IMPACTOS DA OMISSÃO DO DIREITO URBANÍSTICO NA VIDA PRÁTICA DAS CIDADES

Ramalho Cezar dos Santos

Aluno do 10º período do Curso de Direito. Faculdade Luciano Feijão.

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RESUMO

A formação de cidadãos conscientes de seus deveres e contribuintes para a felicidade coletiva agregada à postura séria do bem-fazer por parte do Estado e seus governantes garantirão a eficácia e cumprimento das políticas públicas, gerando segurança para todos e as implicações da responsabilidade civil para o descumprimento das mesmas. Os constantes desastres assistidos quase diariamente nos meios de comunicação denunciam algo já esperado em determinados locais e épocas do ano. Construções em áreas inadequadas para moradias como morros e margens de rios e lagos contam com a omissão do Estado para que sua ocorrência permaneça. Fica transparente nesses casos, a inércia dos órgãos públicos, não podendo tais instituições alegar caso fortuito ou força maior, para se eximir de suas obrigações, já que os desastres são facilmente previsíveis.

Palavras-chave: Direito Urbanístico, Cidadania, Omissão do Estado.

 

ABSTRACT

The formation of citizens aware of their duties and contributors to collective happiness added to the serious stance of well-doing by the State and its government will guarantee the effectiveness and fulfillment of public policies, generating security for all and the implications of civil liability for the non-compliance. The constant disasters seen almost daily in the media denounce something already expected in certain places and times of the year. Buildings in areas unsuitable for housing such as hills and banks of rivers and lakes rely on the State's omission to remain in place. It is transparent in these cases, the inertia of public agencies, and such institutions cannot claim fortuitous circumstances or force majeure, to avoid their obligations, since disasters are easily predictable.

 

INTRODUÇÃO 

Inicialmente, é importante dizer que o Direito Urbanístico se encontra em expansão e é decorrente da formação das cidades, produto das construções baseadas na ação do homem com o fito de criar as condições pertinentes para a vida em grupo, transformando os diferentes ambientes. No Brasil, a Constituição Federal estabelece os deveres da União, dos Estados, Distrito Federal e dos Municípios para o desenvolvimento de políticas urbanas. Com o crescimento das cidades percebe-se o desequilíbrio no uso e ocupação dos espaços urbanos, fenômeno percebido não só nas grandes cidades, mas também nas cidades de médio e pequeno porte. Dessa forma o ser humano busca constantemente por melhores condições de vida em coletividade, nascendo, portanto regras legais. A Carta Mundial do Direito à Cidade, nascida do Fórum Social das Américas, em 2004, coloca o direito à cidade como um direito coletivo para seus habitantes. Os grupos de pessoas menos favorecidas foram amparadas por essa carta, podendo assim acessar um padrão de vida que se aproxima do adequado. O direito a uma cidade democrática, sustentável, limpa, livre de poluição, onde os cidadãos participem ativamente das decisões que envolvem a coletividade, com moradias adequadas e saúde para todos é o ideal que se busca através das políticas de desenvolvimento urbano.

METODOLOGIA

A metodologia utilizada para desenvolvimento deste trabalho se deu com pesquisas básicas em obras doutrinárias com os devidos posicionamentos de estudiosos do tema, bem como a visita às letras legais de legislações e regramentos. Através de uma abordagem qualitativa, busca-se demostrar aos leitores a realidade das cidades brasileiras, bem como demonstrar na lei os direitos dos cidadãos a uma cidade harmônica que ofereça as condições adequadas para se morar. O procedimento técnico utilizado foi o bibliográfico, baseando-se em obras doutrinárias, leis, artigos científicos, Estatuto da Cidade, Constituição Federal, e o meio virtual através de sites na internet.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Quando estudado, seja historicamente ou sociologicamente, percebe-se que o ser humano sempre foi um animal que necessitou estar perto de outros da sua espécie e assim o é até os dias atuais. Somos seres acostumados a viver em grupos, e este convívio nos fez evoluir e perceber que necessitamos de regras para boa convivência social, assim advieram as primeiras normas urbanísticas:

