PARECER

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Por Helena Posener

Emitir um parecer jurídico, observando todas as normas constitucionais sobre o tema e observar os dispositivos de lei 8429\92.

CONSULTA

Improbomabus, secretário executivo do Ministério da Fazenda, aproveitando o exemplo do procurador geral da República, Geraldo Brindeiro, enviou um ofício à Força Aérea Brasileira requisitando uma aeronave para que o levasse no próximo final de semana à Ilha de Fernando de Noronha, sob alegação de que iria visitar um posto avançado da delegacia regional da Receita Federal em Pernambuco. E assim, o pedido foi atendido pela Força Aérea Brasileira. Logo após constatou-se que Improbomabus, que havia solicitado a aeronave para a visita ao posto avançado, utilizou-se da aeronave para uma viagem pessoal a Fernando de Noronha com sua namorada. Foi constatado também que não há sequer um posto avançado da Receita Federal do Brasil em Fernando de Noronha.

A denúncia da conduta do secretário executivo do Ministério da Fazenda chegou à comissão de ética do serviço público federal. Tal órgão não possui corpo jurídico, e assim remeteu o procedimento à advocacia geral da união afim de que fosse exaradoo parecer sobre a legalidade ou ilegalidade da conduta do secretário e um caso de ilegalidade, as sanções aplicáveis ao caso.

I - ANÁLISE DO CARGO DO SECRETÁRIO EXECUTIVO DO MINISTÉRIO DA FAZENDA:

Logo, tratar-se de um servidor em cargo, de natureza especial.

No dizer de Celso Antônio Bandeira de Mello "exercício do cargo"  :  
  
"Os cargos de provimento em comissão (cujo provimento dispensa concurso público) são aqueles vocacionados para serem ocupados em caráter transitório por pessoa de confiança da autoridade competente para preenchê-los, a qual também pode exonerar ad nutum, isto é, livremente, quem os esteja titularizando."  
Também nessa circunstância deverá ser promovida à responsabilidade do administrador, avaliando-se os prejuízos oriundos do ato praticado.   
Outro não poderá ser o entendimento, especialmente em face de regramento posto na Lei Federal nº. 8.429, de 02 de junho de 1992, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional, em especial na Seção III, que cuida dos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública, cujo artigo 11 rege:  
  
"Art. 11 Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente:  
  
O interesse público excepcional deverá estar plenamente caracterizado. Excepcional haverá de ser toda atividade de deslinde da cotidiana, corriqueira, característica do serviço público, e para a qual não há a possibilidade de preparação prévia por parte da administração.  
  
II – DA VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS.

Os fatos narrados devem ser necessariamente analisados e resolvidos à luz dos princípios constitucionais norteadores da Administração Pública, notadamente o da legalidade, o da moralidade, o da impessoalidade e o da probidade administrativa.

Os princípios constitucionais - conjunto de normas que alicerçam um sistema e lhe garantem a validade - são a síntese dos valores precípuos da ordem jurídica, posto que consubstanciem suas premissas básicas indicando o ponto de partida e os caminhos que devem ser percorridos. 

Ao interpretar a Constituição de 1891 Rui Barbosa afirmou que as cláusulas constitucionais são regras imperativas e não meros conselhos, avisos ou lições. 

Na perfeita concepção de Celso Antônio Bandeira de Mello:

Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.

Os fatos acima demonstrados revelam além de ofensas às disposições legais, violam os princípios constitucionais que regem a matéria.

III - DO ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA COMETIDO PELO.

Como premissa basilar a reger todo e qualquer ato da administração pública, destaca a Constituição Federal seu art.37 'caput':

"A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e também ao seguinte".

Os mesmos princípios em questão são consagrados pela Lei 8.429/92, que prevê a punição por atos de improbidade administrativa, dispondo em seu art.4º:

"Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela observância dos princípios da legalidade, da impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos".

Em consonância com a regra supra o art.2º damesma Lei 8429/92 define quem é agente público para seus efeitos:

"Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior."

