INTRODUÇÃO
Após terem sobrevivido as matanças, a escravidão e a catequização forçada nos tempos do império (1), e a discriminação desenfreada na década de 70, onde eram classificados de selvagens com humanidade incompleta, atrasados culturalmente, arruaceiros, bêbados e desocupados, a população de "tupys" está em torno de 700 mil, distribuídos em 227 etnias, falando mais de 180 idiomas. (2-4)
Espalhados pelo território brasileiro e países vizinhos, a integração com a sociedade moderna (Dados do IBGE afirmam que mais da metade da população indígena vive atualmente em território urbano) continua traumática. Permanecem "invisíveis" aos órgãos do governo e lutam para ter acesso aos direitos básicos garantidos pela Constituição brasileira de reconhecimento da sua cultura. (5).
Apesar de uma considerável parcela já ter acesso à com luz elétrica e água encanada, alguns estarem matriculados em universidades, estudando Medicina e Direito (6), e existirem professores indígenas ensinando seus próprios idiomas, a "ajuda" do mundo civilizado não obtém efeitos positivos. A falta de compreendimento da formação cultural indígena é um dos principais problemas encontrados. Podemos obrigá-los a mudar de atitude mas não alterar a sua formação.
No final do século XX, as autoridades reconheceram a dimensão da intervenção cultural, econômica e tecnológica nessas civilizações (7). A solução adotada que antes era absorver o indígena, agora é de incentivar e não desestimular a valorização da sua cultura, que, embora incipiente devido ao estrago realizado, aponta uma luz no final do túnel.
Baseado nesse contexto, esse artigo tem o objetivo de situar a sociedade no problema de socialização dos "índios do Brasil".

A FORMAÇÃO E DIFERENÇA CULTURAL
A denominação "índio", na realidade, foi provocada pela impressão dos navegadores de que haviam chegado às Índias. O termo "indígena ou aborígene", classifica todo nativo de uma determinada região. Mas não estabelecem qualquer relação com a autodenominação usada por esses povos. O indígena se intitula "Tupy"; que significa "tu, som, barulho; e py, pé, assento; ou seja: o som-de-pé, o som assentado, o entonado. Para os indígenas, o homem é uma qualidade de espírito posta em harmonia de forma, toda palavra possui espírito. Um nome é uma alma provida de um assento, é uma vida entonada numa forma e a vida é o espírito em movimento. O Espírito é silêncio e som. O silêncio-som possui um ritmo, um tom, cujo corpo é a cor. Quando o espírito é entonado, torna-se, passa a ser, ou seja, possui um tom (8,9). Na sua concepção de religiosidade, o primeiro homem desceu do céu através do arco-íris em que os anciães se transformaram. Seu nome era Nanderuvuçu, o Pai Antepassado, o que viria a ser o Sol. Esta história, lenda, mito ou seja qual a determinação dada pelos antropólogos, revela a sua origem, a origem do mundo.
Toda a estabilidade tribal, toda a coesão do povo indígena é baseada neste mundo mítico, onde o homem tem a sua parcela. Na tribo, o índio tem um lugar tranqüilo, livre, sem precisar dar satisfações de seus atos. Existe uma sociedade onde o homem é o dono de todos os seus atos; se um índio der um grito no meio da aldeia, ninguém irá perguntar porque gritou. O índio é um homem livre. (10).
Um bom exemplo dessa forma simples de viver, é o discurso feito pelo Chefe Seattle ao Presidente Franklin Pierce em 1854, quando o Governo Americano desejava adquirir o Território da Tribo: " (?) De uma coisa sabemos. A terra não pertence, ao homem: é o homem que pertence à terra, disso temos certeza. Todas as coisas estão interligadas, como o sangue que une uma família. Tudo está relacionado entre si. Tudo quanto agride a terra, agride os filhos da terra. Não foi o homem quem teceu a trama da vida: ele é meramente um fio da mesma. Tudo o que ele fizer à trama, a si próprio fará. (?) " Esse discurso em sua totalidade, é um exemplo que revela a sabedoria e a sensibilidade de um homem, e de um povo, consciente da complexidade da vida humana. (11).

A RECUPERAÇÃO DA CIDADANIA
As terras indígenas cobrem uma extensão de 958.303 km2 ou 11,21% do território nacional, sobrevivem utilizando os recursos naturais oferecidos pelo meio ambiente com a ajuda de processos rudimentares. Eles caçam, plantam, pescam, coletam e produzem os instrumentos necessários a estas atividades. Muitos "integraram-se" à sociedade branca, porém é apenas aparente, porque o índio não consegue tornar-se um "civilizado" ou "branco". O índio, vive no seu tempo e no espaço, o arco que seus antepassados faziam há 1.000 anos, é o mesmo que continua sendo utilizado nos dias de hoje. Na cultura indígena, a terra pertence a todos os membros do grupo e cada um tira dela seu próprio sustento. O significado de coletividade está além da experiência de aldeamento. Por mais que sejam diferentes, os índios lutam, acima de tudo, por respeito e um espaço que é garantido por lei na sociedade brasileira, mas que mantenha viva, também, a sua sociedade.
Para a legislação brasileira, o nativo adquire a plena capacidade civil, a cidadania, quando estiver razoavelmente integrado à sociedade. Para que tal aconteça, é necessário que tenha boa compreensão dos usos e costumes da comunhão nacional, conheça a língua portuguesa e tenha a idade mínima de vinte e um anos. E mais ainda, determina que a plena cidadania do índio depende de sua integração à sociedade nacional e do conhecimento, mesmo que precário, dos valores morais e costumes por ela adotados. (12,13)