O espírito gregário do homem, que o fez conviver om os demais a fim de satisfazer as necessidades recíprocas, conduz ao surgimento das primeiras normas urbanísticas, ainda no Direito Romano, em vista da segurança, estética, salubridade e ordenamento urbano. (GIVANI CORRALO, 2011, p. 243)

 

A constituição Federal de 1988 foi a primeira de todas as constituições do Brasil a trazer em seu texto menções sobre o Direito Urbanístico. Trata-se de assunto de suma importância, dado o vertiginoso crescimento populacional nos centros urbanos provocados pela saída em massa de populações que moravam no interior do Brasil em direção às cidades onde esperam contar com um número maior de oportunidades trazidas pelo desenvolvimento econômico e tecnológico.

Tal crescimento se deu de forma repentina e desordenada, causando transtornos de natureza econômico, social, ambiental, levando muitas famílias a habitar lugares inapropriados, ficando expostos a vários riscos, levando seres humanos a estados degradantes.

A ocupação irracional e desregrada do espaço territorial, associada a falta de planejamento governamental tem sido um dos maiores problemas das cidades brasileiras. A densificação populacional, impulsionada pelo crescimento econômico, tem fomentado a ocupação irregular dos espaços urbanos, muitas delas em áreas de risco, sob o olhar inerte dos governos. (GIVANI CORRALO, 2011, p. 244)

 

Fugindo das limitações interioranas, seja pela falta de trabalho digno, acesso à saúde de qualidade, e ainda, atraídos pelas oportunidades nas indústrias, comércios e serviços, houve uma radical inversão nos locais de moradias dos brasileiros, do campo para a cidade.

Segundo IBGE, em 1940, o país contava com 41 milhões de pessoas, das quais 31,24% viviam nas cidades. Já no ano de 2010, dos quase 190 milhões de brasileiros, 84,36% habitavam as cidades.

Esses dados dão a certeza de que em pouco mais de meio século muitas mudanças ocorreram na vida das pessoas, que num primeiro momento viviam no campo, passando a desbravar novas oportunidades nas cidades.

Para regular esta crescente expansão urbanística brasileira, fez-se necessário a criação de normas que foram surgindo de forma gradual e constante, de acordo com as necessidades de cada momento histórico.

Nesse sentido, cabe destaque para o Decreto Lei nº 4.380/64 que criou o Banco Nacional de Habitação, as Sociedades de Crédito Imobiliário e o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU). Neste período da história, este decreto deu ao BNH (Banco Nacional de Habitação), a competência para desenvolver o planejamento local integrado e obras de infraestrutura urbana. Elaborou também o “Programa de Desenvolvimento Urbano” com o fito de racionalizar o crescimento das áreas urbanas brasileiras. O Banco Nacional de Habitação foi extinto em 1986 pelo Decreto Lei 2.291/86, sendo incorporado à Caixa Econômica Federal.

Nos dias atuais o Direito Urbanístico é um dos mais modernos ramos do direito público, apresentando evolução no seu conceito e atuação, mostrando a cada dia sua importância para o desenvolvimento das cidades. É parceiro inseparável da Administração Pública, pois expõe a necessidade da inclusão da gestão democrática, implantação dos planos e projetos urbanos, o desafio de prover habitação, transporte, lazer e trabalho a seus habitantes gerando a criação e recriação das cidades de forma equilibrada e segura para seus citadinos.

Por direito urbanístico deve-se entender o conjunto de técnicas, regras e instrumentos jurídicos, sistematizados e informados por princípios apropriados, que tenha por fim a disciplina do comportamento humano relacionado aos espaços habitáveis, isto é, ele reúne as normas disciplinadoras do ordenamento urbano, tendo em vista possibilitar a utilização harmônica dos espaços habitáveis de modo a assegurar a compatibilidade do desenvolvimento econômico e social com a proteção e a melhoria da qualidade de vida, para que o progresso se processe em função do homem e não às custas do homem. (FERRARI, 2014, P. 238)

 

A falta de regulamentação ao que está escrito no texto constitucional no que se refere a política urbana, foi suprimida pela edição da Lei Federal nº 10.257 que foi sancionada no dia 10 de julho de 2001 e ficou conhecida como “Estatuto da Cidade”. Esse Estatuto foi amplamente discutido pelo parlamento brasileiro, ficando em pauta por mais de dez anos.

