Agora é para você essa carta. Adoro escrever e tenho feito isso ao longo de toda a minha vida. O interessante de escrever e que você pode reler, refazer, escolher as melhores palavras e ser coerente com a mensagem que se pretende deixar. E não quero dizer me esconder atrás de frases bem elaboradas. Mas existem certas situações que todas as palavras já foram ditas e ainda assim permanece a sombra da dúvida, uma falta de entendimento ou mesmo alguma ilusão que algum gesto possa ter demonstrado.

E definitivamente não é o que eu quero que aconteça conosco. E uma vez que te escrevo algumas linhas assumo a responsabilidade pelo que está escrito completamente e confesso que tenho receio, porque te conheço, sei que essa carta pode ser impressa e parar em mãos erradas. E não porque esteja escrito algo que não deva ser lido por outras pessoas, mas não sei o quanto essa pessoa estaria preparada para entender que um relacionamento profissional (como o nosso) pode chegar nesse nível de abordagem sendo que eu nunca ultrapassei o limite do convívio social.

Estamos em uma fase diferenciada em nosso relacionamento, em que vejo a cada dia o seu interesse em estar mais perto de mim, em me conhecer melhor e ouvir minhas histórias. Você pode até se questionar se não foi sempre assim. E eu te digo que não. Você não é assim com outras pessoas, você é disperso e desinteressado e tem mais vontade de falar do que de ouvir. Desde que te conheci notei essa característica, fora a sua falta de reservas e limites. E vinha sendo interessante conviver profissionalmente com você, o trabalho seguia mais light sem muita paranóia. Pelo menos até então. Porque atualmente te digo que nem o trabalho segue tranquilamente, porque já está emocionalmente misturado. Você não consegue ser racional. E não é algo que você consiga controlar, você é emocional. O primeiro passo seria reconhecer essa questão, mas vejo que você ainda acredita que consegue ser racional.

Até aí, não tem nada a ver comigo, se não fosse pelo fato desse comportamento me incomodar quando me envolve diretamente. As pessoas ligam você a mim, não tem jeito. Esse relacionamento que estamos desenvolvendo acaba transparecendo para as outras pessoas como se ele fosse prioritário ao trabalho e carreira. E é nesse ponto que nós dois precisamos atuar fortemente. Vejo que nós dois saímos perdendo. Mas de maneira "adulta", quero dizer, que não é indo contra as idéias, ou mostrando em atitudes infantis que não nos damos bem ou qualquer coisa do gênero. O caminho é mudarmos o nosso discurso um com o outro. Ser mais polido e educado seria um bom começo. Além disso, respeitar as normas básicas de postura dentro de uma empresa, do tipo respeitar o direito dos outros se expressarem, não demonstrar uma intimidade que não se tem, parar de focar nos pontos negativos do outro, parar de evidenciá-los e por aí vai.

Não vejo outra saída a não ser nos policiarmos mais e sempre. E não é simplesmente representar, mas sim incorporar tudo isso no nosso relacionamento. Sei que falta respeito (e aqui assumo minha parcela de culpa) e as pessoas notam. Não precisa conviver muito, basta uma reunião para os demais perceberem que temos um relacionamento, no mínimo, confuso. Isso não é legal. E se, nós dois queremos subir na organização, se queremos uma carreira, seria bom começarmos a nos preocupar com isso. Estamos em uma empresa que a imagem é muito importante.

Outro ponto que gostaria de tratar com você é em relação ao entendimento do que falamos. Por muitas vezes, a sua ansiedade te conduz a formar uma opinião rápida e quase sempre errônea do que estamos falando.E você age em cima de suas crenças. Se você achar algo com certeza fará, você não dá um tempo para aquela idéia amadurecer. Uma vez formada qualquer opinião você sai em disparada. E pode acontecer de potencializarmos algumas situações e a leitura que os outros fazem é de ansiedade. Não quero esse rótulo. Ele, a partir de agora, ganha um peso maior e vai nos atrapalhar.

Estive conversando com um amigo e ele comentou comigo que acredita que eu te atrapalho profissionalmente mais do que você a mim. E vendo todas as considerações que ele colocou, eu achei muito interessante o discurso. Acabei por entender algumas coisas que você já havia me dito anteriormente.Eu ainda não tinha essa visão. Segundo ele, a medida que atuamos com uma "certa" intimidade perante outros, eu sempre reforço pontos fracos seus (com a melhor das intenções) e isso acaba com a sua credibilidade. E você, por sua vez, acaba abrindo algumas reservas que eu tenho e isso gerencialmente falando significa um despreparo para assumir outro nível de carreira.

Eu não estaria te escrevendo tudo isso, se fossem apenas impressões minhas ou suposições. Falo em cima de fatos ocorridos. E todo esse quadro que aqui exponho fica reforçado pela declaração que você me fez outro dia: de que o seu interesse ia realmente além do profissional. Confesso que me surpreendi com essa declaração. Não esperava por ela. E muito do meu interesse em trabalhar com você estava alicerçado em uma postura séria. Hoje confesso que não rola mais interesse de dividirmos o trabalho, porque foi um balde de água fria.

Agora fico sem saber como agir e me portar perante você. Porque mesmo deixando claro para você que jamais teríamos algo juntos ou ultrapassaríamos a linha de um relacionamento profissional, a postura hoje é outra. Porque a amizade já é ir além do trabalho e eu sou extremamente reservada para isso. Tenho algumas experiências anteriores de pessoas que confundiram a liberdade que tinham. E escrevo essa carta para evitar algo nesse sentido.

Entendo que você já recuou, já sabe que não vamos passar disso. Mas apesar de racionalmente ter isso claro, ainda assim não acho que é a mesma coisa. Uma vez revelada alguma outra intenção é complicado fingir que nada aconteceu e voltar ao que era antes. Apesar de ser o que faço e me prometo todos os dias, gostaria de conseguir passar uma borracha nisso. O meu empenho está nisso.

Novamente, apesar de tudo o que eu te escrevo agora, sei que você vai questionar várias coisas, não concordar com outros N pontos e ficar falando deles. Definitivamente, não gostaria que o seu entendimento de tudo isso que escrevi se limitasse a acreditar que carreira é mais importante do que relacionamentos pessoais para mim. Mas o que eu queria é simplesmente que o tempo fosse capaz de fazer voltar o que tínhamos (muito mais saudável do que agora). Hoje ele é "pesado", cheio de más interpretações e truncado. Com vários pedidos de desculpas por dia e frases atravessadas. Ou seja, tem sido extremamente desgastante todo esse processo e a um preço muito alto.

Contrariando o que sempre faço, acho melhor não reler esse texto, para que seja exatamente o que eu estou sentindo, sem tentar consertar a forma ou mudar a intensidade. Nem sei se te envio esse texto, não sei se ele será realmente efetivo, talvez não.

Acredito que com você, daria certo me manter em silêncio.

Mas aprendi que ignorar os fatos... não os muda.