No caso 'sub examen', não há sombra de dúvidas de que o requerido agiu mediante afronta aos princípios legais da moralidade e da legalidade, ao utilizar-se de serviços públicos para fins particulares.

No pleno exercício do cargo de secretario executivo do ministério da fazenda o requerido tinha pleno conhecimento da ilegalidade do uso desvirtuado de serviços e bens públicos, mesmo assim, em afronta aos mandamentos legais, locupletou-se do erário público, usando seu cargo de confiança, para de forma ilegal viabilizar a sua viagem e a de sua acompanhante a Fernando de Noronha, com a justificativa irreal da prestação de um serviço em uma repartição inexistente naquele local. 

Destarte, tem-se como inarredável que o requerido, na condição de Secretario executivo da Fazenda, extrapolou sua obrigação legal, cometendo ato de improbidade administrativa, fazendo tabula rasa dos princípios constitucionais da legalidade e da moralidade, sendo imprescindível sua responsabilização.

Nesse contexto, prescreve o § 4º do artigo 37 da Constituição Federal:

§ "4º - Os atos de improbidade administrativa importarão à suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível".

Como se vê, dentre os deveres do servidor público, recai o dever de probidade, que segundo HELY LOPES MEIRELLES "está constitucionalmente integrado na conduta do administrador público, como elemento necessário à legitimidade de seus atos" (Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros, 1993, 19ª ed., pg.91)

Discorrendo sobre o dever de probidade, DIÓGENES GASPARINI pondera que: "Esse dever impõe ao agente público o desempenho de suas atribuições sob pautas que indicam atitudes retas, leais, justas, honestas, notas marcantes da integridade do caráter do homem. É nesse sentido, do reto, do leal, do justo e do honesto que deve orientar o desempenho do cargo, função ou emprego junto ao Estado ou entidade por ele criada, sob pena de ilegitimidade de suas ações" (Direito Administrativo, Saraiva, 3ª ed., pg.51).

Em complemento à legislação constitucional, destaca o art.9º da Lei n.º 8.429/92, que discorre sobre os atos de improbidade administrativa, ora perfeitamente aplicável à espécie:

Art. 9º. Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no artigo 1º desta Lei, e notadamente:

IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no artigo 1º desta Lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades;

Desta feita, sua punição é absolutamente necessária e exemplar, ainda mais num momento em que o País encontra-se mergulhado num lamaçal de corrupção, onde se busca o resgate da seriedade com o trato da coisa pública, objetivando a probidade dos agentes públicos e a responsabilização dos entes descumpridores de seus deveres legais.

No mesmo norte, discorrendo sobre o tema, CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, catedrático no assunto, assim leciona:

"Segundo os cânones da lealdade e boa-fé, a Administração haverá de proceder em relação aos administrados com sinceridade, sendo-lhe interdito qualquer comportamento astucioso, eivado de malícia, produzido de maneira a confundir, dificultar ou minimizar os exercícios de direitos por parte dos cidadãos" ("in" Curso de Direito Administrativo, 5a. edição, 1994, Malheiros Editores, pp. 59/60).

MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, com sua sabedoria, enfatiza que "Sempre que em matéria administrativa se verificar que o comportamento da Administração ou do administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, o princípio de justiça e de eqüidade, a idéia comum de honestidade, estará havendo uma ofensa ao princípio da moralidade administrativa" (Direito Administrativo, 4a. ed., 1994, Atlas, p. 70)

Destarte, não se pode conceber como moral, como honesto, como de boa-fé, o uso do bem e serviços públicos em prol de interesses particulares,  cujo dever primordial é velar pela observância da lei.

Por fim, importa ressaltar que de secretario executivo do ministério da fazenda, no exercício da função, já deu demonstração de desrespeito para com a coisa pública.  

Dispõe o caput do artigo 37 da Constituição Federal:,

"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:"          

No caso concreto, houve ofensa cristalina ao princípio da finalidade, que está ínsito ao da legalidade e da impessoalidade, como veremos.  

A finalidade pública é o bem jurídico buscado pelo ato e o Administrador Público tem dever jurídico de alcançá-la, pena de configurar-se o abuso de poder. 

