IMPÉRIO E IGREJA:  SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS ENTRE CONSTANTINO E CARLOS MAGNO

 

Resumo

Neste artigo iremos analisar as relações do Império com a Igreja, da sua gênese com Constantino no século IV, e fazer uma análise do Imperador Carlos Magno, considerado o “novo Constantino” na Alta Idade Média, elaborando um percurso de semelhanças e diferenças. Sem pretensão de esgotar o assunto descrevemos alguns aspectos que ajudarão a compreender como a relação do Estado e a Igreja foi se estreitando e se consolidando como poder centralizado na Idade Média. Nossa análise tomará como recurso metodológicos as bibliografias estudadas em sala, mais precisamente dois autores: Paul Veyne e André Vauchez.

O cristianismo surge como uma novidade dentro do Império Romano, ainda sem ser considerada uma religião oficial, atuava na clandestinidade, a perseguição aos primeiros cristão em seu início foi devastadora, muitos foram mortos, e recebiam as mais severas penas, tudo isso porque o Cristianismo se tornou uma ameaça a religião praticada dentro do Império: O paganismo. Isso, significava que com a ideia de um Deus monoteísta trazida por eles, ameaçava a crenças politeísta comum entre os pagãos. Portanto, os Imperadores, principalmente Diocleciano (284-305), sentiram que essa nova postura que o Cristianismo trouxera comprometeria a unidade do Império, a visão de um Deus único colocou em xeque a divindade do Imperador gerando resistência por parte dos Cristãos em adora-lo. Muitos dos Soldados do Exército estavam se convertendo, gerando um enfraquecimento militar do Império, diante desses conflitos não havia outra solução a não ser persegui-los.

Os cristãos não fizeram qualquer tentativa de formular uma teoria das relações entre a igreja e o estado no período pré-constantiniano. Nos primeiros séculos, embora não tivessem o direito legal de existir, os crentes em geral seguiram a admoestação paulina de sujeição às autoridades superiores (Rm 13:1), exceto quando tal sujeição entrava em conflito com preceitos bíblicos ou a pregação do evangelho (At 5:29). Durante cerca de 250 anos, a relação da igreja nascente com o império foi em geral tensa e muitas vezes abertamente conflitiva. Nesse período, a recusa dos cristãos em participar do culto imperial atraiu muitas vezes a ira e a hostilidade do Estado. (MATOS, [200?])

Porém, todo esse cenário irá mudar com a conversão de um dos seus maiores imperadores ao Cristianismo: Constantino. Ao que nos interessa na abordagem desse tema a trajetória da Conversão de Constantino se assemelha a muito com as postura do tomada por Carlos Magno, no Império Carolíngio no século VIII. Porém, Constantino dar a gênese da Igreja, e suas primeiras relações com o Estado, sem um poder de intervenção direto, sem uma Liturgia ou espiritualidade definida, ao contrário, do Século VIII em que a Igreja já se consolida como Religião oficial do Estado e suas relações de poder visíveis a ponto de intervir em quase todas as decisões políticas.  Com corpo doutrinário bem mais definido, muitas de suas decisões se assemelha a Constantino, demonstrando claramente a adesão ao Cristianismo como a religião que deveria ser seguida.

A partir do Século IV, Constantino surpreender a todos, com sua entrada triunfal após vencer a batalha de Ponte Milvius em 312, trazendo consigo, pintado nos escudos de seu soldados as iniciais em grego da palavra cristo “P” e “X”, símbolo do Crisma.

No dia a seguir à sua vitória na Ponte Milvius, 29 de outubro de 312, Constantino fez sua entrada em Roma á Frente das Tropas que levavam no escudo um símbolo ainda desconhecido, o crisma. Tal não significava que estes homens se tornaram cristão, mas que este exército era um instrumento de um chefe que se havia tornado cristão e que sua vitória era a de cristo; o crisma era a profissão de fé Constantino. (VEYNE,2009, p.83).