Foram precisos mais de dez anos de discussão e modificações de toda ordem para que o projeto de lei original fosse finalmente aprovado, e o texto final da lei revela todas as dificuldades do processo de negociação e barganha que se deu entre diversos interesses existentes a cerca da questão do controle jurídico do desenvolvimento urbano. (EDÉSIO FERNANDES, p. 12, 2001)

 

Concretizando-se o que já existia no texto da constituição de 1988, ainda tratando sobre a política urbana, com a criação do Estatuto da Cidade, houve a confirmação indubitável da presença do Direito Urbanístico como um ramo autônomo do direito público, tornando-se fundamental para a criação dos conceitos necessários para aclarar e nortear os fazeres dos gestores municipais.

Em que pese a relevância dos novos instrumentos jurídicos e urbanísticos criados e regulamentados pela lei federal, acredito que a importância maior do Estatuto da Cidade se deve principalmente ao marco conceitual por ele consolidado que, se devidamente assimilado, deverá se tornar a referência central para a devida compreensão e interpretação das muitas e complexas questões jurídicas intrínsecas ao processo de uso, ocupação e parcelamento do solo urbano, bem como às práticas de gestão urbanas. (EDÉSIO FERNANDES, p. 13, 2001)

 

 

A Lei 10.257 de 10 de julho de 2001, trouxe grande contribuição para o direito brasileiro, porque além de regulamentar os arts. 182 e 183 da Carta Magna brasileira, estabeleceu diretrizes da política urbana, dando o norteamento que estava faltando para a devida organização do crescimento das cidades, garantindo para os citadinos um lugar equilibrado para viverem e desenvolvendo a função social da cidade, qual seja, boa habitação, oportunidade de trabalho, segurança na circulação bem como oferta de lugares para laser e recreação.

O Estatuto da Cidade traz também regras de uso e ocupação do solo, contemplando a função social de propriedade, cabendo, dessa forma, ao Município a regulação local através de seu Plano Diretor. Isso precisa ser organizado em regras acessíveis a toda a comunidade e para isso haverá, necessariamente, investimentos por parte da administração pública para implementação do que fora construído dentro do Plano Diretor, visto ser esse plano a expressão prática do que se discutiu por todos os envolvidos em sua criação.

É claro que para a execução do Plano Diretor se faz necessário recursos financeiros. Ferrari explica o seguinte:

O legislador federal não ignorou, porém que a viabilidade e implementação da política urbana depende do volume de recursos financeiros do Município dirigidos para este fim. Dessa forma, o Estatuto da Cidade disciplina, no § 1º do art. 40, que “o plano diretor é parte integrante do processo de planejamento municipal, devendo o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual incorporar as diretrizes e as prioridades nele contidas.”  (FERRARI, 2014, p. 240)

 

Sabe-se que as decisões políticas estão, ou deveriam estar, em sua maioria, atreladas a normas de direito, sejam elas referentes ao Direito Constitucional, Direito Civil, Direito Administrativo, Direito Ambiental etc. O grande desafio para os gestores é acompanhar de forma atenta as mudanças que ocorrem na sociedade e no direito, permitindo-se reanalisar as leituras que já estão acostumados a fazer, bem como os meios pelo quais resolviam questões através das normas.

Outra importante atitude seria antever o crescimento da cidade, demarcando com firmeza as zonas bem como os enquadramentos utilizados para a construção de habitação, realizando assim, a implementação do que dispõe o plano diretor.

No que tange a organização do crescimento da cidade, há que se verificar a interligação entre as normas, não devendo haver preferência de uma sobre a outra.