DIREITO A DIVERSIDADE CULTURAL
Sensibilizado com as diferenças de valores, o Governo Federal apresentou ao Congresso uma proposta para alterar a legislação brasileira, no intuito de consolidar novos paradigmas. Trata-se do Projeto de Estatuto das Sociedades Indígenas, que já se encontra em discussão e objetiva assegurar que a proteção aos índios brasileiros se dará com base no reconhecimento do seu diferencial cultural e não mais na falsa premissa da sua inferioridade. Com isso, além da efetiva garantia dos seus direitos, procura-se permitir que os povos indígenas tenham espaço necessário ao desenvolvimento de seus projetos de futuro. (14,15)
O direito à diversidade cultural legitimiza a reivindicação pelas populações indígenas de um espaço político próprio no seio do Estado e da nacionalidade. A conquista desse espaço reconhece a crescente participação das comunidades indígenas nas decisões que tenham impacto sobre o seu modo de vida e não nos moldes da sociedade europeizada. As comunidades de índios nas cidades buscam meios para serem reconhecidas como populações diferenciadas e terem acesso a saúde, cultura, trabalho e educação. Tanto a FUNAI quanto a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), são constantemente cobrados pela falta de ações que levem em conta os chamados "índios desaldeados".

MEDIDAS AJUSTADORAS DO GOVERNO
A Constituição de 1988 elaborou um sistema de normas para proteger os direitos e interesses dos índios brasileiros atraves do Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI), que permite a elaboração de propostas pedagógicas e curriculares diferenciadas para os povos indígenas. O Ministério da Educação criou a Coordenação Geral de Educação Escolar Indígena, encarregada da política para as escolas indígenas e a formação dos seus professores.
Também foi organizado um programa de financiamento a projetos de educação para atender organizações da sociedade civil de apoio aos índios e universidades através do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) (14,15).
Segundo a FUNAI a sociedade começa a se conscientizar que os índios são parte integrante da vida nacional. Os índios brasileiros participam da política do país elegendo candidatos, ajudando na elaboração de leis e compartilhando problemas relacionados ao meio ambiente, política, economia, saúde e educação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da descoberta e o estabelecimento de um colonizador e um colonizado, os "tupys" passaram a fazer parte da nossa história e, consequentemente devem integrar-se ao nosso presente e precisam estar incluídos no horizonte e na definição de nosso futuro. Entretanto, a sociedade moderna precisa compreender que eles são parte da terra, bem como as árvores e os outros animais e assim querem ser considerados. O aprendizado de uma nova forma de viver e de valores deverá acontecer naturalmente, conforme o desejo universal de cada pessoa.
Os fatores que influenciam na falta de integração por parte desses povos é basicamente de "criação social e valores morais". Segundo sua crença, os homens, as árvores, os rios são um só corpo, com ações interdependentes. Ele é uno com a natureza; eles fazem parte dela e ela é parte deles.
Precisamos deixá-los decidir o que querem para seus filhos.

REFERÊNCIAS
(1) Souza A. O Colonialismo europeu impediu a evolução natural das Civilizações latino-americanas. Revisão histórica. Disponível em: http://www.webartigosos.com/articles/45137/1/O-Colonialismo-europeu-impediu-a-evolucao-natural-das-Civilizacoes-latino-americanas-Revisao-historica/pagina1.html#ixzz1NJ2qlaqP
(2) Grupioni LDB. Índios no Brasil. São Paulo: Iandé; 2000.
(3) Os índios brasileiros. Disponível em: www.historiadobrasil.com.br/, 2011.
(4) ìndios do Brasil. Disponível em: http://www.suapesquisa.com/indios/, 2011.
(5) Repórter do Brasil. Indio na cidade, 2006. Disponível em: http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=520, 2011.
(6) Cardoso LF. Frequência de indígenas em Medicina é polêmica na UEM. O diário.com ? Maringá. Disponível em: http://maringa.odiario.com/maringa/noticia/403158/frequencia-de-indigenas-em-medicina-e-polemica-na-uem/, 2011.
(7) Caldeira J, Carvalho F, Marcondes C, Paula SG. Viagem pela história do Brasil. São Paulo; 1997.
(8) A arte indígena. Disponível em: http://www.historiadaarte.com.br/arteindigena.html, 2011.
(9) Jecupé KW. A Terra Dos Mil Povos - História Indígena do Brasil contada por um Índio. Rio de Janeiro: Fundação Peirópolis, 1998.
(10) Severino A. Educação e transdisciplinaridade: crise e reencantamento da aprendizagem. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002.
(11) [Extraído de The Irish Press, sexta-feira, 4 de junho de 1976.] A carta do chefe Seattle ao presidente Franklin Pierce realmente existiu?. Disponivel em: http://rizomas.net/polemicas/81-a-carta-do-chefe-seattle-ao-presidente-franklin-pierce-realmente-existiu.html, 2011.
(12) Calado I, Melo J. Índios recuperam a cidadania. Disponível em: http://www2.uol.com.br/JC/sites/indios/cultura.html , 2011
(13) Ricardo B, Ricardo F. (organizadores). Povos Indígenas no Brasil 2001/2005. São Paulo. Instituto Socioambiental; 2006.
(14) Adas M. PANORAMA GEOGRÁFICO DO BRASIL - CONTRADIÇÕES, IMPASSES E DESAFIOS SOCIOESPACIAIS. São Paulo: Moderna; 2004.
(15) Limeira L. Presente merecido. Correio da tarde, Edição Número 1.186 - Ano IV - Sábado, 21 de Maio de 2011. Disponível em: http://www.correiodatarde.com.br/colunistas/ligia_limeira-51114