Este é um ponto interessante, porque a que a conversão de Constantino é muito particular, pois verificamos segundo o autor, uma peculiaridade nessa sua decisão, sua decisão de adesão ao Cristianismo não se tornou uma obrigação a todos os seus súditos. Isso significa que Constantino foi prudente, não quis tomar uma atitude tão radical como Tomou Carlos Magno. Carlos Magno foi o primeiro que não teve nenhum escrúpulo em colocar em prática aos súditos de forma forçada a adesão ao Cristianismo, em que todos deveriam adorar o mesmo Deus dele, caso contrário, eram punidos severamente pelo Estado.  Impondo aos fiéis e súditos uma submissão ao Clero e ao Imperador e a estes restando-lhe apenas a obediência. (VAUCHEZ,1995).

Após a conversão de Constantino muitas de suas decisões passaram a favorecer o Cristianismo. Neste período outras religiões já possuíam alguns privilégios concedidos pelo império, apenas o cristianismo era fora disso, mas, isso muda quando Constantino juntamente com Lícinio o novo imperador do Oriente, assinaram o Édito de Milão, no qual proibia-se a perseguição aos cristãos, e legaliza o culto do Cristianismo pelos povos do império. Constantino concede isenção de imposto a Igreja, doa terras, privilegia o clero, deixando responsáveis apenas pelos cultos. Carlos Magno não agiu diferente, reforça essa herança deixada por Constantino.

Os carolíngios favoreceram a propensão do clero para formar uma casta sacerdotal, separada do resto do povo por suas funções e seu status. Instituindo a monarquia episcopal – um bispo residente por diocese, um arcebispo metropolitano por província – e a Igreja territorial – isto é a obrigação para os fiéis de prática no âmbito de sua paróquia – eles contribuíram dar esse corpo uma coesão crescente. Esse clero sedentário e hierarquizado foi, por outro lado, dotado de privilégios jurídicos. (VAUCHEZ,1995p.).

Vale ressaltar que Constantino ao favorecer privilégios a Igreja, não assumiu uma postura bem definida na Igreja, essas decisões não o fizeram nem um bispo e nem um papa, ele simplesmente se entendia como alguém neutro as decisões, principalmente as que envolviam demandas religiosas, fazia isso para não desestabilizar o Império já que o paganismo ainda era de grande predominância. Nesse momento a Igreja, está em sua gênese como poder estatal e quase não tinha nenhum poder político. E o próprio Constantino se denominava um representante de Deus, ao qual nem um intermediário lhe outorgou qualquer poder atemporal, segundo ele foi o próprio Deus que delegou sua missão como Servo. “Constantino não deixará de repetir que ele é servo de Cristo, que o tomou a seu serviço e lhe concede sempre a vitória” (VEYNE, 2009, p.14).

Segundo, (VEYNE,2009) foi o Cesar que deu mão a Igreja, para guia-la, pois viu nela não um poder, mas um corpo o qual poderia exercer sua autoridade. Com passar do tempo a Igreja adquiri muito prestigio e privilégios, (como a de eleger os soberanos), se fortalece ao longo do tempo, definindo seu corpo doutrinário. É o que observamos no Século VIII, na tentativa de restabelecer a religião cristã no seu antigo esplendor inaugurado por Constantino, Carlos Magno é sagrado Imperador pelas mãos dos bispos, considerado o “novo Constantino”, estará incumbido de salvar seu povo. Constantino via em sua missão como o “Salvador da humanidade”, não tão diferente, Carlos Magno, tinha agora em sua missão ser o “novo Davi”, o guardião da fé católica. A lealdade dos súditos, sacralizando o juramento, que a partir de Carlos Magno, se tomou a base da instituição política.

Ocidente conheceu, no século VIII, as primeiras tentativas de construção de uma sociedade cristã. Investidos de um poder sobrenatural pela virtude da sagração, os soberanos carolíngios se consideravam como responsáveis pela salvação do seu povo e pretenderem reger a Igreja assim como regiam a Sociedade profana. Carlos Magno levou esses princípios até as últimas consequências, apareceu aos seus contemporâneos como um ‘novo constantino’, restaurador do Império cristão. (VAUCHEZ,1995p.12).

