Inclusão acadêmica de calouros em psicologia: uma intervenção com técnicas grupais humanistas
Por Eduarda Souza Pastori | 04/07/2025 | PsicologiaInclusão acadêmica de calouros em psicologia: uma intervenção com técnicas grupais humanistas
Eduarda Souza Pastori¹
Gabriela Oliveira Santana¹
Maria Eduarda Santos Costa¹
Maria Eduarda Vieira Barcelos Freire¹
Priscilla Eduarda Teixeira Borges Silva¹
Priscilla Gonçalves Pereira¹
Ana Cristina Silva Novais2
¹Acadêmicas do curso de Psicologia da Universidade Luterana do Brasil – Instituto Luterano de Ensino Superior de Itumbiara – ULBRA.
2Docente do curso de Psicologia da Universidade Luterana do Brasil – Instituto Luterano de Ensino Superior de Itumbiara – ULBRA.
Resumo
A transição para o ensino superior representa um período de desafios significativos para estudantes ingressantes, especialmente em cursos que demandam interações sociais e emocionais como a Psicologia. Este artigo apresenta os resultados de uma intervenção grupal realizada com alunos novatos, utilizando técnicas da Psicologia Humanista, com o objetivo de promover a inclusão acadêmica e o fortalecimento dos vínculos interpessoais. A pesquisa adotou uma abordagem mista, utilizando questionários e grupos focais. As técnicas aplicadas evidenciaram eficácia na redução do isolamento e no aumento da coesão grupal, com relatos de estudantes indicando maior engajamento após as intervenções. Os resultados reforçam a necessidade de programas institucionais de acolhimento baseados em metodologias ativas e humanizadas.
Palavras-chave: inclusão acadêmica, psicologia humanista, grupos, calouros, intervenção.
Abstract
The transition to higher education represents a period of significant challenges for incoming students, especially in programs that require social and emotional interaction, such as Psychology. This article presents the results of a group intervention with new undergraduate students, using Humanistic Psychology techniques to promote academic inclusion and strengthen interpersonal bonds. A mixed-methods approach was adopted, combining questionnaires and focus groups. The applied techniques were effective in reducing isolation and increasing group cohesion, with students reporting greater engagement after the interventions. The results underscore the need for institutional welcoming programs based on active and humanized methodologies.
Keywords: academic inclusion; humanistic psychology; groups; freshmen; intervention.
1. Introdução
A entrada no ensino superior representa uma transição marcante na vida dos estudantes, especialmente em cursos que exigem intensa interação interpessoal, como a Psicologia. Essa etapa é frequentemente acompanhada de sentimentos de insegurança, ansiedade e solidão. Tais sentimentos surgem do confronto com um novo ambiente acadêmico, desconhecido e, muitas vezes, já socialmente estruturado por veteranos. Estudantes calouros, ao enfrentarem esse desafio, relatam dificuldades em estabelecer laços, compreender a dinâmica institucional e expressar suas dúvidas ou inseguranças.
Essas dificuldades podem impactar negativamente o desempenho acadêmico, a permanência no curso e a saúde emocional dos discentes. A ausência de vínculos e de uma rede de apoio favorece sentimentos de desistência e inadequação. Assim, desenvolver estratégias que facilitem esse processo é essencial para promover o pertencimento, prevenir o abandono e fortalecer a saúde emocional no meio universitário. Com base nesse contexto, o presente artigo relata uma experiência de intervenção grupal desenvolvida por alunas do curso de Psicologia, com o objetivo de facilitar a inclusão de calouros por meio de dinâmicas que promovam empatia, escuta ativa e interação entre estudantes de diferentes períodos.
1. Referencial Teórico
A teoria dos grupos oferece subsídios para compreender o papel das interações no desenvolvimento humano e na construção da identidade. Kurt Lewin (1947), pioneiro nos estudos sobre dinâmica de grupos, afirma que o comportamento individual é moldado pelas relações e forças presentes no grupo. Ele introduziu conceitos como campo dinâmico e interdependência, fundamentais para entender a influência do ambiente sobre o indivíduo. Carl Rogers (1970), dentro da abordagem humanista, propõe que a vivência de um grupo que ofereça condições facilitadoras — empatia, congruência e aceitação positiva incondicional — permite o desenvolvimento pessoal, a autonomia e a autoconfiança.
Autores como Olmsted (1959) e Moreno (1970) enfatizam que os grupos funcionam como espaços de suporte emocional, catarse e aprendizado social. Pichon-Rivière (2005) define o grupo operativo como um instrumento privilegiado de aprendizagem, no qual os papéis, os mitos e os objetivos compartilhados são analisados em interação. Silvia Lane (1985), referência na psicologia social crítica brasileira, destaca o papel dos grupos como espaços de construção coletiva da realidade, onde o indivíduo se constitui a partir das relações sociais. Lapassade (1989), por sua vez, aponta que os grupos são também atravessados por conflitos de poder, normas e resistências, sendo locais de tensão e transformação.
Dessa forma, entende-se que os grupos, quando bem conduzidos, têm potencial de promover acolhimento, pertencimento e reflexão. No contexto universitário, especialmente com calouros, a utilização de técnicas grupais favorece o compartilhamento de experiências,
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a identificação com o outro e o desenvolvimento de estratégias coletivas para superação das dificuldades iniciais do percurso acadêmico.