O Administrador não pode deixar de atender a finalidade pretendida pela lei. Não tem ele a disponibilidade sobre os interesses públicos, pois são inaproriáveis, e o ato administrativo cujo escopo estiver divorciado do interesse público sujeitar-se-á à invalidação por desvio de finalidade. 

Diz o Professor José Afonso da Silva que "(...) o princípio da finalidade administrativa, que não foi referido no art. 37, porque, certamente, o legislador constituinte o entendeu como um aspecto da legalidade. De fato o é na medida em que o ato administrativo só é válido quando atende o seu fim legal, ou seja, o fim submetido à lei (...)", e prossegue, concluindo, "essa considerações querem apenas mostrar que o princípio da finalidade não foi desconsiderado pelo legislador constituinte, que o teve como manifestação do princípio da legalidade, sem que mereça censura por isso" (Curso de Direito Constitucional Positivo, 25. ª edição, São Paulo, Malheiros, 2005, p. 6, 67).  

Exatamente, aproveitando o exemplo do procurador geral da República, Geraldo Brindeiro, enviou um ofício à Força Aérea Brasileira requisitando uma aeronave para que o levasse no próximo final de semana à Ilha de Fernando de Noronha, sob alegação de que iria visitar um posto avançado da delegacia regional da Receita Federal em Pernambuco, pois não há sequer um posto avançado da Receita Federal do Brasil em Fernando de Noronha.

Todo o ato utilizado como subterfúgio para dar aparência de legalidade aos atos, visando também ocultar a ilegalidade e dificultar a descoberta da fraude.

 Buscou privilegiarem-se as pessoas que tinham vínculo pessoal e a si mesmo.

 Dessa maneira, o comportamento do secretário foi de encontro em contrariedade ao princípio em comento, pois não visavam qualquer interesse público, pelo contrário, procuraram satisfazer interesses pessoais, ao total arrepio da lei.  

 Praticou o secretário, de tal maneira, nítido abuso de poder, na modalidade de desvio de finalidade, pois buscou utilização do bem público com fins unicamente pessoais, alheios ao interesse público.

    Segundo HELY LOPES MEIRELLES "O desvio de finalidade ou poder verifica-se quando a autoridade, embora atuando nos limites de sua competência, pratica o ato por motivos ou com fins diversos dos objetivados pela lei ou exigidos pelo interesse público. O desvio de finalidade ou poder é, assim, a violação ideológica da lei, ou, por outras palavras, a violação moral da lei, colimando o administrador público fins não querido pelo legislador; ou utilizando motivos e meio imorais para a prática de um ato administrativo aparentemente legal" (Direito Administrativo Brasileiro, 21. ª Edição, São Paulo, Malheiros Editores, 1996, p. 96). 

    Ensina MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO: "Se a lei dá à Administração os poderes de desapropriar, de requisitar, de intervir, de policiar, de punir, é porque tem em vista atender ao interesse geral, que não pode ceder diante do interesse individual. Em conseqüência, se, ao usar de tais poderes, a autoridade administrativa objetiva prejudicar um inimigo político, beneficiar um amigo, conseguir vantagens pessoais para si ou para terceiros, estará fazendo prevalecer o interesse individual sobre o interesse público e, em conseqüência, estará se desviando da finalidade pública prevista na lei. Daí o vício do desvio de poder ou desvio de finalidade, que torna o ato ilegal" (Direito Administrativo 10. ª Edição, São Paulo, Atlas, 1999, p. 63). 

           O princípio da impessoalidade, que também permeia a finalidade, tem sua incidência no caso concreto.  

Os atos do secretário, ora impugnados, possibilitou o abuso de autoridade e poder, inaceitáveis na administração pública. A cada administração é um novo grupo. Muda-se a política e mudam-se também os servidores. 

