementa da Ação Rescisória n. 598, o espírito dessa súmula: 1) imputado ao funcionário um fato único, definido em tese como crime, não funcional, a absolvição criminal exclui a punição administrativa" (Cód. Civil, art. 1.525). 2) Não sendo funcional o crime, não se pode falar em "resíduo administrativo, em face da absolvição pela justiça criminal, se não tivessem sido feitas outras acusações ao funcionário" (apud Direito Sumular, RT, 1991, SP, pág. 27).

Hely Lopes Meirelles, também ensina que "...a absolvição criminal só afasta a responsabilidade administrativa e civil, quando ficar decidida a inexistência do fato ou a não autoria imputada ao funcionário, dada à independência das três jurisdições. A absolvição na ação penal, por falta de provas ou a ausência de dolo, não exclui a culpa administrativa e civil do servidor público, que pode, assim ser punido administrativamente e responsabilizado civilmente (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, Ed. Malheiros, 18ª.  ed., SP, 1993, pág. 463). 

A absolvição, em processo criminal não importa, necessariamente, reintegração do servidor demitido. Negada a existência do fato no juízo criminal, não subsiste a pena administrativa. A Súmula n. 18, do STF, assim dispõe: "Pela falta residual não compreendida na absolvição do juízo criminal, é admissível a punição administrativa do servidor público". Já a absolvição por ineficiência não tem influência igual à da absolvição pela inexistência material do fato ou não ter sido o funcionário seu autor, no tocante à instância administrativa. A absolvição do crime produz efeito na admissão do funcionário desde que não haja resíduo a amparar o processo administrativo. A absolvição no juízo criminal por falta de provas em nada influi sobre a esfera administrativa e disciplinar. Somente a decisão na esfera criminal sobre a negativa do fato imputado, gera ao policial civil, demitido pela acusação de práticas de um crime, o direito de pleitear o seu reingresso no funcionalismo, voltando para o lugar do qual fora alijado. O mesmo se diz quanto à ocorrência da prescrição da pretensão punitiva decretada no processo criminal, eis que não tem força para impor, de maneira simples e reflexa, uma decisão favorável na esfera administrativa. Sobre o princípio da reserva legal, ensina Carlos S. Barros Júnior  que “...é relativa a sua aplicação no Direito Administrativo (nullum crime nula poena sine lege) (“Do Poder Disciplinar na Administração Pública”, RT/1972, págs. 70 e ss.).

O jurista José Cretella Júnior doutrina que “Com efeito, a decisão do juiz criminal repercute na esfera administrativa, em dois casos distintos (CPP, art. 386, I e IV):  quando o juiz criminal absolve o funcionário por ter concluído pela inexistência do fato, absolve o funcionário incriminado, por ter concluído que não foi seu autor (-exclusão de autoria) (...). Enfim, determinado fato pode não ser punível na Justiça Penal e sê-lo na esfera administrativa, pois a gravidade de que se reveste pode não ser suficiente para justificar a condenação criminal, mas bastante para fundamentar a pena administrativa” (in Direito Administrativo Brasileiro, Forense, 1999, RJ, págs. 766/767).

No âmbito do Estado de Santa Catarina afigura-se que a Lei Orgânica do Ministério Público/SC (LC 197/2000) inovou com relação ao instituto da falta residual, pois, estabelece o art. 145, par. 2o que “A ação civil para decretação da perda do cargo ou para cassação da aposentadoria ou da disponibilidade, baseada no inciso I deste artigo, somente poderá ser ajuízada após o trânsito em julgado da decisão condenatória proferia no processo criminal instaurado em decorrência da prática do crime”.  

JURISPRUDÊNCIA:

STF  - falta residual:

Súmula 18 (STF) – “Pela falta residual, não compreendida na absolvição pelo juízo criminal, é admissível a punição administrativa do servidor público (decisão de 16.12.63).

"Não cabe à Administração aguardar a decisão da instância penal para punir o funcionário (RT 71/762). Se a sentença penal afirmar a inexistência do fato ou da autoria, essa decisão penal é vinculativa para a Administração, ou ainda a insuficiência de provas, no entanto, a falta residual persistirá (RT 71/765; 56/328). Quando as decisões ordinárias (geral) afirmam a inexistência de resíduo, nada há a apurar no âmbito administrativo" (RTJ 71/279).

"Não cabe à Administração aguardar a decisão da instância penal para punir o funcionário (RT 71/762). Se a sentença penal afirmar a inexistência do fato ou da autoria, essa decisão penal é vinculativa para a Administração, ou ainda a insuficiência de provas, no entanto, a falta residual persistirá (RT 71/765; 56/328). Quando as decisões ordinárias (geral) afirmam a inexistência de resíduo, nada há a apurar no âmbito administrativo" (RTJ 71/279).