2. Metodologia
Este estudo adotou uma abordagem qualitativa com suporte quantitativo descritivo. Participaram da intervenção estudantes do curso de Psicologia de diferentes períodos — tanto calouros quanto veteranos —, todos voluntários. A coleta de dados aconteceu por meio de um questionário oral e da aplicação de duas técnicas grupais fundamentadas na abordagem humanista: a “Técnica da Rede” e a “Matriz de Inclusão”.
A atividade teve início com a aplicação do questionário, realizado de forma coletiva, com as perguntas sendo lidas em voz alta por uma facilitadora e os participantes respondendo oralmente. Uma coterapeuta ficou responsável por registrar os relatos, que abordavam aspectos como adaptação ao curso, vínculo com colegas e sentimento de pertencimento.
Em seguida, foram aplicadas as técnicas:
Técnica da Rede: Com o auxílio de um novelo de lã, cada participante dizia seu nome e relatava uma dificuldade enfrentada no curso. Ao finalizar, lançava o novelo a outro colega, que repetia o processo. Ao final da atividade, formou-se uma rede simbólica com o fio de lã, representando a interligação dos relatos e o fortalecimento do grupo. Os participantes encerraram trocando mensagens encorajadoras como “Você consegue!”, “Estamos juntos nessa jornada!” ou “Você é capaz!”. Essa técnica evidenciou que, apesar de não se conhecerem bem, os alunos partilhavam inseguranças e desafios semelhantes, o que promoveu empatia e identificação mútua.
Matriz de Inclusão: Após a primeira atividade, os participantes foram divididos em três grupos heterogêneos (com calouros e veteranos). Cada grupo recebeu o desafio de criar estratégias para acolher estudantes ingressantes no curso. Surgiram ideias como rodas de conversa mensais, grupos de leitura temáticos, comemorações coletivas, murais de boasvindas e a criação de um “guia do calouro” elaborado pelos próprios alunos.
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A análise dos dados foi conduzida em duas etapas: a quantitativa, de caráter descritivo, ajudou a compor o perfil geral dos participantes; a qualitativa foi organizada por categorias emergentes, como: sentimentos de isolamento, estratégias de apoio mútuo, propostas de acolhimento e percepção do grupo.
3. Resultados e Discussão
A intervenção permitiu identificar aspectos subjetivos importantes sobre a vivência universitária dos participantes. O questionário oral revelou que muitos alunos ingressantes sentiam-se deslocados, inseguros ou desmotivados, enquanto os veteranos demonstravam disposição para ajudar, mas não sabiam como se aproximar ou se envolver ativamente nesse processo.
Durante a Técnica da Rede, vários participantes relataram episódios de ansiedade, solidão, receio de julgamento e dificuldades de adaptação ao ambiente universitário. Falas como “Me sinto perdido na sala” ou “Parece que todo mundo já se conhece menos eu” foram recorrentes. Ao final da atividade, no entanto, houve relatos de surpresa positiva com a escuta dos colegas, e muitos relataram alívio por perceberem que suas dificuldades eram compartilhadas.
A Matriz de Inclusão gerou uma série de propostas práticas e viáveis. Houve engajamento ativo na elaboração de ideias e um clima de cooperação entre os grupos. A troca entre alunos de diferentes períodos também promoveu um senso de continuidade e história dentro do curso, o que reforçou o sentimento de pertencimento e motivou os calouros a participarem mais das dinâmicas acadêmicas.
Esses resultados estão em consonância com os pressupostos da abordagem humanista, especialmente quanto à criação de um ambiente facilitador de vínculos, conforme defendido por Carl Rogers. Também se alinham à noção de grupo operativo de PichonRivière, na medida em que as atividades promoveram aprendizagem significativa por meio da troca de experiências.
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A escuta ativa dos facilitadores, a validação das emoções expressas e a horizontalidade nas atividades foram aspectos destacados pelos alunos como diferenciais importantes. Ao final, muitos relataram sentir-se mais à vontade com os colegas e mais motivados a permanecer no curso.
4. Conclusão
A experiência aqui relatada evidencia o potencial das práticas grupais fundamentadas na Psicologia Humanista para promover a inclusão acadêmica, o bem-estar emocional e a construção de vínculos no ambiente universitário. A aplicação das técnicas possibilitou a expressão de sentimentos, o reconhecimento de vivências compartilhadas e a elaboração conjunta de soluções para as dificuldades enfrentadas por calouros.
Além de fortalecer o pertencimento entre os alunos, a intervenção favoreceu o desenvolvimento de habilidades socioemocionais, como empatia, escuta ativa, colaboração e iniciativa. Tais competências são essenciais para a formação do psicólogo, uma vez que sustentam a construção de relações terapêuticas e contextos de cuidado.
Recomenda-se que instituições de ensino superior incorporem práticas semelhantes em seus programas de acolhimento e adaptação. A participação de alunos veteranos, a condução empática e a escuta das reais necessidades dos calouros são fatores decisivos para o sucesso de intervenções desse tipo. Como continuidade, seria interessante realizar acompanhamentos periódicos com os alunos que participaram da atividade, avaliando os efeitos de médio e longo prazo na sua trajetória acadêmica e emocional.
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