             Conforme já salientado, o administrador público não pode agir como senhor absoluto. Ele não é o dono da coisa pública. Ele deve geri-la de acordo as regras do regime administrativo. Não pode contratar quem bem entenda para executar serviços, notadamente quando utiliza artifícios para ocultar seu verdadeiro talante. A lei não lhe dá esta liberdade em respeito ao princípio da isonomia, sobre o qual CELSO ANTÔNIO tece as seguintes lições: 

"Vários institutos de Direito Administrativo refletem claramente a importância desse princípio".

"A Administração direta ou indireta não pode distribuir como benesses as vantagens econômicas dos negócios em que tenha de intervir ou os cargos e empregos em seus vários órgãos. Justamente porque nenhum desses bens tem o cunho de propriedade particular, utilizável ao alvedrio do titular..

(Curso de Direito Administrativo, Ed. Malheiros, 9a ed., p.  43) 

    Sobre a impessoalidade, ensina, ainda, a autora mencionada apouco: "(...) o princípio estaria relacionado com a finalidade pública que deve nortear toda a atividade administrativa. Significa que a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que tem que nortear o seu comportamento (...)" (op. cit., p. 64). 

                       A propósito, valorosas as palavras de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO: "Nele (escrevendo a respeito do princípio da impessoalidade) se traduz a idéia de que a Administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguições política são toleráveis, simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de qualquer espécie. O princípio em causa não é senão o próprio princípio da igualdade ou isonomia. Está consagrado explicitamente no artigo 37, caput, da Constituição

                       O administrador público deve pautar a sua conduta de acordo com a moral e a lei, razão pela qual o administrador não pode agir como aquele que dirige uma empresa privada. Isso decorre da noção de República, na qual os cargos públicos de provimento efetivo a todos se destinam, desde que tenham competência para desempenhá-lo, e não só para aqueles que possuem um padrinho político, como infelizmente acontece em nosso país.  

                       A respeito do princípio da moralidade administrativa escreve com maestria, mais uma vez, CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO: "De acordo com ele, a Administração e seus agentes têm de atuar na conformidade de princípios éticos. Violá-los implicará violação ao próprio Direito, configurando ilicitude que sujeita a conduta viciada a invalidação, porquanto tal princípio assumiu foros de pauta jurídica, na conformidade do art. 37 da Constituição" (op. cit, p. 73). 

                       Contemplo sim a ilegalidade da função destinada o uso do bem público, contração (ofensa aos princípios da finalidade, impessoalidade e moralidade), inclusive com a prática de crimes (contra a fé pública).                      

                       No caso concreto, nitidamente os princípios foram violados.  
 

IV - DA CONFIGURAÇÃO DO ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

     Inequívoco que a conduta dos requeridos se amolda à Lei 8429/92. 

                        Primeiro por solicitar indevidamente uma aeronave para passeios particulares visando à obtenção de uma vantagem pessoal à frente da Administração, com critérios objetivos, causando o dano ao erário (artigo 10, caput e inciso IX). 

  Mas o prejuízo não é só presumido e sim efetivo. 

 Ora, os valores gasto com combustível, pessoal e desvalorização da aeronave o que por si só demonstra a dilapidação do erário, em benefício próprio emitidas (artigo 9.º, caput).  

 Ainda que assim não fosse, a ofensa aos princípios comentados, quais seja legalidade, impessoalidade, moralidade e até eficiência, tipificam o artigo 11 do mesmo diploma legal.  

            O beneficiário dos atos praticados, conhecedor da ilegalidade na utilização do bem público para fins pessoais.

                    Não se pode admitir que atos nulos de pleno direito e praticados com má-fé, em desrespeitos aos mais basilares princípios da Administração Pública e em ofensa a norma constitucional expressa, gere algum efeito, de maneira que todos devem ser responsabilizados pelo ressarcimento do erário. 

                       Impossível não deixar de citar texto do inesquecível GERALDO ATALIBA: "Os servidores do Estado ao longo da história até o século passado, todos estavam neste regime de dependência dos donos do poder; eram então recrutados de acordo com simpatias ou antipatias, partidarismos, adesões a certas bandeiras e pessoas; e os governantes, transitórios ou não, dispensavam ou engajavam servidores para o Estado, mais ou menos como administravam a coisa pública, bastante confundida com a propriedade privada daqueles que exerciam funções públicas" (Revista de Direito Tributário, nº 60, pág. 268) 

                       Parece que a malsinada prática de gerir a coisa pública como se administrasse uma empresa privada não é coisa do passado.

