Celso Klammer*

Perceber a presença da ideologia no livro didático é detectar também esta  presença em qualquer aspecto da vida humana. Como diria o velho Gramsci, filósofo italiano, “viver significa tomar partido. Não podem existir os apenas homens, estranhos à cidade. Quem verdadeiramente vive não pode deixar de ser cidadão e partidário”. Ou seja, precisamos ter clareza do conjunto de ideias que dão sustentação à nossa forma de pensar, de sentir e de agir porque a nossa consciência é construída a partir de discursos assimilados no conjunto de todas as relações sociais. São estes aspectos que dão um direcionamento às nossas mais diferentes concepções de mundo, sejam sobre religião, família, estética, educação, ensino ou livro didático.

Contudo, é preciso resgatar o conceito de ideologia. Ele surgiu em 1801 e o seu sentido pejorativo foi passado para a História por Bonaparte. Marx conservará o sentido napoleônico enquanto função de ocultamento da realidade. Considerando esta abordagem, precisamos entender agora sobre a função do livro didático. Em primeiro lugar, ele precisa ser entendido como parte da história cultural da nossa civilização. Em segundo lugar, ele é o objeto do processo de ensino e aprendizagem e, nesse contexto, há vários sujeitos: o autor, o editor, a escola e, sobretudo, os professores e alunos. É impossível que a ação destes sujeitos na produção e na relação com o livro didático seja neutra ou isenta de valores, crenças e opiniões. Como afirma o pesquisador Chartier, “não existe nenhum texto fora do suporte que o dá a ler, que não há compreensão de um escrito, qualquer que ele seja, que não dependa das formas através das quais ele chega ao seu leitor”.

Como diz Hobsbawm, historiador inglês, “é impossível uma ciência puramente objetiva e isenta de juízos de valor [...]”. Portanto, o livro didático está carregado de valores, crenças e opiniões sejam sobre mulher, homem, família, sexualidade, etnia, religião,  enfim,  tudo que faz parte do fazer e do pensar da nossa humanidade. A abordagem destes temas depende da bagagem e da concepção que os sujeitos envolvidos possuem. É preciso compreender a forma como os livros são produzidos, distribuídos e adotados. No entanto, é imprescindível destacar a importância do professor nesse contexto. Ele também possui crenças e valores que dão sustentação a sua prática em sala de aula e, particularmente, sua relação com o livro didático. Tomar consciência destas crenças é perceber o caminho que norteia a sua prática, é estabelecer conexões com os fenômenos que se apresentam cotidianamente, é estar sintonizado com o seu fazer e o seu pensar pedagógico, tendo claro o perfil de aluno que pretende formar e para que sociedade.

 Uma forma de incrementar a ação do professor sobre a utilização do livro didático em sala e aula seria por meio da formação continuada. A docência é uma profissão - e como tal, precisa de uma formação específica e constante, como qualquer outra atividade profissional. Esta formação consiste em cursos ministrados aos professores pelas instituições competentes, a fim de que possam expandir a reflexão e as formas de utilização do livro didático. Esses cursos podem proporcionar as trocas de experiências vivenciadas em sala de aula, reflexões para novas abordagens e, principalmente, contribuir para a autonomia deles na avaliação e seleção dos livros didáticos.

*Celso Klammer é doutor em Educação e coordenador do Programa de Formação Docente da Universidade Positivo.