Se o direito urbanístico e a gestão urbana não podem ser pensados separadamente, é preciso “arrancar” o tratamento jurídico do direito de propriedade imobiliária do âmbito individualista do Direito Civil para colocá-lo no âmbito social do Direito Urbanístico, de tal forma que o direito coletivo ao planejamento das cidades criado pela Constituição Federal de 1988 seja materializado. Da mesma forma, é preciso “arrancar” o tratamento jurídico da gestão urbana do âmbito restritivo do Direito Administrativo para colocá-lo no âmbito mais dinâmico do direito urbanístico, de tal forma que o direito coletivo à gestão participativa das cidades, também criado pela Constituição Federal de 1988, seja efetivado.  (EDÉSIO FERNANDES, 2001, p. 13-14)

 

Com a implantação das regras de Direito Urbanístico os gestores passaram a ter que motivar cada vez mais detalhadamente seus atos, fazendo uma ligação do projeto de governo com as decisões advindas do povo para a adequação necessária do que será feito na prática.

Além disso, há por parte da população a obrigação de atender aos ditames do que fora posto como regra, havendo, inclusive, a interferência do poder público municipal no direito dos mais importantes e antigos da história do homem, qual seja, o direito a propriedade.

 

A pormenorização dos limites urbanísticos ao direito de propriedade e ao direito de construir denota o relevo das questões locais na definição dos usos possíveis em cada região urbana e rural e do quanto e como podem ser efetivadas as construções. É a conjugação de inúmeros fatores (topográficos, infraestruturais, populacionais, econômicos, sociais...) que definirão tais limitações legislativas ao direito de propriedade, que fundamentará o exercício da polícia administrativa municipal. Inevitavelmente, o cerne das disposições legislativas locais repousa no Plano Diretor. (GIVANI CORRALO, 2011, p. 245)

 

Quando escolhemos viver em sociedade, abrimos mão de determinados direitos individuais e passamos a seguir regras direcionadas para a coletividade. Quando o município escolhe as regras indicativas de como a cidade deve crescer, o faz baseado em um instituto jurídico chamado Plano Diretor Participativo. Significa dizer que toda a comunidade deve participar de forma democrática de um processo de escolha que garantirá o crescimento da cidade da maneira mais adequada, proporcionando aos cidadãos uma cidade ecologicamente correta, com boa mobilidade urbana, atraente para investidores, interessante para passeios e turismo etc.

 

CONCLUSÃO 

              Isso posto, conclui-se que a omissão por parte dos agentes políticos no que toca ao crescimento das cidades, faz que estas cresçam de forma descontrolada, desorganizada e desassistida. A Constituição garante, a lei regulamenta, mas ainda é necessário o esforço para que a realidade possa ser vista como o indicado nas cartas legais. Para isso, a política urbana necessita olhar mais para os regulamentos legais e colocá-los em prática para que todos possam ter o acesso a uma cidade limpa e livre de desastres, visto seguir um protocolo que visa, acima de tudo, a segurança dos cidadãos que fazem a cidade.

REFERÊNCIAS

COSTA, Nelson Nery. Direito Municipal Brasileiro. 4ª Edição. Editora Forense. Rio de Janeiro, 2010.  (BRASIL, 1979)

 

DIAS, Daniella Maria dos Santos, Planejamento e Desenvolvimento Urbano no Sistema Jurídico Brasileiro: Óbices e Desafios/ Daniella Maria dos Santos./ Curitiba: Juruá, 2012.

 

FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Direito Municipal/ Regina Maria Macedo Nery Ferrari. – 4. Ed. ver., atual. E ampl. – São Paulo:  Editora Revista dos Tribunais, 2014.

 

FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. 12ª Edição Revista e Ampliada. Editora Atlas S.A. São Paulo, 2015.

 

IBGE. CIDADES. 2019. Disponível em: . Acesso em: 25 nov. 2019.

 

IBGE. População e Demografia: Indicadores Demográficos. 2010. Disponível em: . Acesso em: 13 out. 2019.

 

MACHADO, Alberto Villoso; SERRADO JUNIOR, Odiné; BUCHMANN, Willian. Consideração Técnica nº 12/2013. 2013. Disponível em: . Acesso em: 26 nov. 2019.

 

SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro, 8. Ed., atual. São Paulo: Malheiros, 2018.