A Igreja nos tempos de Constantino, integrou-se ao império, mas não tinha ordens a dar ao imperador, bem diferente do que vimos acima no Século VIII, em que definitivamente se atrelou ao Estado - apesar que o imperador Teodósio I que decretou o Cristianismo como religião oficial do Império Romano -  na incumbência de que o Soberano era escolhido por decreto divino e somente uma autoridade eclesiástica tinha autoridade para delegar tal poder. No entanto, tinham uma missão em comum” erradicar o paganismo para se consagrar a tarefa mais urgente: fazer que o verdadeiro Deus seja adorado no território do império e, para isso, favorecer a Igreja, permitindo que ela se estabeleça livre e amplamente “(VEYNE, 2009.p.89).

A liberdade religiosa que Constantino concedeu através dos éditos publicados, gerou uma série de conflitos para ordem do Império, porque não queria contrariar os pagãos, e sem um corpo doutrinário definido, abriu-se para uma infinidades de interpretações da Sagradas Escrituras, surgindo embates “teológicos” e que muitas vezes ele acabava por se fazer-se intervir, para que não houvessem rachaduras e dissidências, aparecia como voto de minerva. Assim, como Constantino, Carlos Magno presidiu concílios para decidir vários pontos da doutrina cristã (VAUCHEZ, 1995). E foi a partir daí que Igreja começa a constitui seu corpo doutrinário com o surgimento dos Concílios, e como consequências uma ortodoxia, que definia como “heresia” tudo aquilo que não fosse estabelecido e aceito pelos Concílios.

Na nova era, inaugurada pela liberdade e benefícios concedidos por Constantino, dilata-se o germinar de muitas heresias. Algumas tinham se originado no século anterior e. agora com mais liberdade, tomava novo impulso e dimensões maiores. Impossível enumerar todas as questões teológicas, disciplinares, morais, que muito cristãos defrontaram até a morte. Destacaremos as principais: donatismo, arianismo, apolinarismo e priscilarismo(...) (FRANGIOTTI, 1995.p.63).

A perseguição dos cristãos se cessa, porém nesse mesmo período constantino, a coisa começa a se inverter, pois inúmeras das decisões deixavam o paganismo a margem, inicia uma quebra de privilégios concedidos a eles, inicia uma perseguição, mas não implacável, velada, sem uso da força, na tentativa de enfraquece-los e suprimi-los, isso é notório quando inicia a substituição dos cultos pagãos e seus templos, em detrimento a nova religião.” O paganismo sobreviveu até a época de Carlos Magno. No total, foi apenas no século VIII que o cristianismo acabou se tornando a religião do ocidente. (VAUCHEZ, 1995.p. 12).

Apesar do cristianismo consolidar seu corpo doutrinário no século VIII, ao estabelecer praticas litúrgicas na tentativa de impregnar a religião na vida cotidiana das pessoas, criando um ambiente sagrado, não deixava de sofre em sua religiosidade popular influencias herdada de práticas pagãs perceptíveis até mesmos nos dirigentes da Igreja, ou seja, por mais que Constantino e Carlos Magno tentassem suprimir o paganismo, ela nunca na prática deixou de influenciar a mentalidade do povo.

Mesmo nas regiões cristianizadas de mais longa data, a religião oficial ainda era apenas, em muitos casos, um verniz que recobria superficialmente elementos heterogêneos a qualificados de ‘superstições pelos cléricos’ pelos cléricos. Não que o paganismo antigo ou germânico tivesse sobrevivido como um corpo de doutrinas coerentes, o que aliás ele nunca fora. Mas, toda rede de instituições e de práticas, das quais algumas deveriam ser muito antigas, constituíam a trama de uma vida religiosa que se desenrolava a margem do culto cristão. (VAUCHEZ, 1995.p.23).

O clero nos tempos de Constantino tinha apenas um papel consultivo, sua legislação em relação as questões morais, apenas estava em conformidade com a tradição, segundo (VEYNE,2009). Porém, com Carlos Magno, a retomada da “moral cristã” estabelecer novas normas de condutas -  muitas já desde os tempos de Constantino – tinha por objetivo adquirir uma unidade, mas,  principalmente uma universalidade, desejado por desde Constantino em fazer um “projeto” para a posteridade, pois  seria de grande beneficies ao Império e a Igreja, ou seja, “o cristianismo tinha-se por único verdadeiro, como impondo-se à humanidade inteira, como dando a todos os homens uma vocação sobrenatural e uma igualdade espiritual. Uma igreja una(...)”(VEYNE,2009)

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