Filosofias e Ideologias

Por Leôncio de Aguiar Vasconcellos Filho | 09/10/2025 | Filosofia

O passar dos séculos e milênios, nos casos de história documentada, faz sobreviver a memória de muitos que deixaram marcas positivas, e como modus operandi aos mais heterogêneos sistemas, naquilo em que coincidem. Muitas pessoas dizem não haver ninguém completamente mau. Não cá estou a discordar ou concordar, mas, sim, a afirmar que não há um Estado bom ou mau. Um exemplo é a China continental, que deve parte de seu crescimento ao seguimento às disciplinas de diferentes filósofos, como o fazia em relação a Confúcio durante suas outrora gloriosas dinastias.

Confúcio foi o fundamento de todas as “Eras de Ouro” pelas quais passou o “império do meio”, séculos antes e vários após o início da Era Cristã.  É claro que o atual regime chinês nunca seguiu seus ensinamentos no sentido de que o poder político deve ser exercido com benevolência, e não pela força (neste sentido, é estritamente seguidor de Maquiavel, que afirmara ser dever do governante manter a ordem, nem que para isso precisasse derramar sangue). Mas é essencial captarmos ser aquela república uma fiel seguidora do confucionista valor determinador de ser a verdadeira glória reside não na ausência do fracasso, mas no reerguimento após o mesmo.

Digo isso porque, desde a Revolução Xinhai, abolidora da monarquia entre 1911 e 1912, e até o início da década de 1980, a China continental fora arrasada por guerras civis, que se iniciaram por meio dos enfrentamentos entre nacionalistas e socialistas (resultantes na secessão de facto e conseguinte fundação de Taiwan pelo foragido general Chiang Kai-Shek) e pela Revolução de 1949 (que, vencedora dos mencionados combates, após décadas instalou o regime socialista sob Mao Zedong), ocasionadora de suas malfadadas políticas econômicas, como “O Grande Salto para Frente”, adotado no crepúsculo da década de 1950. 

Só que Chiang Kai-Shek foi derrotado militar, e não economicamente. A fundação de Taiwan, calcada nos pilares de um saudável, mas não predatório liberalismo econômico (dando-nos a interpretação de que confiou na “mão invisível” do mercado, tal como propusera o teórico Adam Smith), que, sob o signo do confucionista Estado de exemplo, selou a até hoje rivalidade com a China continental, politicamente impositiva da ordem maquiavélica.  

Ao início dos 80, o regime da China continental, sob Deng Xiaoping, percebeu o fracasso econômico que resultara em milhões de mortos por inanição, mas não se intimidou. Passou a capitalizar o país, embora este ainda seja, formalmente, uma economia socialista. Grande parte da população ascendeu a uma recém-criada classe média, com a mentalidade não de enriquecimento sem limites, mas, sim, de compatibilidade de ensinamentos, como o do “chanceler de ferro” alemão Otto von Bismarck, que afirmara ser a política a arte do possível, junto à máxima de Confúcio de que possuir algum dinheiro é razão de tranquilidade, e, muito, de preocupação: afinal, não se abandona subitamente uma doutrina econômica, mas de modo gradual, e tendo-se em conta de que não será possível a riqueza sem limites à geração renunciante, mas às vindouras.

É claro que a geração renunciante não cederia em prol de quem, ainda, nem existe. Daí, o Estado impõe a doutrina repressiva de Maquiavel, a exemplo do Massacre da Praça da Praça Celestial, em 1989, e do que continuará a ocorrer no Tibete (apesar de este ter sido invadido sob a liderança de Mao Zedong, em 1950, quando nem se cogitava realizar as reformas que, a exemplo de Taiwan, transformariam a China continental num “tigre asiático”).

Confúcio não mencionava questões metafísicas. Maquiavel delas caçoava, como numa passagem em que disse desprezar o céu (em que teria o convívio de monges, eremitas, santos e papas) em proveito do inferno (no qual dividiria sem tempo entre príncipes, reis e imperadores). O irônico é que, quando questionados sobre suas violações aos direitos humanos (e, assim, a respeito das referidas práticas maquiavélicas) os repressores chineses parecem seguir o sábio e não-teísta Confúcio, quando este declarou que “o silêncio é um amigo que nunca trai”. Assim, atraem a simpatia e podem desfrutar da companhia de príncipes, reis e imperadores sem a ida para um inferno.