Ana Beatriz Viana Pinto[2]

Antonio de Moraes Rego Gaspar[3]

  • DESCRIÇÃO DO CASO

No ano de 2015, a empresa Hetfield Participações S/A iniciou os procedimentos necessários para integrar a sociedade empresária Metalúrgica Heavy Metal LTDA, em São Luís do Maranhão. Com o intuito de promover a integralização da sua parcela do capital social, que corresponde a R$500.00,00, ofereceu um bem imóvel avaliado em R$ 750.000,00.

Todavia, a Secretaria de Fazenda do Município de São Luís, se negou a emitir a guia de recolhimento do ITBI referente ao imóvel integralizado ao capital da empresa com a imunidade total. Justificou tal ação alegando que o valor da sociedade excedia em muito o capital social. Desse modo, o município impôs a tributação sobre o valor do imóvel incorporado que excedeu o limite do capital social a ser integralizado, entendendo que a imunidade prevista no art. 156, parágrafo 2ª, I, da CF/88 se restringe ao valor do imóvel suficiente à integralização do capital social.

  • IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO
    • Questões relevantes
  • Qual a regra-matriz de incidência tributária do ITBI?
  • Qual o conceito de imunidade tributária?
  • Qual o limite de interpretação das normas tributárias imunizantes?
  • Incide a imunidade tributária prevista no artigo 156, 2ª, I, da CF/88, quando o imóvel superar o valor do capital social integralizado?
    • Análise

Para a análise do questionamento suscitado no presente case, qual seja, a possibilidade de incidência do ITBI sobre a transmissão de imóveis cujos valores ultrapassem o capital social, necessário o esclarecimento preliminar de questões concernentes ao tema. Inicialmente, portanto, crucial o exame da regra-matriz de incidência tributária do ITBI.

De acordo com o autor Paulo de Barros Carvalho, regra-matriz é uma norma jurídica que define a incidência dos elementos fiscais (CARVALHO, 2002, p.35).

É constituída de dois tipos critérios, a saber, critério antecedente e critério consequente. O critério antecedente divide-se em material, espacial e temporal, e o consequente em pessoal e quantitativo.

A partir desses elementos, é possível estabelecer a regra-matriz de incidência do ITBI. O critério material possui previsão no inciso II do artigo 156 da Constituição Federal, ou seja, é a “transmissão ‘inter vivos’, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis...”, de modo que no caso concreto o critério material é a transmissão de bem imóvel por título oneroso. O critério temporal é o momento em que se dá a transmissão, o que desencadeia o fato gerador previsto no artigo 35, incisos I e II do Código Tributário Nacional. Já o critério espacial consiste na situação do imóvel, que no caso em questão é no Município de São Luís.

No que concerne aos critérios consequentes, o pessoal diz respeito aos sujeitos da relação, ou seja, ativo e passivo. O ativo é o Munícípio e o passivo é o contribuinte do imposto. O critério quantitativo é a base de cálculo do imposto, e divide-se em cálculo e alíquota. O cálculo é o valor venal do bem transmitido, nos termos do artigo 38 do CTN, e a alíquota é o percentual, que no âmbito do ITBI, cabe ao Município estabelecer. No presente caso o valor venal é de R$ 2.500,00 e a alíquota é de 2%.

Relevante também ao tema estudado é o conceito de imunidade tributária. De acordo com o autor Francisco Gilney Ferreira, esta ocorre quando a Constituição veda a criação e a cobrança de tributos sobre determinadas situações ou sujeitos, de modo que, quando há a imunidade tributária, não pode ocorrer a incidência, pois o texto constitucional retira do campo da competência tributária aquela determinada situação em que incide a imunidade (FERREIRA, 2012). Todavia, não se igualam a imunidade e a isenção, uma vez que esta é tributária e aquela constitucional.

Adentrando neste tema, pertine a análise acerca de qual o limite de interpretação das normas tributárias imunizantes. Embora a doutrina seja oscilante, entende-se majoritariamente que estas não devem ser limitadas, mormente por se tratar de normas constitucionais, que devem ser interpretadas de forma ampla. Sobre o assunto, o autor Bernardo Ribeiro de Moraes leciona: “As normas imunitárias devem ser interpretadas através de exegese ampliativa. Não podem ser restritivamente interpretadas, uma vez que o legislador menor ou o intérprete não podem restringir o alcance da Lei Maior" (MORAES, 1979, p. 407).

Diante dos esclarecimentos sinteticamente esboçados acima, questiona-se: Incide a imunidade tributária prevista no artigo 156, 2ª, I, da CF/88, quando o imóvel superar o valor do capital social integralizado?