                        A prova da ofensa é "reconhecidamente difícil", mas "certos 'sintomas' (índices, indícios, traços), entretanto, podem denunciar a 'distorção', fornecendo fundamento seguro para a anulação do ato viciado", de maneira que "o diagnóstico do desvio de poder tem de ser empreendido pela prova indireta, refletida nos sintomas responsáveis aqui e ali, denunciados pela parte prejudicada e apreciados pelo juiz". (conforme WALLACE PAIVA MARTINS JUNIOR, na obra Probidade Administrativa, São Paulo, Saraiva, 2.ª Edição, p. 28, citando José Cretella Júnior).  

    No mesmo sentido, ressalta EMERSON GARCIA: "... será extremamente penosa a empreitada de construção do contexto probatório, pois, quanto maior a reprovabilidade da conduta, maior será o embuste e a astúcia para ocultá-la, o que exige uma correta e ampla valoração das circunstâncias periféricas à prática do ato, terminando por desnudá-lo, removendo o véu da torpeza que o circundava" (Improbidade Administrativa, 2.ª Edição, Lúmen Júris, Rio de Janeiro, 2004, p. 274).     

O princípio constitucional da impessoalidade está posto em nível constitucional no artigo 5º, caput, parte inicial, onde consta que todos são iguais perante a lei, sem qualquer distinção de qualquer natureza.  
  
Tal assertiva é valida, também, à administração pública, à qual é defeso infligir qualquer sorte de distinção restritiva ou privilégios, especialmente por força do caput do artigo 37, que reza que a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.  
  
Tarefa das mais complexas é a de tentar extrair especificidade dos princípios constitucionais, pois que, no mais das vezes apresentam-se emaranhados. A cada ato administrativo haverá a incidência de mais de um princípio constitucional, dificultando sobremaneira a análise do interprete da adequação às determinações legais.   
  
Assim, tênue se apresenta à linha divisória entre o princípio da impessoalidade e da moralidade.  
  
Vejamos o sentido dado por Hely Lopes Meirelles à impessoalidade:  
"O princípio da impessoalidade, referido na Constituição de 1988 (art. 37, caput), nada mais é que o clássico princípio da finalidade, o qual impõe ao administrador público que só pratique o ato para o seu fim legal. E o fim legal é unicamente aquele que a norma de direito indica expressa ou virtualmente como objetivo do ato, de forma impessoal.  
Desde que o princípio da finalidade exige que o ato seja praticado sempre com finalidade pública, o administrador fica impedido de buscar outro objetivo ou de praticá-lo no interesse próprio ou de terceiros. Pode, entretanto, o interesse público coincidir com o de particulares, como ocorre normalmente nos atos administrativos negociais e nos contratos públicos, casos em que é lícito conjugar a pretensão do particular com o interesse coletivo.  
O que o princípio da finalidade veda é a prática de ato administrativo sem interesse público ou conveniência para a Administração, visando unicamente satisfazer interesses privados, por favoritismo ou perseguição dos agentes governamentais, sob a forma de desvio de finalidade."1  
  
Enquanto a lição de Meirelles empresta ao princípio da impessoalidade a identificação com o princípio da finalidade, Celso Antônio Bandeira de Mello estipula o caráter autônomo do princípio e o caracteriza como sendo nada mais que o princípio da igualdade ou da isonomia, nos exatos e seguintes termos:  
  
"Nele se traduz a idéia de que Administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de qualquer espécie. O Princípio em causa não é senão o próprio princípio da igualdade ou isonomia (...).  
  