"O exercício do poder disciplinar pelo Estado não está sujeito ao prévio encerramento da 'persecutio criminis' que venha a ser instaurada perante ao órgão competente do Poder Judiciário. As sanções penais e administrativas, qualificando-se como respostas autônomas do Estado à prática de atos ilícitos cometidos pelos servidores públicos, não se condicionam reciprocamente, tornando-se possível, em conseqüência, a imposição da punição disciplinar independentemente de prévia decisão da instância penal. Com a só exceção do reconhecimento judicial da inexistência de autoria da inocorrência material do prévio fato, ou, ainda, da configuração das causas de justificação penal, as decisões do Poder Judiciário não condicionam o pronunciamento decisório da Administração Público. Precedentes" (MS 21.0290-0, Rel. Min. Celso Mello, DJ 183, de 23.09.94, p. 25.326)

DEMISSÃO – ABSOLVIÇÃO CRIMINAL:

“Funcionário público. Demissão baseada no art. 207, I, da Lei n. 1711/1952, por prática de crime contra a administração pública. Ação de reintegração no cargo, aforada, logo após o trânsito em julgado da sentença criminal, que absolveu o autor, considerando não constituir infração penal o fato de que resultaram a demissão e, depois, a ação penal (Código de Processo Penal, art. 386, III). Inocorrência de prescrição qüinqüenal, embora mais de cinco anos passados do ato demissório. Resultando da sentença absolutória, e só desta, a proclamação da inexistência do fato criminoso, em virtude do qual, exclusivamente, se dera a demissão, força será entender que, bastante em si esse fundamento, para tornar insubsistente o ato administrativo, por esvaziá-lo de motivação, desde aí, surgiu para o autor a actio nova a atacar, no juízo civil, o ato demissório. Inexistência de resíduo disciplinar a fundar o ato de demissão. Negativa de vigência ao art. 1º, do Decreto n. 20910, de 1932, que não é de reconhecer-se” (STF, Primeira Turma, Recurso Extraordinário n. 94.590, SP, data da dec.: 27.11.81)”.

“(...) A decisão na instância penal só tem repercussão na instância administrativa quando aquela se manifesta pela inexistência material do fato ou pela negativa de sua autoria (...)” (STF, Tribunal Pleno, MS n. 21.321, DF, data da dec.: 18.09.02)”.

Tribunal de Justiça – Distrito Federal - Falta residual

“Servidor – responsabilidade administrativa cível e penal – demissão. Estando o decreto de demissão alicerçado em tipo penal, imprescindível é que haja  provimento condenatório trânsito em julgado. Se de um lado é certo que a jurisprudência sedimentada do Supremo Tribunal Federal indica o caráter autônomo da responsabilidade administrativa, a não depender dos procediemntos cível e penal pertinentes, de outro não menos correto é que, alicerçada a demissão na prática de crime contra a administação pública, este há que estar revelado em pronunciamento do Judiciário coberto pelo manto de coisa julgada. Decisão: votação: unânime. Resultado: Deferido” (MS n. 21310, TJDF, publ. em 11.03.94, pág. 04096, rel. Marco Aurélio).

Jurisprudência Catarinense:

Falta residual:

“Ademais, segundo consta da decisão em que se escoram, ser entendimento sedimentado, no Superior Tribunal de Justiça, o caráter autônomo da responsabilidade administrativa em relação aos procedimentos cível e penal, em consonância com a lição de Hely Lopes Meirelles: ‘A punição administrativa ou disciplinar não depende de processo civil ou criminal a que se sujeite também o servidor pela mesma falta, nem obriga a Administração a aguardar o desfecho dos demais processos. Apurada a falta funcional, pelos meios adequados (processo administrativo, sindicância ou meio sumário), o servidor fica sujeito, desde logo, à penalidade administrativa correspondente. A punição interna, autônoma que é, pode ser aplicada ao servidor antes do julgamento judicial do mesmo fato. E assim é porque, como já vimos, o ilícito administrativo independe do ilícito penal. A absolvição criminal só afastará o ato punitivo se ficar provada, na ação penal a inexistência do fato ou que o acusado não foi o seu autor’(...)” (MS n. 99.010056-1, Capital, Rel. Des. Francisco Borges, DJ n. 10.322, de 20.10.99, págs. ½).

“Administrativo. Ação ordinária de reintegração em cargo público. Policial civil demitido, à vista de fatos apensados em regular procedimento administrativo disciplinar. Ampla defesa e contraditório atendidos. Absolvição no juízo criminal (RT 386, III e VI do CPP). Irrelevância. Sentença inacolhedora do pedido mantida. Apelo improvido. 1. Evidenciada a regularidade formal do procedimento administrativo disciplinar que ensejou a demissão do servidor, sobretudo se atendidos, pela comissão processante, os princípios da ampla defesa e do contraditório, descabe, de conseguinte, o controle jurisdicional acerca das razões intrínsecas do ato administrativo visado. 2. Havendo a absolvição do acusado, no juízo criminal, com sentença assinada nos incisos III e VI do CPP, é viável que a administração, pelo princípio da falta residual, proceda a punição administrativa do servidor público (súmula n. 18, do STF)” (Apel. Civil 88.071706-4, da Capital, Rel. Des. Eládio Torret Rocha, DJ 9.830, de 13.10.97, p. 21).