3 DESCRIÇÃO DAS DECISÕES POSSÍVEIS

3.1 Não incide o ITBI sobre a transmissão de imóveis cujos valores ultrapassem o capital social. Há imunidade tributária. 

Sabe-se que, como já mencionado, em determinadas situações a Constituição Federal desobriga os contribuintes do dever de pagar tributos. São as chamadas imunidades tributárias. Clara hipótese encontra-se no artigo 156 da Constituição Federal, que prevê:

Art. 156: Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

  • 2º - O imposto previsto no inciso II:

I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens e direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;

No mesmo sentido, dispõe o Código Tributário Nacional:

Art. 36: Ressalvado o disposto no artigo seguinte, o imposto não incide sobre a transmissão dos bens ou direitos referidos no artigo anterior:

I – quando efetuada para sua incorporação ao patrimônio de pessoa jurídica em pagamento de capital nela subscrito;

II – quando decorrente da incorporação ou da fusão de uma pessoa jurídica por outra ou com outra.

  1. único: O imposto não incide sobre a transmissão aos mesmos alienantes, dos bens e direitos adquiridos na forma do inciso I deste artigo, em decorrência da sua desincorporação do patrimônio da pessoa jurídica a que foram conferidos.

Art. 37. O disposto no artigo anterior não se aplica quando a pessoa jurídica adquirente tenha como atividade preponderante a venda ou locação de propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição.

Depreende-se dos dispositivos que haverá imunidade tributária e a não incidência de imposto sobre o bem quando este for incorporado ao patrimônio de uma pessoa jurídica em realização de capital social, excetuando-se, todavia, quando a pessoa jurídica tenha como atividade preponderante a venda ou locação de propriedade imobiliária ou cessão de direitos relativos à sua aquisição.

O caso em questão notoriamente não se encaixa na exceção prevista na norma, devendo haver, portanto, a imunidade tributária. Isso porque sob a ótica de uma interpretação extensiva, tem-se que, na hipótese de incorporação de um bem ao capital social, a imunidade deve ser completa, não se restringindo apenas ao valor deste, uma vez que os dispositivos legais não preveem essa limitação, bastando a incorporação do bem à pessoa jurídica com vistas à integralização do capital social para que tal imunidade esteja presente.

Na hipótese discutida neste estudo, a empresa Hetfield Participações S/A promoveu a integralização de sua parte do capital social com o oferecimento de um bem no valor de R$ 750.000,00, todavia a Secretaria da Fazenda de São Luís negou a emissão do guia de recolhimento do ITBI com imunidade total, por ser o valor do bem superior ao montante do capital social. Nota-se, porém, que a lei não estabelece a necessidade da igualdade de tais valores, de modo que, havendo a incorporação do bem à pessoa jurídica para a integralização do capital social, devia a Secretaria ter emitido o guia de recolhimento do ITBI com imunidade total, não devendo este incidir sobre o bem.

3.2 Incide o ITBI sobre a transmissão de imóveis cujos valores ultrapassem o capital social. Não há imunidade tributária. 

Os dispositivos legais que tratam acerca da incidência do ITBI sobre a incorporação de bens imóveis a pessoas jurídicas preveem a isenção do imposto e a imunidade (artigos 36 e 37 do Código Tributário Nacional, e 156 da Constituição, respectivamente) quando tal incorporação for com o fim de realização do capital social.

Diante de tal previsão, incorreta a interpretação que entende que o ITBI deve incidir sobre todo o valor do bem, a despeito da quantia correspondente ao pagamento do capital social. Ora, ao estabelecer que o ITBI não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, é claro o intuito do legislador de conceder a imunidade tributária somente sobre o valor do imóvel suficiente à integralização deste capital.

Em situação semelhante à ora estudada, a Quarta Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, deu provimento à apelação do Município que requeria a modificação da sentença que julgou procedente o pedido feito em Mandado de Segurança por uma empresa que teve negado pelo Município a imunidade total do ITBI na incorporação do imóvel à pessoa jurídica, sob o mesmo argumento, qual seja, de que o bem incorporado excedia o valor do capital social.

A Quarta Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de Santa Catarina deu provimento à apelação do Município, fundamentando que a intenção do legislador foi facilitar a criação de novas sociedades e a movimentação dos bens correspondentes ao respectivo capital e ponderou que na previsão do artigo 36 do Código Tributário Nacional, a não incidência estaria restrita ao capital subscrito, não sendo razoável a concessão de imunidade quanto ao valor total do imóvel incorporado, se excedente. Atualmente a questão tramita no Supremo Tribunal Federal.

  • DESCRIÇÃO DOS CRITÉRIOS E VALORES 

Os critérios e valores utilizados nesta pesquisa basearam-se na doutrina e legislação acerca do tema, bem como na jurisprudência pátria.

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