No texto constitucional há, ainda algumas referências a aplicações concretas deste princípio, como ocorre no art. 37, II, ao exigir que o ingresso em cargo, função ou emprego público depende de concurso público, exatamente para que todos possam disputar-lhes o acesso em plena igualdade."2  
  
Também comunga desse entendimento Juarez Freitas, em sua obra O Controle dos Atos Administrativos e os Princípios Fundamentais:  
  "No tocante ao princípio da impessoalidade, a Administração Pública precisa dispensar um objetivo isonômico a todos os administrados, sem discrimina-los com privilégios espúrios, tampouco malferindo-os persecutoriamente, uma vez que iguais perante o sistema. Quer-se através da implementação do referido princípio, a instauração, acima de sinuosos personalismos, do soberano governo dos princípios, em lugar de idiossincráticos projetos de cunho personalista e antagônicos à consecução do bem de todos.  
A dizer de outro modo, o princípio da impessoalidade determina que o agente público proceda com desprendimento, atuando desinteressada e desapegadamente, com isenção, sem perseguir nem favorecer, jamais movido por interesses subalternos. Mais: postula-se o primado das idéias e dos projetos marcados pela solidariedade em substituição aos efêmeros cultivadores do poder como hipnose fácil e encantatória. Semelhante princípio guarda derivação frontal, inextirpável e, não raro, desafiadora com o princípio da igualdade de todos, sem distinção de qualquer natureza (CF, art. 5º, caput), salvo aquelas impostas pelo próprio sistema constitucional.  
  
O princípio constitucional da impessoalidade aplicado à administração pública deve ser observado sob dois aspectos distintos: o primeiro sentido a ser dado à aplicação do princípio é o que ressalta da obrigatoriedade de que a administração proceda de modo que não cause privilégios ou restrições descabidas a ninguém, vez que o seu norte sempre haverá de ser o interesse público; o segundo sentido a ser extraído da vinculação do princípio à administração pública é o da abstração da pessoalidade dos atos administrativos, pois que a ação administrativa, em que pese ser exercida por intermédio de seus servidores, é resultado tão somente da vontade estatal.  
  
Como também, devem ostentar plena aparência de legalidade. Não há espaço para suspeitas nos procedimentos públicos. A mera suspeita, aliás, desde que respaldada em índices mínimos, traduz ofensa objetiva ao princípio da moralidade, ainda que o procedimento se adapte às exigências legais específicas.  
    
Também nessa circunstância deverá ser promovida a responsabilidade do administrador, avaliando-se os prejuízos oriundos do ato praticado.   
Outro não poderá ser o entendimento, especialmente face ao regramento posto na Lei Federal nº. 8.429, de 02 de junho de 1992, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional, em especial na Seção III, que cuida dos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública, cujo artigo 11 regra:  
  
Art. 1: "Constitui ato de improbidade administrativa qualquer ato que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições".

V-DA CONFIGURAÇÃO DO ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

   As razões até aqui expendidas já seriam suficientes a fulminar a decisão de...       Inequívoco que a conduta dos requeridos se amolda à Lei 8429/92: 

                        Por solicitar indevidamente Uma aeronave para passeios românticos visando à obtenção de uma vantagem pessoal à frente da Administração, com critérios objetivos, causando o dano ao erário (artigo 10, caput e inciso IX).     

    Mas o prejuízo não é só presumido e sim efetivo. 

    Ora, o valor gasto em combustível,pessoal e desgaste da aeronave , o que por si só demonstra a dilapidação do erário, em benefício próprio emitidas (artigo 9.º, caput).

    Ainda que assim não fosse, a ofensa aos princípios comentados, quais seja legalidade, impessoalidade, moralidade e até eficiência, tipificam o artigo 11 do mesmo diploma legal.

            Com o procedimento de requerer um bem publico para uso pessoal e particular, gastaram dinheiro público mesmo que indiretamente, como bem entenderam para beneficiar-se e a sua namorada ,efetivamente feriram o principio da ilegalidade, usando justificativas inverídicas,visando a obtenção de vantagem indevida, pela inexistência do posto avançado para o local solicitado.

           O beneficiário dos atos praticados, conhecedor da ilegalidade na utilização do bem publico para fins pessoais.

                    Não se pode admitir que atos nulos de pleno direito e praticados com má-fé, em desrespeitos aos mais basilares princípios da Administração Pública e em ofensa a norma constitucional expressa, gere algum efeito, de maneira que todos devem ser responsabilizados pelo ressarcimento do erário. Vale citar um texto do inesquecível doutrinador,

                       GERALDO ATALIBA: "Os servidores do Estado ao longo da história até o século passado, todos estavam neste regime de dependência dos donos do poder; eram então recrutados de acordo com simpatias ou antipatias, partidarismos, adesões a certas bandeiras e pessoas; e os governantes, transitórios ou não, dispensavam ou engajavam servidores para o Estado, mais ou menos como administravam a coisa pública, bastante confundida com a propriedade privada daqueles que exerciam funções públicas" (Revista de Direito Tributário, n 60, pág. 268) 

                       Parece que a malsinada prática de gerir a coisa pública como se administrasse uma empresa privada não é coisa do passado.  

    Certamente que o  secretario não ira admitir que a finalidade do uso da aeronave, acima de tudo, era a satisfação de interesses particulares e o beneficiamento próprio e da sua namorada.     

A prova da ofensa é "reconhecidamente difícil", mas "certos 'sintomas' (índices, indícios, traços), entretanto, podem denunciar a 'distorção', fornecendo fundamento seguro para a anulação do ato viciado", de maneira que "o diagnóstico do desvio de poder tem de ser empreendido pela prova indireta, refletida nos sintomas responsáveis aqui e ali, denunciados pela parte prejudicada e apreciados pelo juiz" (conforme WALLACE PAIVA MARTINS JUNIOR, na obra Probidade Administrativa, São Paulo, Saraiva, 2.ª Edição, p. 28, citando José Cretella Júnior).  

        No mesmo sentido, ressalta EMERSON GARCIA: "...será extremamente penosa a empreitada de construção do contexto probatório, pois, quanto maior a reprovabilidade da conduta, maior será o embuste e a astúcia para ocultá-la, o que exige uma correta e ampla valoração das circunstâncias periféricas à prática do ato, terminando por desnudá-lo, removendo o véu da torpeza que o circundava" (Improbidade Administrativa, 2.ª Edição, Lúmen Júris, Rio de Janeiro, 2004, p. 274). 

VI -CONCLUSÃO:

Mediante tudo o que se expôs, opino, salvo outro e melhor entendimento, também fundamentado no (art.37, da Lei Federal 8429/92, aplicável à espécie):

Verifica-se que a conduta do secretário executivo do Ministério da Fazenda qualifica-se expressamente como ato de improbidade administrativa, eis que, utilizou de serviços públicos para fins particulares, em arrepio às normas legais.

O administrador público sujeito à Ação por Improbidade Administrativa, à luz do que prescreve o art. 11, V da Lei Nacional ( 8429/92)

Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

Se levar a letra da lei à exegese estrita, vê-se que o ato secretário executivo, como o presente consubstancia improbidade administrativa.

Comentando o dispositivo, disserta Marcelo Figueiredo: "A ratio legis volta-se à lisura do certame". Procura preservar sua legitimidade, legalidade, moralidade. Não importa qual a função a ser ocupada, ou a modalidade de órgão público.

A pena para tanto é, consoante o art. 37, §4º da CF/88 c/c art. 12 da Lei 8429/92, a indisponibilidade dos bens, ressarcimento ao erário, a suspensão dos direitos políticos e perda da função pública.

Na hipótese do artigo 9º, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública,pagamento de multa civil de até 3 (três) vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 10 (dez) anos;

Em suma, isento a Força Aérea Brasileira de quaisquer responsabilidades sobre a conduta reprovável, recaindo toda e qualquer responsabilidade sobre o secretário executivo do Ministério da Fazenda que cometeu atos graves, visto que foi o único, com sua namorada, beneficiário do ato ilegal.

É como opino.

Helena  Posener,

Graduando em direito Faculdade Apoio

Lauro de Freitas 15 de maio de 2008. 
 
 

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OBS: Atividade  da matéria de Direito constitucional,elaborada pelo docente da referida matéria para aprimorar  o conhecimento do alunado.